Baltasar
Garzón Real / Tradução: Carol Proner - 25/04/2016 Redação
"Partindo
da consciência crítica de quem pertence a um país que em algum momento
histórico exerceu o férreo poder do colonialismo atualmente em debate entre mil
contradições e contrariedades, mas também partindo da firmeza democrática e da
convicção de defender valores universais como justiça, liberdade e democracia,
quero compartilhar com vocês meus sentimentos e algumas reflexões que tenho
feito diante da difícil situação que vive institucionalmente o Brasil.
Sinto profundo
pesar em observar que pessoas que são referências da boa política, defensores
dos direitos sociais, de trabalhadores e daqueles que são os elos mais fracos
da cadeia humana estão na mira das corporações que, insensíveis aos sentimentos
dos povos, estão dispostas a eliminar todos os obstáculos que se lhes
apresentem para consolidar posição de privilégio e controle econômico sobre a
cidadania com consequências graves para o futuro. Nessa dinâmica perversa, os
grandes interesses não hesitam em eliminar política e civilmente aqueles que o
contrariam na defesa dos mais frágeis que sempre foram privados de voz e de
palavra para decidir seus próprios destinos.
Mesmo partindo
da perspectiva de quem não vive o dia-a-dia da política brasileira, devo dizer
que sou capaz de perceber o espetáculo oferecido pelo procedimento de juízo
político que está em curso contra a Presidenta Dilma Rousseff e que guarda
semelhanças com outros que foram vivenciados por países como Paraguai e
Honduras, forjados institucionalmente por parte daqueles que somente estavam
interessados em alcançar o poder a qualquer preço.
A
interferência constante do Poder Judiciário com o fim de influenciar nesses
processos deve cessar. Por experiência, sei os riscos que representam os jogos
de interesses cruzados, não tanto em favor da justiça e sim com o objetivo de
acabar como o oponente político instrumentalizando a um dos poderes básicos do
Estado e fazendo-o perder o equilíbrio que deve preservar em momentos como
este, tão delicados para a sociedade. O judiciário deve prosseguir suas
atuações sem midiatização política de nenhum tipo, sem prestar-se a jogos
perigosos em benefício de interesses obscuros, distantes da confrontação
política transparente e limpa.
A perda das
liberdades e a submissão da Justiça a interesses espúrios podem custar um preço
excessivo ao povo brasileiro. O Poder Judiciário e seus componentes devem
resistir e defender a cidadania frente às tentativas evidentes e grosseiras de
instrumentalização interessada. O objetivo não parece ser, como dizem, acabar
com o projeto político do Partido dos Trabalhadores e seus máximos expoentes, mas
submeter à população de forma irreversível a um sistema vicarial controlado
pelos mais poderosos economicamente.
A luta contra
a corrupção é vital e deve ser prioritária em qualquer democracia, mas é
preciso estar atento aos interesses daqueles que pretendem se beneficiar da
“cegueira” que supõe a luta em si mesma. A justiça deve manter os olhos
completamente abertos para perceber o ataque ao sistema democrático que é
perceptívelna realização de uma espécie de juízo político sem consistência nem
base jurídica suficiente para alcançar legitimidade e que somente busca tomar o
poder por vias tortuosas desenhadas por aqueles que deveriam defender os
interesses do povo e não os próprios. Ou ainda daqueles que nunca disputaram
eleições e que pretendem substituir a vontade das urnas, hipotecando o futuro
do povo brasileiro.
A indignação
democrática que sinto ao acompanhar os fatos do Brasil, país pelo qual tenho
imenso apreço, me provoca profunda dor e ao mesmo tempo me compele a expressar
esses sentimentos diante daqueles que não têm pudor em destruir as estruturas
democráticas que tanto tempo levaram para serem erguidas, aqueles que não
hesitam em interferir na ação da Justiça em benefício próprio.
Ninguém
conquista um reino para sempre e o da democracia deve ser conquistado e
defendido todos os dias frente aos múltiplos ataques e isso se faz desde os
mais recônditos lugares do país, de uma mina, uma pequena fábrica, do interior
da Floresta Amazônica já tão atacada e deteriorada por interesses criminosos,
das redações dos periódicos ou plataformas televisivas que servem de tentação à
submissão corporativa, das ruas das cidades e dos púlpitos das igrejas, das
favelas e dos conselhos de administração das empresas, das universidades, das
escolas, em cada casa da família brasileira é preciso lutar diuturnamente pela
democracia. E é obrigação de todas e todos fazer isso não somente em seu país,
mas também fora, em qualquer lugar, porque a democracia é um bem tão escasso
cuja consolidação é missão do conjunto de toda a comunidade internacional.
Tanto o
presidente Lula da Silva, a quem conheço e admiro, como a presidenta Dilma
Rousseff, com quem nunca estive pessoalmente, representaram o melhor projeto em
termos de política social e inclusiva e que, caso tenham incorrido em
irregularidades, merecem um juízo justo e direito básico à ampla defesa e não
um julgamento ilegítimo em praça pública realizado por quem não tem direito nem
uma posição ética para fazê-lo. O povo brasileiro nunca perdoará o ataque
frontal à democracia e ao Estado Democrático de Direito.
Madrid, 24 de
abril de 2016"
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