“A
decisão que desrespeita a letra da lei agride o regime democrático, ainda que
sob o pretexto de aperfeiçoá-lo”
Na semana
passada, comentei aqui uma declaração do ministro Luís Roberto Barroso, do STF.
Ele entende que uma de suas funções é "empurrar a história", como
Lênin. Não existe democracia sem um Poder Judiciário independente, mas essa
independência tem balizas. A decisão que desrespeita ou ignora a letra da lei
agride o regime democrático, ainda que sob o pretexto de aperfeiçoá-lo. Juízes
também são produto da ordem legal que eventualmente transgridem. Pergunta-se a
Barroso: aquele que manda às favas uma decisão judicial porque está
"empurrando a história" merece aplauso ou punição? Sempre se pode
argumentar que há o jeito certo e o errado de dar esse empurrãozinho, mas isso
é guerrilha ideológica, não Estado de Direito. Vamos ver.
Liminar
concedida dia desses por uma juíza do Mato Grosso do Sul impedia que
proprietários rurais realizassem um leilão de gado, grãos e equinos. O objetivo
do evento era arrecadar recursos para mobilizar produtores contra a onda de
invasões de terra promovida por índios, ONGs e padres. Na liminar, depois
cassada, a juíza alegava que sitiantes e fazendeiros pretendiam contratar
segurança privada --essa era precisamente a acusação feita pelos invasores--, o
que implicaria "substituir o Estado na solução do conflito existente entre
a classe ruralista e os povos indígenas".
Quando os
militantes invadem as propriedades, eles não estão tentando "substituir o
Estado"? Então o coitado que tem esbulhado o seu direito deve ser proibido
até de se defender? De resto, quem quer dinheiro para contratar milícias não
realiza leilões à luz do dia.
Em outubro, um
juiz negou liminar de reintegração de posse à reitoria da USP, invadida por
delinquentes de extrema esquerda. O juiz que se negou a devolver o prédio a
seus legítimos usuários escreveu, espancando o bom senso e a língua:
"Outrossim, frise-se que nenhuma luta social que não cause qualquer
transtorno, alteração da normalidade, não tem força de pressão e, portanto,
sequer poderia se caracterizar como tal". Quando os criminosos deixaram o
prédio, o saldo de destruição impressionava. "Transtorno"?
O meritíssimo
pertence a uma Associação de Juízes que se denomina "Para a
Democracia", algo notável porque nos faz supor que possa existir outra
--no caso, "para a ditadura". Tal associação já produziu uma pérola,
também na defesa de invasores. Escreveu: "Não é verdade que ninguém está
acima da lei (...): estão, sim, acima da lei, todas as pessoas que vivem no
cimo preponderante das normas e princípios constitucionais e que, por isso,
rompendo com o estereótipo da alienação, e alimentados de esperança, insistem
em colocar o seu ousio e a sua juventude a serviço da alteridade, da democracia
e do império dos direitos fundamentais".
O estilo brega
mal esconde a concepção totalitária de direito. Ora, se há pessoas acima da
lei, cesse o que o antigo Estado de Direito canta. Tudo lhes é permitido, muito
especialmente o crime.
O ano começa
com o STF prestes a jogar o sistema político na clandestinidade. Quatro
ministros já acolheram a Ação Direta de Inconstitucionalidade que quer proibir
a doação de empresas a campanhas eleitorais. Se acontecer, as contribuições
hoje ilegais assim continuarão. E boa parte das legais migrará para o crime. Esse
mesmo tribunal, e não entro no mérito de cada decisão,
"constitucionalizou", por exemplo, o casamento gay, o aborto de
anencéfalos e a marcha da maconha. Legislou na contramão da vontade explícita
do Congresso. No caso das cotas raciais, condescendeu com a agressão à
Constituição promovida pelos dois outros Poderes. E sempre contra a escrita.
Se as leis não
limitam as ações dos homens, quem disciplina os homens sem limites?
Via Folha SP
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