Dag Vulpi 09/10/25
Essa é a pergunta que Franz Kafka transforma em pesadelo silencioso em A Metamorfose.
Mas o livro não é sobre um homem que vira inseto.
É sobre como nós — todos nós — transformamos pessoas em coisas quando deixam de servir.
Gregor Samsa acorda um dia e descobre que não é mais visto como filho, irmão ou trabalhador — apenas como um incômodo. E é nesse instante que sua metamorfose se completa: não quando seu corpo muda, mas quando os outros param de vê-lo como humano.
Kafka apenas dramatizou o que fazemos todos os dias em escala menor:
quando deixamos de atender uma expectativa e somos descartados;
quando o valor de alguém é medido pelo que produz, não pelo que é;
quando o afeto se torna utilitário e o olhar se transforma em indiferença.
A verdadeira metamorfose não está em Gregor, mas nos que o cercam.
Eles é que se transformam — em máquinas de conveniência, em olhos cegos, em silêncios confortáveis.
E talvez esse seja o horror kafkiano:
perceber que o monstro nunca esteve preso no quarto.
Ele sempre esteve do lado de fora da porta.
Sugestão de leitura: "A Metamorfose" - por Franz Kafka