Em 1996,
cinquenta e sete cidades do país deixavam de lado a cédula de papel e passavam
a usar a urna eletrônica para registrar os votos dos brasileiros. Vinte anos
depois, todas as regiões do país contam com o voto informatizado. Nesta semana,
hackers tentam encontrar vulnerabilidades antes que possíveis falhas ou fraudes
manchem o histórico da urna criada por cinco “ninjas”, apelido dado pela origem
oriental de três integrantes que criaram o sistema de segurança do equipamento.
Será
que o teclado da urna digita mesmo os números que o eleitor aperta?
A urna
é preparada para emitir áudio do voto? E se ele vaza?
E
se um aplicativo mal intencionado modificasse a destinação da escolha popular?
Perguntas como
as listadas acima motivam cinco planos de investigação selecionados para o
Teste Público de Segurança (TPS), organizado pelo Tribunal Superior Eleitoral
(TSE). Em sua terceira edição, o evento reúne dez especialistas até esta
quinta-feira (10), ávidos por testar suas teses e, quem sabe, achar falhas no
sistema antes de oportunistas.
Será
que o teclado da urna digita mesmo os números que o eleitor aperta?
Um dia após o
Dia Internacional da Mulher, a gaúcha Elisabete Evaldt, graduanda em
computação, era a única mulher na área restrita aos testes. Em meio a urnas
desmanchadas, caixas e muitos cabos, ela considera importante não ter só mais
mulheres no campo da informática, mas também em outros cenários. “Sempre que
discuto sobre isso, quero destacar que é mais importante ter mais mulheres em
quem votar do que necessariamente testando a urna”.
A
investigadora juntou-se a um amigo para tentar fraudar a destinação dos votos
na urna através de controle dos dispositivos de teclado e da impressora.
“Tivemos acesso preliminar aos códigos-fontes, tínhamos ideia da dificuldade,
mas viemos na expectativa de, quem sabe, acha alguma coisa aberta”, explica.
Elisabete
disse que o teste é feito em um ambiente controlado no qual várias barreiras de
segurança já foram derrubadas para que os investigadores pudessem vasculhar
tanto bits quanto chips da máquina eletrônica. Mesmo assim, considera essencial
dar um sacode no “Middleware”, programa responsável pela mediação entre
os periféricos (partes físicas) da urna e o sistema virtual.
“A gente focou
muito nesses periféricos, momento em que a informação sai da mão do usuário que
está digitando no teclado e antes dela ser gravada no banco de dados ou na hora
de imprimir o boletim de urna”, detalha.
A
urna pode emitir o áudio do voto. E se esse áudio vaza?
O cidadão tem
o direito de votar independentemente de suas condições físicas. Por isso,
pessoas com deficiência visual podem solicitar previamente nos tribunais
regionais de Justiça ou pedir ao mesário a liberação do áudio que narra o voto.
Até aqui, tudo bem, direito garantido.
Contudo, a
equipe do professor Luiz Fernando de Almeida, da Universidade de Taubaté
(Unitau – SP), não quer que esse áudio vaze para alguém à espreita do ilícito.
Acompanhado do estudante de mestrado da ITA, Alisson Chaves (que também faz
engenharia de computação na Unitau), busca formas de evitar a quebra do sigilo
do voto baseado em gravação do áudio.
Para Almeida,
um simples dispositivo eletrônico poderia se conectar na saída de áudio e
transmitir a informação via Bluetooth ou por Streaming de áudio.
“O que
queremos saber é como a urna se comporta diante dessa situação [de vazar o
áudio]. A ideia não é encontrar uma falha, mas sim apontar melhorias”, ressalta
Almeida.
Segundo os
dois investigadores, a vulnerabilidade só funciona se houver alguém mal
intencionado em ouvir o voto de outra pessoa, assim como ocorria com o voto de
“cabresto”, no qual o coronel mandava os subordinados votarem em determinada
pessoa e mandavam um capacho para conferir. ¨Queremos arrumar um mecanismo para
que o áudio não possa ser capturado e enviado para algum lugar proíbido”,
explica Alison.
Os acadêmicos
explicam que há três casos em que o áudio fica disponível para os eleitores. No
primeiro, a pessoa solicita previamente alegando atendimento especial. No
segundo, uma ou mais seções específicas já vão com o áudio de todos os votantes
ativado, situações importantes para regiões onde há maior incidência de
deficiência visual, como no caso de idosos com catarata. Por fim, se você dizer
que precisa usar o áudio para conseguir executar o voto, o mesário é obrigado a
liberá-lo manualmente.
Para Giuseppe
Janino, secretário de Tecnologia de Eleições do TSE, um dos ninjas e co-criador
da Urna Eletrônica, a acessibilidade e a segurança dos dados formam um
paradoxo”. Na medida que você aumenta as restrições de segurança (como
restringir o uso do áudio), você acaba diminuindo a transparência. É preciso
encontrarmos um equilíbrio para que os dois caminhem juntos”, pondera.
E
se um aplicativo mal intencionado modificasse a destinação da escolha popular?
João Felipe Souza
foi o único investigador a se inscrever sozinho no evento. Contudo, após
conhecer o código fonte em visita preliminar ao TSE, professor de
informática do Instituto Superior do Triângulo Mineiro decidiu apresentar
quatro planos de trabalho.
Sua meta nos
três dias de teste são encontrar vulnerabilidades no teclado, tentar refazer a
votação em uma urna e descobrir se o kit de transmissão dos dados permitira uma
invasão aos servidores centrais do Tribunal.
Sem poder
contar os resultados obtidos até então e no meio de mais dos seus testes, João
destacou a importância do teste para o Brasil.
Segundo o
professor, é uma oportunidade única de pessoas externas acessarem os dados.
“A análise que
fazemos é uma análise cidadã. É importante para dar tranquilidade ao eleitor e
maior transparência ao processo”, completa João.
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