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terça-feira, 28 de outubro de 2025

A intolerância travestida de virtude

 

por Dag Vulpi 

Não é democrático — nem moral — boicotar, excluir ou hostilizar alguém por suas convicções políticas. A liberdade de expressão não pode ser um privilégio seletivo, restrito a quem pensa igual.

Vivemos tempos em que a liberdade virou uma palavra de uso restrito — reivindicada com fervor por uns, mas negada com o mesmo fervor a outros.
Não é honesto, seja da direita, da esquerda ou de qualquer espectro intermediário, sugerir, incentivar ou disseminar boicotes a pessoas pelo simples fato de se declararem apoiadoras de político A ou B.

A democracia, quando madura, tolera o dissenso. Quando frágil, teme a diferença.
O problema é que, em meio à polarização que tomou conta do Brasil, a intolerância política passou a vestir roupagem de virtude. Alguns se sentem no direito de “cancelar” o outro em nome de uma suposta moral política, esquecendo-se de que a essência da democracia é justamente a convivência entre contrários.

Mais grave ainda é observar empresários que se vangloriam por não empregar pessoas “de esquerda”, como se o voto ou a opinião fossem critérios de competência. Ou comerciantes que colam em suas vitrines o aviso de que “esquerdistas não são bem-vindos” — um gesto pequeno, mas carregado de um simbolismo gigantesco: o de que a diferença é uma ameaça, não uma riqueza.

É esse tipo de mentalidade sectária, alimentada pelo fanatismo e reforçada pela ignorância, que transformou divergências em trincheiras.
Foi ela que ergueu muros entre amigos, familiares e colegas de trabalho, dividindo o país entre “nós” e “eles” — como se o Brasil coubesse apenas dentro de uma ideologia.

A política, quando reduzida a paixões cegas, perde seu propósito de servir ao coletivo. Passa a ser uma disputa de ego travestida de causa, onde o adversário se torna inimigo e o diálogo vira ofensa. É nesse terreno árido que florescem os discursos de ódio, as fake news e a cultura do cancelamento — que nada têm de libertários. São apenas instrumentos de coerção disfarçados de engajamento.

O que muitos esquecem é que a pluralidade de ideias é o que mantém viva a chama da democracia. Nenhum país se constrói sob o silêncio imposto à metade de sua população. O que realmente engrandece uma nação é a capacidade de escutar — mesmo aquilo que nos desconforta — e de reconhecer que ninguém é dono absoluto da verdade. Quando o debate cede lugar ao ataque, a democracia adoece.

A democracia não é um clube exclusivo; é uma praça aberta, onde todos podem falar, ainda que discordem.
A liberdade de expressão não pode ser condicionada à cor do partido, ao candidato de estimação ou à narrativa do momento.

Porque no instante em que passamos a negar ao outro o direito de pensar diferente, deixamos de ser democratas — e nos tornamos aquilo que mais criticamos.

Nota:

Reflexão sobre o risco crescente da intolerância política no Brasil contemporâneo. O texto questiona os comportamentos de boicote e discriminação motivados por ideologia, e propõe um resgate dos valores fundamentais da convivência democrática e da liberdade de expressão.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

O Fascismo: a máscara moderna da intolerância

 

Dag Vulpi - 27 de outubro de 2025

Em diferentes épocas e lugares, o fascismo ressurge como um espectro político travestido de patriotismo, ordem e moralidade. A sua essência, porém, permanece a mesma: o medo da liberdade, a idolatria do líder e a negação da diversidade. Entender suas nuances é compreender como sociedades inteiras podem ser seduzidas por discursos que prometem salvação, mas entregam autoritarismo.

O fascismo em perspectiva histórica

O termo fascismo tem origem na Itália de Benito Mussolini, na década de 1920. Inspirado na ideia romana do fasces — um feixe de varas simbolizando força pela união sob um comando —, o regime pregava nacionalismo extremo, culto ao líder, militarização da política e repressão a opositores.
Logo, o fascismo ultrapassou fronteiras: na Alemanha, Hitler levou a ideologia a níveis brutais, transformando o nacionalismo em fanatismo racial; na Espanha, Franco impôs uma ditadura clerical-nacionalista; em Portugal, Salazar promoveu um regime autoritário sustentado por moralismo e censura.

Mas o fascismo não se resume a um momento histórico. Ele é, sobretudo, um método político — uma forma de organizar o poder baseada em:

  • Culto ao líder e à figura “salvadora”;

  • Desprezo pelas instituições democráticas;

  • Manipulação das massas por medo, ódio e desinformação;

  • Supressão da crítica e da pluralidade;

  • Reescrita da verdade através da propaganda.

Fascismo contemporâneo: novas roupagens, velhas ideias

Hoje, o fascismo não veste uniforme militar nem precisa de marchas em praça pública. Ele se infiltra nos discursos populistas, nas redes sociais e nos púlpitos digitais, promovendo a desumanização do “inimigo” — seja ele o imigrante, o artista, o jornalista, o professor ou o próprio pensamento crítico.

Exemplos recentes:

  • Na Hungria, Viktor Orbán promove um regime iliberal que restringe a imprensa e concentra poder sob o pretexto de defender “valores cristãos”.

  • Nos EUA, grupos supremacistas brancos se reorganizam sob retórica patriótica e religiosa, ecoando o velho mito do “nós contra eles”.

  • No Brasil, vimos ecos desse fenômeno em discursos que misturam nacionalismo messiânico, negacionismo científico e culto a líderes carismáticos que se colocam acima das instituições.

Em todos os casos, o fascismo contemporâneo opera pela emoção, não pela razão. Ele substitui o diálogo pela gritaria, o pensamento crítico pela obediência, e o senso coletivo por uma fé cega na autoridade.

As sutilezas psicológicas e sociais

O fascismo se alimenta de crises — econômicas, morais ou identitárias. Quando as pessoas se sentem inseguras, o discurso autoritário oferece respostas simples para problemas complexos. Ele promete ordem, segurança e identidade em troca da liberdade.
É a política do medo, que transforma cidadãos em torcedores e opiniões em trincheiras.
Por isso, é tão importante reconhecer suas formas sutis: o riso cúmplice diante da violência, o silêncio diante do ódio, o aplauso ao autoritarismo “em nome da moral”.

Por que compreender o fascismo é um dever contemporâneo

A história mostra que o fascismo não começa com tanques nas ruas, mas com palavras manipuladas e sentimentos inflamados. Começa quando o diferente é tratado como inimigo; quando a dúvida é tida como fraqueza; quando a obediência se disfarça de patriotismo.
Reconhecer suas sementes é o primeiro passo para impedir que floresça novamente. A defesa da democracia, da ciência e do pensamento crítico é o antídoto mais eficaz contra essa velha doença social.

Nota:

Este artigo propõe uma leitura ampla do fascismo, ultrapassando o sentido histórico para alcançar sua dimensão simbólica e psicológica. Ao identificar os traços fascistas em contextos contemporâneos, reforça-se a importância da vigilância cívica e da educação política. O fascismo não é apenas um regime do passado — é uma sombra recorrente da humanidade, que se adapta às linguagens e aos medos de cada geração. Combater suas manifestações exige consciência, empatia e coragem intelectual.

Leia também: A Cadela do Fascismo e o 8 de Janeiro: Quando o Ódio Late nas Sombras da Democracia

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

A Morte Lenta do Pensar: por que estamos perdendo a lucidez?

 

Dag Vulpi 09/10/25

Vivemos na era das respostas instantâneas — e, paradoxalmente, das mentes preguiçosas. Em meio à enxurrada de dados e opiniões, confundimos informação com sabedoria e barulho com pensamento. O resultado? Um mundo cheio de certezas, mas vazio de reflexão.

O pensamento crítico está desaparecendo — não por falta de conhecimento, mas por excesso de distração.
A cada toque na tela, uma dúvida se dissolve antes mesmo de amadurecer. O que antes exigia contemplação, agora se perde em segundos.

De Sócrates a Descartes, de Kant a Hannah Arendt, os grandes pensadores ensinaram que pensar é duvidar, e duvidar é um ato de coragem. Mas hoje, questionar parece incômodo demais — é mais fácil aceitar a opinião pronta, a manchete moldada, o algoritmo que decide o que “merece” nossa atenção.

O “efeito Google” nos deu o conforto da resposta imediata, mas roubou o hábito da busca.
Vivemos em câmaras de eco, onde cada clique reforça o que já acreditamos.
O perigo é silencioso: deixamos de pensar com a própria mente e passamos a reagir com os reflexos do sistema.

Nietzsche alertou que “quem tem por que viver, suporta quase qualquer como.”
Mas e quem já não pensa sobre o porquê?
Sem reflexão, a vida se reduz à repetição — e a inteligência, a uma lembrança romântica de uma era que acreditava no diálogo e na dúvida.

Talvez ainda haja tempo.
Talvez o primeiro passo seja desaprender o automatismo e reaprender o espanto.
Porque pensar, no fim das contas, é o último ato de resistência.

 

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Quando o Humano Deixa de Servir

 

Dag Vulpi 09/10/25

Essa é a pergunta que Franz Kafka transforma em pesadelo silencioso em A Metamorfose.
Mas o livro não é sobre um homem que vira inseto.
É sobre como nós — todos nós — transformamos pessoas em coisas quando deixam de servir.

Gregor Samsa acorda um dia e descobre que não é mais visto como filho, irmão ou trabalhador — apenas como um incômodo. E é nesse instante que sua metamorfose se completa: não quando seu corpo muda, mas quando os outros param de vê-lo como humano.

Kafka apenas dramatizou o que fazemos todos os dias em escala menor:
quando deixamos de atender uma expectativa e somos descartados;
quando o valor de alguém é medido pelo que produz, não pelo que é;
quando o afeto se torna utilitário e o olhar se transforma em indiferença.

A verdadeira metamorfose não está em Gregor, mas nos que o cercam.
Eles é que se transformam — em máquinas de conveniência, em olhos cegos, em silêncios confortáveis.

E talvez esse seja o horror kafkiano:
perceber que o monstro nunca esteve preso no quarto.
Ele sempre esteve do lado de fora da porta.

Sugestão de leitura: "A Metamorfose" - por Franz Kafka

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