Publicado por André Gonzalez Cruz* em 2013
Artigo
publicado na revista Visão Jurídica de nº 81.
A presunção de
inocência é uma das mais importantes garantias do acusado, pois através dela
este passa a ser sujeito de direitos dentro da própria relação processual,
tendo em vista que, até que se prove o contrário, o réu é presumidamente
inocente.
Destarte, o
processo penal existe não só para castigar o delinquente, como também para
evitar que sejam castigados os inocentes.
Sobre o
assunto, segue a lição de Rui Barbosa, citado por Adriano Almeida Fonseca (O
princípio da presunção de inocência e sua repercussão infraconstitucional):
Não sigais os
que argumentam com a grave das acusações, para se armarem de suspeita e
execração contra os acusados. Como se, pelo contrário, quanto mais odiosa a
acusação não houvesse o juiz de se precaver mais contra os acusadores, e menos
perder de vista a presunção de inocência, comum a todos os réus, enquanto não
liquidada a prova e reconhecido o delito.
Dentre as
regras constitucionais derivadas da presunção de inocência, está a que o ônus
da prova é do acusador (art. 5º, LVII). Assim, a Constituição
Federal proíbe que o legislador ordinário inverta o ônus da prova,
exigindo do acusado a prova da sua inocência, sob pena de condenação em caso de
dúvida, fazendo com que o Ministério Público ou o querelante tenham que alegar
e provar cabalmente que o réu praticou uma infração penal sem a presença de
qualquer excludente de tipicidade, antijuridicidade ou culpabilidade.
Assim, não
encontra guarida no ordenamento jurídico pátrio o entendimento doutrinário e
jurisprudencial de que basta à acusação provar a tipicidade da conduta
praticada pelo réu para que o mesmo seja condenado, inobstante haver dúvida
razoável sobre uma excludente de antijuridicidade ou culpabilidade, pois tal
dirimente decorreria de fato alegado pela defesa.
A dúvida sobre
esta matéria defensiva não laboraria em favor do acusado, pois, como é sabido,
a tipicidade é um indício da antijuridicidade, que seria presumida em face da
ausência de prova em contrário.
Tal
posicionamento é o mesmo que negar aplicação ao princípio in dubio pro reo,
posto que a dúvida somente lhe favoreceria se estivesse relacionada com o fato
que devesse ser provado pela acusação (tipicidade), havendo casos em que a
dúvida seria favorável à defesa e outros em que seria favorável para a
acusação.
Contudo, de
acordo com o teor do art. 5º, LVII, da Constituição
Federal, o ônus da prova é todo da acusação, seja em relação à demonstração
da tipicidade da conduta praticada pelo réu, seja em relação à demonstração de
que tal conduta não foi empreendida em nenhuma das excludentes de
antijuridicidade e/ou culpabilidade.
Entende-se que
a aludida forma de distribuir o ônus da prova na ação penal condenatória
decorre de uma interpretação errônea da 1ª parte do art. 156 do Código de Processo Penal,
que dispõe: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer [...]”, o qual
determina o direcionamento imediato da doutrina para a bipartição do que deve
ser alegado e provado pela acusação e do que deve ser alegado e provado pela
defesa.
Todavia, isto
se traduz em um grande equívoco, pois a divisão da infração penal em elementos
e/ou requisitos tem uma finalidade meramente metodológica na ciência penal, na
medida em que o crime é um todo indivisível e o Estado somente poderá,
processualmente, ver sua pretensão acolhida se provar que o réu praticou uma
conduta típica, antijurídica e culpável, sendo qualquer presunção, nesse
prisma, somente aceito se estiver expressamente determinado em lei. Isto sim se
coaduna perfeitamente com a norma constitucional do art. 5º, LVII, a qual veda
a declaração de culpa antes do trânsito em julgado da sentença penal
condenatória.
*André Gonzalez Cruz - Mestre em
Políticas Públicas pela UFMA. Doutorando em Direito pela UNLZ. Especialista em
Ciências Criminais pela UGF. Especialista em Ciências Criminais pela ESMP/MA.
Bacharel em Direito pela UFMA.
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