Por Lauro Jardim do Globo.com
Dono
da JBS gravou conversa com presidente
Por
volta de 22h30m do dia 7 de março, Joesley Batista entrou no Palácio do Jaburu.
Michel Temer estava à sua espera. Joesley chegou à residência oficial do
presidente com o máximo de discrição: foi dirigindo o próprio carro para uma
reunião a dois, fora de agenda. Escondia no bolso uma arma poderosa — um
gravador. Temer havia chegado pouco antes em casa, logo depois do seu último
compromisso do dia: uma passada rápida na comemoração dos 50 anos de carreira
do jornalista Ricardo Noblat.
O presidente e o empresário conversaram por cerca de 40 minutos a sós. Poderiam, por exemplo, ter discutido a queda de 3,6% do PIB em 2016, um terrível dado econômico divulgado justamente naquele dia. Mas eram outros os assuntos da pauta.
Todo
o diálogo foi gravado por Joesley. Tem trechos explosivos. Num deles, o dono da
JBS relatou a Temer que estava dando mesada a Eduardo Cunha e Lúcio Funaro para
que ambos, tidos como conhecedores de segredos de dezenas de casos escabrosos,
não abrissem o bico. Temer mostrou-se satisfeito com o que ouviu. Neste
momento, diminuiu um pouco o tom de voz, mas deu o seu aval:
—
Tem que manter isso, viu?
Em
seu depoimento aos procuradores, Joesley afirmou que não foi Temer quem
determinou que a mesada fosse dada. Mas que o presidente tinha pleno conhecimento
da operação cala-boca.
Em
nota, Temer disse que "jamais" solicitou pagamentos para
obter o silêncio de Cunha e negou ter participado ou autorizado "qualquer
movimento" para evitar delação do correligionário.
Tanto
Cunha quanto Funaro já haviam prestado diversos serviços para o grupo J&F.
Cunha,
por exemplo, por meio de emendas em projetos de lei e pela influência que
detinha no FI-FGTS, que investiu mais de R$ 1 bilhão em empresas da J&F. A
mesada já era dada há alguns meses. A PF filmou pelo menos uma entrega de R$
400 mil para Roberta, irmã de Funaro. Para Cunha, o dinheiro era entregue a
Altair Alves Pinto, seu homem de confiança. O "senhor Altair", como
era conhecido, já foi apontado por Fernando Baiano como o responsável pelo
transporte das propinas pagas a Cunha.
A
conversa continuou e, em seguida, Joesley pediu a ajuda de Temer para resolver
uma pendência da J&F no governo. Temer disse que Joesley deveria procurar
Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) para cuidar do problema:
—
Fale com o Rodrigo.
Joesley
quis se certificar do que Rocha Loures poderia fazer por ele e perguntou:
—
Posso falar tudo com ele?
Temer
foi sucinto:
—
Tudo.
Rocha
Loures é um conhecido homem de confiança do presidente. Foi chefe de Relações
Institucionais da Vice-Presidência sob Temer. Após o impeachment, virou
assessor especial da Presidência e, em março, voltou à Câmara, ocupando a vaga
do ministro da Justiça, Osmar Serraglio.
Assim
foi feito. O dono do JBS procurou Rocha Loures. Marcaram um encontro em
Brasília — e se acertaram. Joesley lhe contou do que precisava do Cade. Desde o
ano passado, o órgão está para decidir uma disputa entre a Petrobras e o grupo
sobre o preço do gás fornecido pela estatal à termelétrica EPE. Localizada em
Cuiabá, a usina foi comprada pelo grupo em 2015. Explicou o problema da EPE: a
Petrobras compra o gás natural da Bolívia e o revende para a empresa por preços
extorsivos. Disse que sua empresa perde "1 milhão por dia" com essa
política de preços. E pediu: que a Petrobras revenda o gás pelo preço de compra
ou que deixe a EPE negociar diretamente com os bolivianos.
Com
uma sem-cerimônia impressionante, o indicado de Temer ligou para o presidente
em exercício do Cade, Gilvandro Araújo. E pediu que se resolvesse a questão da
termelétrica no órgão. Não há evidências de que Araújo tenha atendido ao
pedido. Pelo serviço, Joesley ofereceu uma propina de 5%. Rocha Loures deu o
seu ok.: "Tudo bem, tudo bem".
Para
continuar as negociações, foi marcado um novo encontro. Desta vez, entre Rocha
Loures e Ricardo Saud, diretor da JBS e também delator. No Café Santo Grão, em
São Paulo, trataram de negócios. Foi combinado o pagamento de R$ 500 mil semanais
por 20 anos, tempo em que vai vigorar o contrato da EPE. Ou seja, está se
falando de R$ 480 milhões ao longo de duas décadas, se fosse cumprido o acordo.
Loures disse que levaria a proposta de pagamento a alguém acima dele. Saud faz
duas menções ao "presidente". Pelo contexto, os dois se referem a
Michel Temer.
A
entrega do dinheiro foi filmada pela PF. Mas desta vez quem esteve com o homem
de confiança de Temer foi Ricardo Saud, diretor da JBS e um dos sete delatores.
Esse
segundo encontro teve uma logística inusitada. Certamente, revela o traquejo (e
a vontade de despistar) de Rocha Loures neste tipo de serviço. Assim,
inicialmente Saud foi ao Shopping Vila Olímpia, em São Paulo. Em seguida, Rocha
Loures o levou para um café, depois para um restaurante e, finalmente, para a
pizzaria Camelo, na Rua Pamplona, no Jardim Paulista. Foi neste endereço,
próximo à casa dos pais de Rocha Loures, onde ele estava hospedado, que o
deputado recebeu a primeira remessa de R$ 500 mil.
Apesar
do acerto de repasses semanais de R$ 500 mil, até o momento só foi feita a
primeira entrega de dinheiro. E, claro, a partir da homologação da delação,
nada mais será pago.
A
assessoria do deputado Rodrigo Rocha Loures informou que ele que vai
"esclarecer os fatos divulgados" sobre a delação.
(Colaborou
Guilherme Amado)
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