Assembleia Constituinte Exclusiva -
o dilema entre a práxis histórica e o ideal racional
Introdução
As Assembleias
Constituintes não tomam o poder, mas (re)organizam o novo Estado, (re)compõem
os fatores reais de poder, mas têm como motivação essencial (re)ordenar o
funcionamento das instituições, promulgando uma (nova) Constituição. Neste
sentido, a preocupação essencial deste “escrito” não foi estudar as formas de
tomada de poder, mas demonstrar as alternativas possíveis a realização de uma Assembleia
Constituinte, sem que ficasse o trabalho presidido por qualquer sistematização
rigorosa, evitando construir uma tipologia de Assembleias Constituintes (e
conceituando-as) mas indicando estes especiais tipos no seu desenvolvimento,
especialmente no contexto histórico brasileiro.
O paper está
subdividido em 4 (quatro) partes discursivas que versam sobre o conceito de Assembleia
Constituinte, sobre a evolução histórica do quadro das constituintes
brasileiras, sobre a constituinte exclusiva e sobre a Constituição atual, a
natureza da Assembleia Constituinte exclusiva. Estas subdivisões, na verdade,
não visam exatamente a contribuir para uma teoria da Assembleia Constituinte
exclusiva, nem muito menos da Assembleia Constituinte, mas procura sistematizar,
para demonstrar historicamente, as suas dificuldades concretas, de realização
sem, com isto, desprezar, finalmente, a partir da diferença da práxis
constituinte brasileira, a Constituinte exclusiva, como tipo ideal racional[2],
no contexto de suas possibilidades de realização, inclusive no âmbito da
Constituição vigente.
1.
Do Conceito.
O autor da
clássica teoria da Assembleia Nacional Constituinte Joseph Emmanuel. Sièyès, editada em livro durante a Revolução Francesa, definiu que
elas nascem de forças políticas paralelas mais fortes do que as forças
políticas instituídas. Estas forças emergem de revoluções vitoriosas, que
prenunciam novos propósitos de organização política ou de dissensões
institucionais, que refletem reinclinações parlamentares que se constroem
dentro do próprio poder constituído contra as frações dominantes hegemônicas [4].
A Assembleia Constituinte é um ato político extremo contra a ordem constituída
com o objetivo de reordenar a legalidade instituída, para os constituintes,
corroída pela ilegitimidade representativa.
Todavia,
muitas são as circunstâncias em que a proposta constituinte evolui de
movimentos políticos paralelos, deslocados das órbitas do poder ou de
movimentos revolucionários que se posicionam radicalmente contra o poder
constituído, ou por sua força insurrecional ou pelas suas características
militares. Não é comum, por outro lado, que frações políticas ou militares da
própria ordem se arvorem de poder revolucionário constituinte e do poder
reconstruam o poder, mas a história nunca se encerra inexoravelmente em seus
próprios limites, deixando sempre em aberto novos espaços criativos e
especulativos.
Nem
sempre, todavia, os movimentos revolucionários ou insurrecionais politicamente
vitoriosos evoluem para assembleias constituintes destinadas a “constituir” uma
nova Constituição ou nova ordem jurídica, sendo mais provável que se fechem no
poder e governem autocraticamente e, muitas vezes, pelos seus próprios
desígnios, outras pela absoluta falta de ambiente político circunstancial
receptivo à mudança. Nestes casos, é provável que o quadro evolua
entropicamente [5] e o movimento vitorioso submerja nas suas próprias circunstâncias
ou por pressão externa, provocando novas ebulições e novas acomodações.
Estas
especiais situações, finalmente, demonstram, que, por estas razões, muito
dificilmente na historia dos povos as constituintes tiveram uma natureza
essencialmente exclusiva, ou seja, foram promulgadas como Constituição que
traduzisse o puro e explicito projeto ideal-racional, assim como, as frações
vitoriosas hegemônicas não apenas, quase sempre, buscaram fórmulas possíveis de
fazer de seu poder constituinte exclusivo e limitado um poder terminal, que
exprimisse o seu próprio projeto de interesses, procurando fazer da (sua) nova
Constituição pressuposto continuísta do próprio poder, convertendo as
constituintes exclusivas em parlamentos ordinários.
2. Da
Constituinte na História Brasileira [6]
A
história brasileira tem demonstrado que poucas foram as situações em que as
forças dominantes nos movimentos paralelos vitoriosos contra o poder instituído
convocaram exclusivamente a sua própria constituinte. O clássico exemplo desta
situação ocorreu com a proclamação da independência (1822), que sucedeu à
convocatória da Assembleia Constituinte de 1823, quando os próceres da
independência, aliados aos exportadores brasileiros, tiveram o seu projeto de
Constituinte (dos Andradas) imediatamente abortado ou sufocado para terminar
numa Constituição outorgada pelo Imperador (1824), numa visível composição com
as elites do Estado colonial moribundo e as elites comerciais metropolitanas.
Nem muito menos vivemos situação mais ousada com a proclamação da República
(1889), desmobilizada, senão pelos seus próprios áulicos, que a formataram como
Decreto presidencial em 1889, transformado em Constituição, submetidos aos
oligarcas dos baronatos transmudados.[7]
As
frações republicanas e positivistas de Benjamin Constant e da Escola Militar,
na verdade, aliadas às próprias forças militares da ordem imperial evoluíram
para um Congresso Constituinte, que menos apreciou o projeto republicano
positivista (ideal racional), exceto na sua figuração gráfica, do que a
proposta presidencial de profunda vocação federalista, o que permitiu a
recomposição do grande condomínio oligárquico que sobreviveu intacto até
1926/30. Os efeitos do positivismo mais se restringiu aos símbolos nacionais, e
à formação militar, exceto sua interferência sobre a especialíssima
Constituição do Rio Grande do Sul, ficando fortalecido o federalismo como
projeto de descentralização do velho estado unitário imperial.
Historicamente
o mais expressivo movimento constituinte brasileiro evoluiu da Revolução de
1930, liderada por Getúlio Vargas, herdeiro do positivismo castilhista dos
gaúchos, aliado ao corporativismo teórico, para reconstruir o Estado brasileiro
corroído pelas fraudes eleitorais oligárquicas que se transformaram na negação
dos próprios propósitos republicanos, não sem antes, todavia, buscar na própria
ordem instituída os mecanismos corretivos da desordem. A Revolução de 1930,
neste sentido, é o mais lídimo exemplo brasileiro que evoluiu para uma Assembleia
Constituinte, não sem antes, todavia, ainda na força de sua ação vitoriosa,
editar o Código Eleitoral (1932), que alterou, previamente, como experiência
única no Brasil, antes da convocatória constituinte, como efetivo ato
revolucionário, profundamente a correlação entre as frações (fatores) reais de
poder, preservando a linguagem de Fernand Lassale. [8]
É
neste quadro, todavia, que vamos encontrar um dos mais lídimos exemplos das
dificuldades para a implantação de uma Assembleia Constituinte exclusiva,
principalmente porque o Código Eleitoral de 1932 rompera com a velha ordem
oligárquica, muito embora, todavia, não se aliara às forças revolucionarias os
movimentos operários emergentes, o próprio Partido Comunista criado em 1922 e,
nem muito menos os remanescentes da Coluna Prestes. A resistência da oligarquia
paulista, conhecida como movimento constitucionalista, (1932/33) acabou
provocando o pacto de recomposição entre as forças oligárquicas revolucionarias
de Getúlio, permeadas pelo intelectualismo corporativista, e as velhas
oligarquias exportadoras, que, não impediram, todavia, a modernização da ordem
econômica e do Estado, mas inviabilizaram o projeto de uma Constituinte
exclusiva à medida que votaram a sua continuação, por via indireta, no poder
mantendo-se no exercício dos seus próprios mandatos parlamentares o que
viabilizou a sobrevivência de Getúlio como Presidente e inviabilizou a
Constituição de 1934 sufocada pela Constituição do Estado Novo de 1937.
Os
acontecimentos mais recentes indicam que muitas foram as situações em que o
próprio poder constituído quis convocar a sua Constituinte e eleições
presidenciais, como foi o caso do próprio Getúlio em outubro de 1945
(Constituinte com Getulio), para desmontar a Carta autoritária de 1937, na
visível expectativa de continuar no poder, ampliando suas alianças à esquerda
trabalhista, muito embora, anteriormente, em fevereiro de 1945, pressionado
pelas forças democráticas civis e militares imediatamente, ao fim da Segunda
Guerra Mundial, tenha convocado a Assembléia constituinte e eleições
presidenciais. A convocatória de fevereiro de 1945, na forma de Lei
Constitucional n°. 09/45 (emenda presidencial), frente à pressão dos liberais e
dos militares prevaleceu para as eleições presidenciais e parlamentares de 15 de
novembro de 1945, sobre a manobra continuísta de outubro do habilidoso caudilho
gaúcho substituído por José Linhares, Presidente do Supremo Tribunal Federal -
STF, que presidiu as eleições.
Este
novo quadro convocatório fugiu radicalmente do modelo de constituinte de
1930/33, introduzindo elementos novos, pois o próprio governante convocara a
Constituinte de dentro do poder, por sua conta e risco, e os constituintes que
viessem a ser eleitos permaneceram, o que não era esperado, após a promulgação
da Constituição, como deputados de legislatura regular, como aliás acontecera
em todas as situações anteriores, mas foi no contexto destes fatos que
efetivamente se produziu e promulgou a constituição de 1946 e definiu-se com
clareza o modelo que historicamente sempre vivemos: o Congresso Constituinte.
Na verdade, 1945/46 foi a primeira grande reversão do quadro constituinte,
permitindo que as elites intelectuais da nova classe média, em ruptura radical
com as forças governantes tradicionais, elaborassem um texto constitucional
legislativo impar, mas que não alcançou, nem ao menos conseguiu vedar, a
sobrevivência da esdrúxula aliança executiva entre as frações conservadoras,
herdeiras da velha oligarquia “invernista” e as forças trabalhistas emergentes
– o paradoxal milagre getulista que sucumbiu e levou consigo a Constituição de
1946 com a aliança entre udenista, préceres do liberalismo, e os militares
comprometidos com os projetos de segurança nacional.
Esta
aliança governativa afundou o projeto liberal-democrático de 1946, mesmo com o
seu arremedo em 1967, frente ao impacto do Ato Institucional de 1968, e a
Emenda Constitucional de 1969, trazendo para os organismos da sociedade civil
(e para as ruas) uma nova proposta Constituinte: uma constituinte exclusiva e
soberana. Com a derrota da Emenda das eleições diretas para Presidente da
República (25/04/1984), uma tentativa de ruptura com as forças governantes de
1964/85 restou, com a colaboração governista, inclusive dissidente, e os
moderados de oposição, com a resistência dos grupos mais radicais, a fórmula
experimentada com sucesso em 1945, quando a iniciativa da convocatória
constituinte coube ao próprio poder (presidencial) instituído, naquele momento
histórico, pelo presidente José Sarney, Vice-presidente do Presidente eleito
Tancredo Neves indiretamente no Colégio Eleitoral (15/01/1985), mecanismo
sucessório histórico preservado pelo poder revolucionário (1964/68), que veio a
falecer, todavia, antes de sua posse presidencial. A Emenda Constituinte nº.
26/85 convocatória da Assembléia Nacional Constituinte foi aprovada pelo
Congresso Nacional estruturado no quadro dos atos e emendas antecedentes,
marcado, por conseguinte, pelos vícios e desvios do legitimismo revolucionário
que os moderados absorveram para viabilizar as reformas necessárias à
conciliação nacional.[9]
Este
modelo convocatório não fugiu dos padrões históricos, jurídicos e políticos que
presidiram as Constituintes brasileiras, sendo, no entanto, que o ato não foi
imperativo, mas aprovado pela maioria absoluta do Congresso na forma
constitucional. Neste quadro, os futuros deputados constituintes foram eleitos
na forma, se não idêntica, quase absoluta do Código de 1965, marcado pelas
restrições eleitorais pelo casuísmo revolucionário e pelos pactos de
sobrevivência do poder instituído, e não por novas leis eleitorais, o que em
principio não maculou a forma final do texto constitucional, apesar de suas
origens representativas [10].
O
modelo da eleição presidencial colegial, todavia, frustrou as expectativas da
sociedade civil de se convocar uma Constituinte Exclusiva e soberana, que,
embora sobrevivesse como propósito, submergiu na trágica vitória da eleição
presidencial colegial. Este quadro, mais uma vez demonstrou que o projeto de
uma Constituinte exclusiva desmanchou-se na convocatória da Emenda n°. 26/85,
que, promoveu um Congresso Constituinte que excluía a Constituinte Exclusiva e
viabilizava uma constituinte congressual que exprimisse uma grande composição
entre as frações políticas remanescentes de 1964/85, as frações de oposição
legal e os grupos anistiados beneficiados por Atos de 1969 e 1985.
Neste
sentido, o constitucionalismo brasileiro não é reativo a estes modelos
conciliadores de convocação de constituintes nascidos do próprio poder,
geralmente na forma de emendas constitucionais que podem ser mais ou menos
amplas. A Constituição vigente deixou em aberto a questão na mesma dimensão da
experiência anterior, pois tanto o Presidente da República, como os
parlamentares têm poderes para propor emendas constitucionais de alcance
constituinte derivado, (mas não Assembleia de força Constituinte-originária),
meramente destinadas a emendas pontuais, como as 56 já promulgadas ou até
destinadas à hipotética reforma de maior alcance político, desde que, devido a
esta especial situação constitucional, não afetem as cláusulas pétreas,
cumprindo os requisitos constitucionais.
Neste
sentido, entendemos que, na forma da Constituição vigente, tanto o Presidente
quanto o Congresso podem convocar emendas de força constituinte derivada,
propondo, inclusive, alterações no quórum constitucional, sendo, todavia, que a
emenda constitucional só pode ser aprovada na forma do próprio texto
constitucional. Mas, para tanto, mesmo nesta percepção restritiva, este projeto
deve ser debatido e eleitoralmente vitorioso como proposta de candidatos
presidenciais majoritários ou de partidos ou de coligações partidárias, sendo,
todavia, que, esta proposição constitucional dependeria sempre da aprovação da
emenda por 3/5 da Câmara e do Senado, que poderiam fixar novo quórum para a
reforma constituinte. Esta emenda, muito embora, possa alterar o quórum
constituinte, para efeitos de votação dos (novos) dispositivos constitucionais,
não poderá alterar as cláusulas pétreas (vigentes na atual constituição),
porque (neste caso) o poder constituinte originário, nasce do poder
constituinte derivado, o que não teria qualquer relevância se o movimento
constituinte avançasse independentemente do poder instituído. Mas, poder-se-ia,
acrescer, mesmo reconhecendo que as cláusulas pétreas são pétreas, que nada
impede que a República brasileira, pressuposto da vida política desde 1889,
viesse a gozar constitucionalmente do mesmo prestigio pétreo (§ 4°, art. 60.)
da Constituição que “a forma federativa de Estado, os direitos individuais
fundamentais, o voto direto, secreto, universal e periódico e a superação dos
poderes”. [11]
Para
que busquemos, agora, outros resultados, ficaram assim conceitualmente
sistematizadas as principais vertentes do processo Constituinte, assim como as
suas principais alternativas, para efetivamente demonstrar a natureza do pacto
constituinte de transição que permitiu a promulgação da pluralista Constituição
de 1988, evitando atos de ruptura, que, com certeza, melhor se expressariam em
uma Assembleia Constituinte Exclusiva.
3. Da Assembleia
Constituinte Exclusiva.
Este
tema tem sido sucessivamente trazido para a discussão política nos cenários de
grande turbulência constitucional ou, até mesmo, institucional. Expectativa
política dos tantos momentos de mudança da historia brasileira, na verdade, ele
não reflete os momentos reais de nossa transformação, mas a sucumbência de seus
propósitos aos modelos de transição por acomodação de frações de elite que
transmudam-no no continuísmo das legislações ordinárias. Todavia, apesar da
historia brasileira não ser a fonte de sua realização efetiva, não está
excluída a possibilidade das constituições expressarem, não os projetos de sobrevivência
das frações de poder, muito especialmente, os projetos infensos aos interesses
de classe ou de frações políticas, mas um projeto geral que sobreponha a visão
intelectual ou jurídica harmônica da organização do Estado aos interesses continuístas.
Neste
sentido, uma Assembleia Constituinte exclusiva e soberana, como, aliás, foram
as conclusões dos encontros e seminários do Conselho Federal da OAB, entre 1985
e 1988, que se encerrava(ria) com a promulgação da Constituição, convocando
eleições ordinárias, e retornando os constituintes à sua vida privada ou a nova
campanha eleitoral, não deixa de ser uma possibilidade. Todavia, não há como
desconhecer, em primeiro lugar, que esta não foi a prática histórica das elites
brasileiras e, em segundo lugar, que este modelo tem uma natureza ruptiva e, em
terceiro lugar, o modelo de constituinte exclusivista está vinculado à idéia de
que idéias existem independentemente de interesses. Estes três fatores,
combinadamente demonstram a grande dificuldade de se trabalhar politicamente
com modelos políticos puros, mas, e também, a imprescindível necessidade de se
reconhecer que o interesse nacional (e muito especialmente o desprendimento
pessoal) prevaleça sobre os interesses pessoais das frações de classe ou poder dentro
do Estado. Tarço Genro, Ministro da Justiça, recentemente, numa leitura
similar, mas não identica, observou que uma construção constituinte
(principalmente exclusiva) deve considerar que a sua superioridade depende da
vontade unitária do povo aceita como contrato político (sendo exatamente
porque) abre o regime democrático para a exigência de mais democracia. Se a
vontade unitária do povo é aceita racionalmente como um acordo engendrado pela
razão (tornada contrato político) ela não pode ser aperfeiçoada como fruto da
própria razão (para promover melhores contratos políticos). [12]
4. Da
Constituinte Exclusiva e a Constituição de 1988.
As
Constituintes, como procuramos demonstrar, devem (podem) ser convocadas em
situações de emergência absoluta, nos casos de insurreição ou movimentação
política vitoriosa nos seus mais diferentes tipos de manifestação, ou por
convocação dos próprios poderes nos casos de desagregação institucional ou de
contradição legislativa que evite a funcionalidade do Estado, com efeitos
sociais graves, ou dos próprios poderes. Este não é exatamente o quadro
constitucional brasileiro, apesar da convivência esdrúxula entre as normas
reordenadas pelas reformas neoliberais, que desmontaram a ordem econômica
estatista originária, e os complementos de funcionalidade harmônica: Poder
Judiciário, normas trabalhistas e normas sociais (ambientais) de longo alcance,
sem que houvesse dissintonias em relação aos direitos fundamentais.
Este
quadro de analise, de qualquer forma, cria uma situação de difícil apreciação
porque uma constituinte, principalmente se for exclusiva, para que alcance
resultados efetivos, exige uma previa reforma política. Todavia, qualquer
reforma política, desde que não evolua de um quadro revolucionário, como
aconteceu em 1930, e este não é o caso brasileiro atual, para que tenha
alcances efetivamente modificativos não pode estar limitada pelas expectativas
parlamentares dominantes no quadro institucional da ordem jurídica vigente. Na
verdade, este é o grande paradoxo para convocatória de uma constituinte
exclusiva em um quadro de funcionamento democrático porque os parlamentares
deveriam ter expectativas constitucionais que se sobreponham aos próprios
interesses que os elegeram ou que representam. Não queremos afirmar que isto é
impossível, que os parlamentares não possam ser tomados por ideais racionais,
mas não é de todo comum nas circunstâncias políticas, principalmente
considerando que o homem político está imerso no fenômeno político, e não
vivemos no Brasil qualquer sintoma indicativo de movimentação política
insurrecional.
No
contexto constitucional atual, presidido por uma democracia parlamentar
pluralista, de alta flexibilidade, podem ser levantadas varias hipóteses, pois
a Constituição vigente abre, neste sentido, dois grandes espaços convocatórios:
a convocação de um plebiscito (mesmo na forma de referendo popular) que não é o
caso, reconhecido como explicita e exclusiva competência do Congresso Nacional
(inc XV, art. 49). Por outro lado, dispõe que a Constituição poderá ser
emendada (poder constituinte derivado (art. 60)) por proposta da Câmara dos
Deputados ou do Senado Federal (inc I), do Presidente da Republica (inc II) de
mais da metade das Assembleias Legislativas, obtida da maioria relativa de seus
membros (inc. III).
As
duas alternativas não propriamente entre si se excluem, mas à medida que a
segunda hipótese fala apenas que a Constituição poderá se emendada significa
que a convocatória constituinte somente poderia evoluir do poder constituinte
derivado (emenda) na forma e nos conformes constitucionais. Este caminho seria
juridicamente inviável para uma constituinte exclusiva e, restritivíssimo, para
uma “mini-constituinte” ou uma constituinte restritiva ou de mera coerência
adaptativa, além do que seria paradoxal uma alternativa de poderes limitados
convocar poderes ilimitados.
Em
termos de historia brasileira não seria de todo impossível, mesmo porque em
1985 a Constituinte que provocou a carta de 1988 (esta que agora interpretamos)
foi convocada na forma de Emenda Constitucional, que, e ainda mais, traduziu um
pacto de transição conciliadora ente frações de poder e frações politicamente
ascendentes. Isto significa, o que não entendemos, todavia, impossível, mas
objeto de perscrução mais profunda, que, não havendo um quadro de ruptura
constitucional, mas apenas de desarticulação da coerência das normas
constitucionais, impactadas por cerca de 60 emendas, e desarticuladas por uma
infinidade de medidas provisórias casuístas e circunstanciais, o quadro razoável
possível é a convocatória constituinte, muito embora a matéria seja de
competência exclusiva do Congresso Nacional através de previa consulta
plebiscitária onde a interferência do Poder Executivo (Presidente da República)
só seria possível se a própria convocação plebiscitária se lhe atribuísse este
poder, o que, em principio, pode tudo, desde que o Congresso aprove.
É
claro que este quadro é muito difícil principalmente se considerarmos que o que
se espera(ria) é uma constituinte exclusiva que romperia (pelo menos em tese)
com os pactos parlamentares que deram sustentação à promulgação constitucional
e as suas extensivas emendas. Isto não impede, é claro, na evidencia de que a
desordem constitucional inviabiliza a funcionalidade do Estado, ele mesmo (o
Estado) alcance seus objetivos, mesmo porque não há evidencias de sublevação
insurrecional (embora de rebeldia criminosa), que grupos esclarecidos
identificados com os ideais racionais (programático) de mudança alcancem formas
especiais de mobilização popular com o objetivo de convocação de plebiscito.
Conclusão.
O
objetivo central deste “escrito” não foi propriamente demonstrar a
imprescindibilidade de uma Assembléia Constituinte exclusiva para se realizar
uma Reforma Política do Estado brasileiro, mas conceituá-la para demonstrar-se
as suas dificuldades como concretização de uma constituição de novo tipo, num
estado de novo tipo, no contexto da práxis histórica das constituintes
brasileiras. Na verdade, procuramos contrapor a Constituinte expressiva de
interesses, como acomodação conciliatória de frações políticas e a constituinte
como “projeto ideal de nação”, desenvolvendo, a partir desta posição, as
dificuldades para se contradizer e contrariar a pratica de sobrevivência das
próprias elites brasileiras.
O
trabalho, não propriamente demonstrou, que, as constituintes exclusivas poder
se realizar como “ideal racional nacional”, mas, também, insistiu na tese de
que os interesses das frações de Estado e mesmo os interesses pessoais são um
forte empecilho para se realizar constituintes que se auto extingam após a
promulgação constitucional para ceder espaço a processos eleitorais livres e
infensos dos vícios que acompanham a desordem constitucional, quando se
desequilibram as normas e as crises, quando passam a pressionar o funcionamento
rotineiro da burocracia do Estado.
Finalmente,
neste trabalho reconhecemos a importância “ideal” das constituintes exclusivas,
mas reconhecemos, também, que a realidade circunstancial da convocação
Constituinte nem sempre está presidida pelas políticas de ruptura ou pelo
desprendimento ideológico, mas pela acomodação de interesses e pela conciliação
de objetivos entre os fatores reais de poder sempre muito visíveis na práxis
constituinte brasileira.
Notas:
[1]Este texto
foi desenvolvido para o Seminário Reforma Política – O Estado Democrático
Passado a Limpo, promovido com o apoio do Tribunal Regional Eleitoral (Escola
Judiciária Eleitoral), a FIRJAN e o IAB, a partir de subitem do capitulo sobre
A OAB e o Estado de Segurança Nacional da Tese de Doutorado de Aurélio Wander
Bastos, intitulada A Ordem dos Advogados e o Estado Democrático no Brasil.
IUPERJ/UCAM. 2007.
[2] WEBER, Max.
Economia e Sociedade. Brasília. Ed. UnB. São Paulo: Imprensa Oficial de São
Paulo, 1999. Este autor desenvolve e especialmente colabora para a formatação
dos tipos ideais de dominação a partir da teoria da legitimidade, também mais
tarde compartilhada com Carl Schmitt, que, a estudou comparadamente com a
teoria da legalidade formal (racional) in Legalidad y Legitimidad. Madrid,
Aguilar. 1971.
[3] SIEYÈS, Joseph Emmanuel. A
Constituinte Burguesa Qu’est-ce que le Tiers Etat? Organização e Introdução
Aurélio Wander Bastos. Rio de Janeiro: Liber Juris. 1988 (2ª ed.)
[4] Ver o conceito de fração
hegemônica desenvolvido por Antonio Gramsci in FERREIRA Marici Harlene de Lara.
Sociedade civil, hegemonia e democracia. Edição: Câmara Brasileira de Jovens
Escritores.
[5] O conceito de entropia está
vinculado ao conceito de fechamento funcional que necessariamente exige
mudanças ou adaptações para restaurar os fluxos de poder ou decisão. BASTOS,
Aurélio Wander. Conflitos Sociais e Limites do Poder Judiciário. Rio de
Janeiro. Lúmen Júris 2002. 2ª. edição
[6] RODRIGUES, José Honório.
Conciliação e Reforma no Brasil. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1965,
onde, não propriamente, o autor faz um estudo da linha histórica do tempo
constituinte, mas, com inteligente perspicácia trabalha a questão da
conciliação como pressuposto “atávico” (sic) da historia política brasileira.
Ver também, de BASTOS, Aurélio Wander. Formação Eleitoral do Estado Brasileiro.
São Paulo. USP/FFLCH. 1983. (texto preliminar de Doutoramento)
[7] O mais expressivo estudo
sobre este tema no Brasil, inclusive, sobre as relações entre o exercício do
poder e as normas eleitorais é de LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, Enxada e
Voto. Rio de Janeiro. Ed. Nova Fronteira. 1997.
[8] LASSALLE, Fernand. A
Essência da Constituição. (Uber die Vertassung). Organização e Prefacio de
Aurélio Wander Bastos. Rio de Janeiro. Lúmen Júris. 2000 (5ª ed.). Neste livro
o social-democrata alemão, contemporâneo de Karl Marx, entende que os fatores
reais de poder são exatamente aquelas forças que entre si se compõe para o
exercício do poder, podendo evoluir do grande capital para forças militares ou,
até mesmo, frações de classes sociais, exceto, é claro, segundo ele, o
proletariado. A historia intelectual tem demonstrado que o conceito de fatores reais
de poder, modernamente, tem sido utilizado mais amplamente, para designar
alianças que não necessariamente estão comprometidas com as estruturas
econômicas privadas.
[9] Sobre este quadro ver de
Aurélio Wander Bastos. A Ordem dos Advogados e o Estado Democrático no Brasil.
Op.cit. (prelo). A compreensão expansiva deste tema sugere a leitura de
MERCADANTE, Paulo. A Consciência Conservadora no Brasil. Ed. Top Books /
Universcidade. 2003, muito especialmente a apresentação da 4ª ed. De Nelson
Mello Souza.
[10] Para uma exata compreensão
das alternativas constitucionais constituintes é muito importante reconhecer os
projetos preliminares elaborados pela comissão Afonso Arinos, criada por
decreto presidencial em 1985, e as conclusões dos congressos e seminários da
OAB – Conselho Federal de 1985/86. Ver sobre o tema o capitulo de A Ordem dos Advogados
e o Estado Democrático no Brasil (prelo), intitulado O Dilema entre as Eleições
Diretas e a Assembléia Constituinte.
[11] Marco Maciel, Senador da
República, tem defendido a polemica tese que “depois que a maioria da população
se manifestou em plebiscito (realizado na forma do art. 2° do ADCT da
Constituição de 1988) contra o regime parlamentarista o Presidencialismo virou
clausula pétrea da Constituição”. Este raciocínio, de extensiva hermenêutica,
não tem sido usado pelo Senador (e também jurista) pernambucano para reconhecer
a força pétrea do mesmo plebiscito que também consagrou e reconheceu, por
maioria da população, a República, contra a monarquia, como forma de governo,
muito embora, como especulação intelectual e política seja razoável, identificando
em ambas situações uma injustificável lacuna constitucional. Ver Informe JB in
Jornal do Brasil de 19.04.07, p. A4. Ver sobre o tema do presidencialismo e
parlamentarismo BASTOS, Aurélio Wander. Autoritarismo e Parlamentarismo. Rio de
Janeiro: Líber Júris 1993.
[12] In Jornal do Brasil de
03.04.07. Opinião, p. 7.
Fonte: Âmbito
Jurídico
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Atendendo
a solicitação da amiga Vera, faço esta postagem resumindo as diferenças entre Assembleia
Constituinte e Assembleia Constituinte Exclusiva.
Entenda a
diferença entre Assembleia constituinte e Assembleia constituinte exclusiva.
A Assembleia constituinte é um organismo colegiado que tem como função redigir
ou reformar a constituição, a ordem político-institucional de um Estado, sendo
para isso dotado de plenos poderes ou poder constituinte, ao qual devem
submeter-se todas as instituições públicas.
Ou seja, uma "reunião de pessoas, representantes do povo, que têm a
responsabilidade de ditar a lei fundamental de organização de um Estado ou
modificar a existente". Neste sentido, a assembleia constituinte é um
mecanismo representativo e democrático para a reforma total ou parcial da
constituição.
A formação de
uma assembleia constituinte pode-se dar de duas maneiras:
1 - Convocam-se eleições ad hoc, ou seja, os cidadãos elegem representantes com
o fim único de elaborar uma nova constituição, ou
2 - Uma assembleia
ordinária eleita entra em processo constituinte. Embora não obrigatoriamente, é
comum convocar um referendo para a aprovação popular de uma nova carta.
Obs. A assembleia constituinte, por ser um órgão extraordinário, é dissolvida
assim que a nova constituição, por ela elaborada, entra em vigor.
Assembleia Constituinte exclusiva é uma representação composta por
“NÃO-POLÍTICOS” e principalmente de professores universitários, de entendedores
de política, cientistas políticos, professores de direito constitucional, etc,
para representarem a Nação. Não precisaria de partidos políticos – todos
poderiam concorrer.
Obs. O número dos candidatos eleitos seria rigorosamente igual ao número de
parlamentares que hoje representam os diversos estados.
Motivo:
Porque se for
para uma Constituinte em que os mesmos que estão hoje no Congresso poderiam
concorrer para a Constituinte a ser convocada e viessem a ser eleitos por opção
política ou vinculados a partido, etc, tanto faria ter uma Constituinte ou
fazer uma emenda constitucional, porque seriam os mesmos que iriam decidir em
um ou outro processo.
Se nós analisarmos, nos grandes temas políticos há projetos de emenda
constitucional no Congresso Nacional que não são examinados como, por exemplo,
a questão da fidelidade partidária que para mim parece essencial.
Não é justo
que um deputado que é eleito não só com seus votos, mas com os votos dos outros
elementos de seu partido possa sair do partido levando os votos que não são
seus para outro partido.
Nada mais legítimo, portanto, que uma Constituinte fosse exclusiva de
“NÃO-POLÍTICOS”. Porque daí professores de direito constitucional, jornalistas,
representantes da sociedade concorreriam, formatariam uma Constituição num
interesse muito mais da sociedade do que dos políticos e os políticos seriam
obrigados a se condicionar.
A importância maior de uma constituinte exclusiva é a de sua composição ser
exclusivamente de “NÃO-POLÍTICOS” desta forma os constituintes formatariam a
Constituição segundo o interesse da nação. Caso a constituinte fosse formada
por políticos, estes formatariam a Constituição conforme seus próprios
interesses.
Dag Vulpi
30/05/2011