A espetacularização
do processo da Operação Lava Jato pelos meios de comunicação chegou a um limite
insuportável, avaliou o juiz de direito em São Paulo, Marcelo Semer, ao
comentar a divulgação das conversas entre a presidenta Dilma Roussef e o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Estamos trabalhando, já faz tempo,
não é só a Lava Jato, com processos que são disputados na opinião pública, não
é um processo que é disputado no Judiciário”, disse Semer, que é mestre em
direito penal pela USP, autor de obras jurídicas e ex-presidente da Associação
Juízes para a Democracia.
A declaração
ocorreu no Ato de Juristas pela Legalidade e Democracia, que ocupou o Salão
Nobre da Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, na noite de hoje
(17). Segundo Semer, a imprensa tem antecipado os processos e os testemunhos,
causado a exposição de réus, além de transformar as manifestações em
espetáculo.
“Temos que ter
muito certo que não é possível apurarmos, julgarmos, investigarmos, passando
por certos limites e pela lei”, disse. O juiz explicou que o grampo telefônico
é uma violação da privacidade, a qual é um direito constitucional, porém, há a
possibilidade legal de interceptação telefônica dentro de uma investigação
criminal.
O grampo,
portanto, serviria somente como prova do processo criminal e apenas as pessoas
que trabalham nesse processo poderiam ter acesso às conversas interceptadas.
“Mesmo que os processos não sejam sigilosos, as escutas são, a lei determina
isso. Porque você só pode quebrar a privacidade de uma pessoa por um interesse
muito maior, processual, mas não para divulgar para as pessoas”, disse Semer.
“O grampo não é ilegal, mas a exposição dessas pessoas é extremamente nefasta”.
Para o juiz,
há ilicitude toda vez que há um vazamento de grampos. “Se o delegado vazou,
está errado. Se o promotor vazou, está errado. Se o advogado vazou, está
errado. Se o réu vazou, está errado. Agora a questão a se perguntar, e eu deixo
essa questão em aberto, é o que fazer quando é o próprio juiz que encaminha [as
interceptações]?”.
Efeito
político
O cientista
político e professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Aldo
Fornazieri, disse que a divulgação dos áudios, a prisão coercitiva do
ex-presidente Lula e outras medidas que foram tomadas no passado recente sempre
visaram produzir um efeito político na opinião pública. Ele lamentou que juízes
tomem decisões e criem um clima de prejulgamento das pessoas, muitas vezes, sem
investigação.
“As decisões
da Lava Jato, que aparentemente eram republicanas no início, perderam totalmente
esse caráter republicano e se tornaram decisões politicamente orientadas. O
Ministério Público, a Polícia Federal e particularmente a figura do juiz
[Sérgio] Moro estão querendo produzir um efeito nas massas, que é um efeito de
comoção social, visando alcançar fundamentalmente dois objetivos”, disse
Fornazieri.
Os objetivos
citados pelo professor são a derrubada do governo Dilma e a inviabilização da
candidatura do ex-presidente Lula em 2018. “Os atos que ocorreram ontem e hoje,
ontem pela parte do Moro e hoje de manhã por parte de um outro juiz de primeira
instância [Itagiba Catta Preta Neto, que suspendeu, em liminar, a
posse de Lula como ministro-chefe da Casa Civil], confirmam uma tese que venho
defendendo há algum tempo: está em curso um golpe judicial no Brasil e nós
temos um estado de exceção judicial”.
Defesa
da democracia
Fornazieri
disse que, independentemente de críticas ao governo de Dilma Rousseff, é
necessária a defesa da democracia no país e disse que a sociedade tem que
acompanhar de perto o que o Judiciário e o Ministério Público vem fazendo.
Sobre o clima de polarização e violência nas ruas, ele diz que o juiz Moro,
junto com setores da mídia e do Ministério Público, “criaram um clima de
comoção social que está incontrolável”.
“Eu penso que
os democratas não devem temer. Cabe aos democratas não provocarem, não
estimularem a violência, mas cabe também não se acovardar e defender a
democracia nas ruas”, concluiu o professor.
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