O anúncio do
“descongelamento” das relações diplomáticas – termo técnico usado na diplomacia
– entre os Estados Unidos e Cuba, 53 anos depois do rompimento das relações
entre os dois países, é o primeiro passo para o fim do embargo econômico,
comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos desde 1962. Na estimativa
do governo cubano, mais de meio século de embargo provocaram a perda de
aproximadamente US$ 1,1 trilhão.
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Para o
economista colombiano Carlos Martínez, doutor em relações internacionais pela
Universidade de Paris e analista geopolítico, a pressão internacional foi fundamental
para a retomada do diálogo. “A América Latina e o Vaticano foram importantes
instrumentos de pressão sobre o governo de Barack Obama. A ação em bloco dos
países da Unasul [União das Nações Sul-Americanas] e a gestão do papa Francisco
foram importantes para que os dois países dessem esse passo de reaproximação”,
avalia Martínez.
O especialista
em relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Pio Penna,
entretanto, avalia que a pressão dos países vizinhos ou mesmo do Vaticano não
foi a principal razão. “O que aconteceu foi que Obama já tinha esta meta,
simplesmente pelo fato de que o embargo é anacrônico e inconcebível nos dias de
hoje”, defende.
Para ele,
ainda que politicamente a pressão dos países vizinhos mostre coesão do bloco regional
neste tema, a política dos EUA não costuma se “dobrar” aos apelos
latino-americanos. “A América Latina não tem poder para pressionar os Estados
Unidos. Neste caso, as gestões só referendam intenções já declaradas”, frisa o
professor.
O economista
colombiano defende que o cenário favorável foi construído com a participação
dos países vizinhos. “Brasil, Argentina, Venezuela bancaram Cuba e mostraram
que a ilha é viável. O porto de Muriel, financiado pelo Brasil, e o dinheiro
investido pelo governo venezuelano desde o início do governo [Hugo] Chávez
ajudaram os cubanos a se manter, apesar do embargo”, destaca. “Cuba mostrou-se
viável apesar dos problemas enfrentados. Mostrou ser um polo tecnológico,
médico e de biotecnologia, ainda que a ilha enfrente um inegável atraso
econômico”, pontua Martínez.
Apesar da
retomada do diálogo, a suspensão do embargo econômico não será imediata porque
a sanção não pode ser removida por decisão presidencial. O Congresso
norte-americano precisa aprovar uma lei para anular o embargo, estabelecido por
meio de normas federais. Algumas vigoram desde 1962, ano em que a sanção
começou a ser aplicada, outras foram sendo votadas ou modificadas
posteriormente. Entre elas estão a Lei Torricelli (lei para Democracia Cubana)
de 1962, aprovada pelo Congresso e que incrementou sanções anteriores, e a
chamada Lei Helms-Burton, de 1996, que também ficou conhecida como Lei de
Liberdade e Solidariedade Democrática Cubana.
A Torricelli
justificava o bloqueio com argumentos de segurança dos Estados Unidos e a
Helms-Burton regulamentou outras leis e decretos presidenciais adotados desde
1962 sobre o tema do embargo. “A Helms-Burton precisa ser revogada e isso
depende do Congresso”, lembra Martínez. Ontem (17) o presidente Obama disse que
irá
levar o tema para discussão no Legislativo.
Pio Penna
avalia que, internamente, a retirada do embargo é um tema delicado. “Por mais
de 50 anos, o embargo foi justificado como necessário, ainda que anacrônico e
incoerente no mundo atual, mas retirar isso depende da habilidade do governo de
convencer o Congresso sobre a necessidade dessa suspensão”, destaca.
Até o final do
mandato de Obama, em 2016, o Congresso norte-americano tem maioria republicana.
Muitos deles, logo após o anúncio do governo, criticaram
a decisão da Casa Branca. “É cedo para falar se a reação contrária é só
discurso político para o eleitorado republicano. Porque, em uma análise
pragmática, o partido também pode optar pela sensatez de retirar um embargo que
não se justifica”, destaca o professor brasileiro.
Martínez
lembra que, apesar do embargo ainda estar em vigor, algumas medidas já vem
sendo adotadas, como menos restrições para a concessão de vistos para cubanos,
e a maior quantidade de produtos estrangeiros, sobretudo da Europa, sendo
comercializados na ilha. “Obama se deu conta que o isolamento não se
justifica”, diz o colombiano. Em seu pronunciamento ontem, Obama disse que
“isolar Cuba” não resolveu os problemas.
Para Pio
Penna, os Estados Unidos é que estão isolados na postura do embargo. “Não só na
economia. Não há motivo para que Cuba seja mantida na lista dos países ligados
ao terrorismo”, completa.
Com relação ao
futuro do governo Raúl Castro e à abertura econômica, Martínez acredita que os
Castro já vinham trabalhando em uma transição gradual. “O próprio presidente
Raúl Castro disse, no ano passado, que este será seu último mandato”, relembra.
Penna, por sua
vez, enfatiza que o efeito da reaproximação poderá mudar “substancialmente” o
país e influenciar na abertura política da ilha. “Quem quiser ver a parte
histórica de Cuba, a parte que não se desenvolveu e o retrato do socialismo no
país, dever ir rapidamente para a ilha. Em pouco tempo, o ambiente deve mudar
muito e o reflexo da chegada de bens de consumo pode influenciar diretamente na
vida da população, sobretudo na mais jovem”, palpita.
Martínez
acredita que Cuba deixará o seu legado histórico na resistência e no
contraponto do pensamento independente na América Latina. Mas avalia que “ainda
é cedo para dizer o que vai acontecer”, quando perguntado se isso poderia ser o
fim da era Castro.
Mais
contundente, Penna acredita que podem ser esperadas mudanças, ainda que Raúl
Castro passe o governo a um sucessor na intenção de manter a mesma linha de
governo. “Com mais abertura, mudanças poderão ser exigidas, sobretudo pelos
mais jovens.”
Cronologia
Janeiro
de 1959 – Revolução Cubana
Sob o comando
de Fidel Castro, guerrilheiros derrubam Fulgencio Batista e estabelecem um
governo socialista na ilha. confira neste link:
Abril
de 1961- Invasão da Baía dos Porcos
O Presidente
John F. Kennedy ordenou a invasão de Cuba. A ação foi feita por um grupo de
exilados cubanos sob o comando da CIA, mas o plano fracassou e foi crucial para
iniciar a ruptura diplomática
Fevereiro
de 1962 – Início do embargo
Após a
tentativa frustrada de invasão à ilha, os Estados Unidos anunciam um embargo
econômico, comercial e financeiro a Cuba
Outubro
de 1962 – Mísseis da União Soviética e dos EUA
Satélites
norte-americanos detectaram uma base de mísseis nucleares da União Soviética
instalada em Cuba. Com a descoberta foi iniciada uma operação militar de cerco
à ilha e à antiga União Soviética (URSS) e terminou com a retirada dos mísseis
nucleares de Cuba em troca da retirada de mísseis norte-americanos na Turquia.
O incidente foi considerado um dos mais intensos do período da guerra fria
entre ex-URSS e os EUA
Agosto
1991 a dezembro de 1991 – O fim da URSS
Com a
dissolução da União Soviética, a economia cubana passa por um período
extremamente difícil com a perda de auxílio financeiro do bloco socialista
europeu. A URSS era o principal financiador do governo Castro
Setembro
de 1998 – Prisão dos Cinco Cubanos
A emblemática
prisão dos cinco cubanos que os EUA acusam de espionagem - René González,
Gerardo Hernández, Antonio Guerrero, Ramón Labañino e Fernando González – que
ficaram conhecido como “Los Cinco”. Eles admitiram que eram agentes do governo
cubano “não declarados” nos EUA, mas que seus alvos eram “grupos terroristas de
exilados” que conspiravam contra o então presidente Fidel Castro, e não o
governo norte-americano. Hernández, Labañino e Guerrero foram libertados
na última quarta-feira (17). René González e Fernando González já haviam
retornado a Havana
Novembro
de 1999 – Elián González
Elián González
tinha 6 anos quando sua família tentou imigrar de Cuba para a Flórida. Foi a
única sobrevivente e sua imagem passou a ser usada politicamente. Depois de
sete meses de batalhas na Justiça americana, ele saiu da Flórida e regressou a
Cuba
Fevereiro
de 2008 – Passagem da presidência
Com problemas
de saúde, Fidel Castro passa a presidência para as mãos do irmão Raúl Castro
2009
– Fim de restrições de viagens e transferências de dinheiro dos EUA para Cuba
Após tomar
posse, Barack Obama anuncia o fim das restrições nas viagens para Cuba e
autoriza a transferência de dinheiro dos Estados Unidos para moradores da ilha
2012
– Eliminação de restrições de viagens para cubanos
Raúl Castro diminui
as restrições burocráticas impostas aos cubanos para viagens ao exterior
Fevereiro
de 2013 – Raúl Castro fala em transição política
Após ter seu
nome ratificado pelo Legislativo para mais cinco anos de poder na ilha, Raúl
Castro afirma que o país vai passar por uma transição política e que pretende
passar o poder adiante após o término do período
Dezembro
de 2013
No funeral de
Nelson Mandela, Barack Obama e Raúl Castro trocam um aperto de mão, lançando a
especulação sobre uma possível aproximação entre os dois países
Dezembro
de 2014
O presidente
dos Estados Unidos e o presidente de Cuba anunciam a retomada das relações
diplomáticas interrompidas por mais de 50 anos. Os EUA voltarão a ter embaixada
em Havana e libertaram três espiões cubanos (Gerardo Hernández, Antonio
Guerrero, Ramón Labañino). Em troca, foi libertado um espião norte-americano e
o empreiteiro Alan Gross
Da Agência
Brasil
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