Todos os que conhecem de perto a
política paulista sabem que Fernando Henrique Cardoso e José Serra são cordiais
adversários. A entrada do ex-presidente na campanha para a prefeitura de São
Paulo, mesmo que seja com um simples depoimento no programa eleitoral, pode
significar o beijo da morte na candidatura tucana, conforme o conhecido código
de Palermo.
Serra e Fernando Henrique caminharam
juntos, quando se encontravam no lado esquerdo da estrada. Suas idéias, ainda
que não fossem exatamente as mesmas, eram muito próximas, quando buscavam o
poder possível. Tinham, naquele tempo, a consciência de que dificilmente seriam
protagonistas do processo político no futuro estado democrático.
Esperavam, quando muito, obter algum
mandato parlamentar, em nome da relativa perseguição sofrida durante o regime
ditatorial. É certo que, uma vez portadores desse mandato, naturalmente
encontrariam aberta a via para trechos mais amplos em sua biografia.
O fato é que ambos foram favorecidos
pelas circunstâncias. Com prestígio nas elites intelectuais e sociais de São
Paulo, Fernando Henrique foi candidato em uma sublegenda para o Senado em 1978
– e perdeu para o cabeça da chapa, Franco Montoro. Quando Montoro se elegeu
governador em l982, ele, como suplente, chegou ao Senado, conforme as regras
eleitorais de então.
José Serra, filho de imigrante
italiano que trabalhava como feirante, tinha todas as condições para tornar-se
um grande líder de esquerda no Brasil: origem de classe, capacidade de
mobilização da juventude e conhecimento dos fundamentos da economia. Em certo
trecho de sua vida, no entanto, Serra passou a ser apoiado pelos banqueiros e
grandes empresários de São Paulo – a mesma clientela de Fernando Henrique.
Nisso, talvez, resida a discreta
rivalidade entre ambos: jogam no mesmo time e na mesma posição. Servidores da
hegemonia paulista na vida nacional, os dois sempre contribuíram para o
enfraquecimento do sistema federativo. José Serra se orgulha de haver impedido,
na Assembléia Constituinte de 1988, a descentralização do sistema tributário
nacional, que daria mais recursos aos estados. Fernando Henrique acabou, de
fato, com a autonomia dos Estados em seu mandato. Serviram, assim, aos
interesses de São Paulo, ao dificultar o desenvolvimento das demais regiões
brasileiras. Minas foi mais prejudicada, por ser o segundo estado da federação,
mas se reconheça que, ao servir aos interesses econômicos de São Paulo, os dois
serviram aos seus patrocinadores.
Fernando Henrique não renuncia a ser
reverenciado não só pelo auto proclamado excelso e universal saber, mas também
por sua presumida liderança política sobre os neoliberais. Não lhe convém a
ascensão de Serra, onze anos mais moço. Há pouco, FHC jogava nas
costas do outro a privatização das empresas estatais. Agora, apóia a sua
postulação à Prefeitura. Não acrescenta ao candidato os votos das elites de São
Paulo, mas reduz os que possa angariar na periferia.