Por Daniel Archer Duque* no Debates
Culturais
Duas
semanas e duas pesquisas eleitorais após a trágica morte de Eduardo Campos,
Marina Silva se firma hoje como terceira e, quem diria, única via possível de
oposição à candidata do PT ao segundo mandato presidencial, Dilma Rousseff.
Segundo a última pesquisa do IBOPE, Marina aparece com 29% das intenções de
voto, dez pontos à frente de Aécio Neves, e apenas a cinco atrás de Dilma no
primeiro turno. No segundo turno, no entanto, a grande surpresa é seu
percentual de 45% das intenções de voto, expressivamente superior ao da
presidenta da República, que amarga preferência de apenas 36% dos eleitores.
Portanto, a pesquisa aponta, junto com a anterior da Datafolha, para a vitória
de Marina Silva nas eleições presidenciais.
Seria
de se esperar, é claro, que, quão mais forte se torna a candidata do PSB, mais
pesada se torna a investida de seus adversários contra sua empreitada política.
Chega a ser cômico a atual confluência de ideias da esquerda quanto da direita
no que se refere à candidatura de Marina. Ela acabou, afinal, conseguindo o que
ninguém nunca imaginou ser possível: uniu firmemente dois polos opostos do
espectro político em uma intensa campanha negativa contra sua pessoa.
Começa
assim também uma profunda campanha difamatória contra Marina nas redes sociais.
Os mitos difundidos são muitos: seu suposto posicionamento contrário ao
casamento gay, apesar de sua declaração favorável ao casamento civil
igualitário; sua suposta defesa a Marco Feliciano, apesar de a ex senadora ter
se posicionamento claramente contra sua permanência na presidência da CDHM; e
por vezes seu amor, por vezes seu ódio ao setor do agronegócio, apesar de sua
declaração a favor do agronegócio produtivo e toda sua luta histórica pela
agricultura familiar. Não importa de onde venha, o ataque à Marina é sempre
carregado de preconceito, inverdades e desespero.
Poucos
disseram, no entanto, por que votariam na Marina Silva. Afinal, com toda
campanha difamatória, aos poucos cada vez mais desmoralizada, pouco espaço foi
dado para citar as qualidades de sua candidatura. Contra toda narrativa do
“voto deslumbrado” ou do voto “contra tudo que está aí”, espero preencher esse
vácuo qualitativo nos próximos parágrafos.
Esqueça
a suposta superioridade moral de Marina Silva. Não utilizarei desse recurso
obviamente injusto para justificar meu voto. Sua candidatura, no entanto,
representa para mim uma inflexão no sentido de um mais do que necessário fim de
uma prejudicial polarização do poder entre dois partidos. Reduzir o debate
político nacional a duas facções inimigas significou reduzir as opções reais da
democracia para sociedade brasileira. Significou nivelar por baixo os projetos
de país dos partidos para um conjunto genérico de ações descoordenadas,
subjugado a um claro projeto de poder.
Vê-se
isso hoje no PT, que, após reduzir a pobreza e a desigualdade do país
continuamente, agora lança programas isolados e pontuais, a custo da entrega de
feudos ministeriais e cargos-chave a indicados partidários sem identificação
com a pasta, tal qual o próprio Marco Feliciano, que foi indicado pelo seu
partido à presidência da CDHM devido à negociação geral do PT na Câmara dos
Deputados, que permitiu que dois de seus líderes presidissem outras comissões
para eles mais relevantes. É sim, a essa tal política “toma lá dá cá” que
Marina Silva se opõe, essa mesma política que hoje causa a estagnação da
desigualdade de renda, que deixou de cair continuamente desde 2011.
A
chamada Nova Política, no entanto, não é a única agenda da candidata pelo PSB.
Sua candidatura também se ancora em uma nova organização estatal orientada pela
“terceira via” original, que agrega uma orientação econômica de
responsabilidade fiscal, menor intervencionismo e política macroeconômica mais
ortodoxa, com uma orientação social de combate à pobreza e à desigualdade,
maior participação da educação e saúde pública no orçamento, e agenda
progressista no que se refere às liberdades individuais. Tal Terceira Via teve
como entusiastas o presidente americano Bill Clinton e o primeiro ministro
britânico Tony Blair, ambos políticos que lograram alta popularidade, graças a
um vistoso crescimento econômico e redução da pobreza em seus países.
Não
à toa, foi Paes de Barros, economista responsável pelo desenhodo programa Bolsa
Família e Brasil Carinhoso, quem escreveu o capítulo de política social de
Marina Silva em 2010, além de que sua candidatura hoje tem o apoio do ex
Ministro da Educação e atual senador Cristovam Buarque, histórico líder
político em prol da educação pública. Marina também é a favor da expansão das
cotas sócio raciais, além de obviamente favorável à expansão da demarcação de
terras indígenas e quilombolas.
Um
eventual Governo Marina Silva será, portanto, um governo que retirará grande
parte dos subsídios do BNDES às 500 maiores empresas do país – como já
orgulhosamente dito por José Dirceu – e os transferirá para Saúde e Educação.
Será um governo em que a fronteira agrícola se expandirá em menor ritmo, sem
agressão aos direitos territoriais de povos indígenas, pois a produtividade
será prioridade. Será um governo sem desonerações fiscais a setores com poder
de lobby, mas com uma reforma tributária com viés de redução dos impostos sobre
o consumo e produção, e de aumento sobre a renda e o patrimônio.
É
importante ressaltar que não vejo Marina Silva como grande salvadora da pátria,
ou messias sebastianista. Creio que sua eventual vitória trará de fato
turbulências políticas que formarão uma poderosa frente à agenda de Marina, e
lograr êxito em implementar seu programa será uma tarefa difícil, quiçá
impossível. Acredito também que a ex senadora cometerá erros, assim como já
cometeu tantas vezes no passado. No entanto, seu projeto de país, possivelmente
o único entre as três candidaturas, traz consigo consistência e a esperança de
se colocar hoje na democracia brasileira um bom ponto de largada para mudanças
cada vez mais profundas.
*Daniel
Vasconcellos Archer Duque é graduando em Ciências Econômicas pela UFRJ,
membro do comitê de organização da Nova Organização Voluntária Estudantil
(NOVE). Filiado ao Partido Verde, também colabora com outros sites e jornais.
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