por Octavio Caruso
A questão da
liberdade de expressão é muito pouco compreendida, ainda mais numa nação onde
adultos não se dedicam ao hábito da leitura. Essa fragilidade acaba resultando
em revoltas momentâneas nas redes sociais, baseadas em um conhecimento
superficial sobre o tema que as incitou, como no caso “Charlie Hebdo” e, para
começar num tom mais leve, na tola questão envolvendo o vestido da presidente.
A Cora Rónai debochou da roupa dela, mas pediu desculpas quando o Leonardo Boff
entrou na brincadeira e deu o troco na mesma moeda. Dois adultos agindo de
forma infantil. Ela iniciou a deselegância pública, sem pensar no que a outra
mulher pensaria ao ler sua opinião, então ninguém racional pode colocá-la como
vítima. Os dois exercitaram a liberdade de expressão, mas, infelizmente,
optaram pelo desperdício de tempo com uma tolice. E já acho que perdi tempo
demais com assunto tão bobo, então retorno ao caso dos cartunistas franceses.
Começo pelo
básico: nada justifica a violência. Em um mundo utópico, formado apenas por
seres que verdadeiramente honrassem o “sapiens” que sucede o “homo”, não
haveria tema tabu ou assunto intocável, o humor seria reconhecido como elemento
essencial, especialmente, nas questões mais sérias. Estamos muito longe dessa
realidade, vivemos em um mundo ignorante, que se debate na escuridão, condição
que possibilita diversas interpretações, especialmente aquelas equivocadas,
conduzindo ao perigoso radicalismo religioso, ao torpor da cegueira
intelectual. Um mundo onde os homens criaram através do tempo sistemas de
crenças que ditam costumes e fomentam preconceitos, que necessitam segregar, no
intuito de distinguir os escolhidos e os ignorados, especiais e aqueles que
ainda não foram tocados pelo divino.
O humor é a
qualidade mais perceptível no homem inteligente. A ideia de enxergar a
brincadeira com a religião como uma ofensa passível de severa punição está mais
próxima do instinto bestial que move as torcidas organizadas de futebol. Você
tem o direito de odiar a piada, não concordando com a abordagem ácida, mas
precisa respeitar a livre expressão do artista que a elaborou. É direito
daquele que se considera ofendido, contra-argumentar efusivamente, devolver a
piada, no popular, pagar na mesma moeda. Mas aceitar um ato terrorista que tira
a vida de doze pessoas como uma resposta compreensível é aplaudir a estupidez
humana em seu mais alto grau.
A queda das
torres gêmeas, com todos os seus inocentes mortos, foi compreensível? O homem
que esfaqueia sua esposa, após encontrá-la com outro na cama, comete um ato
compreensível? A mãe que mata um bebê, em um ritual de magia negra, está agindo
de forma compreensível? Ela está seguindo algo em que acredita fortemente,
assim como aqueles que jogaram os aviões nas torres. Aceitar o assassinato em
um ato terrorista é, indubitavelmente, aceitar a violência como forma de revide
em qualquer situação. É legitimar a evidência de que não evoluímos nada com o
passar dos séculos.
Octavio Caruso
– Ator, Escritor e Crítico de Cinema
Muito obrigado, amigo. Compartilhar é sempre a maior das gentilezas com quem escreve. Abração!
ResponderExcluirGente fina é outra coisa.
ResponderExcluirParabéns Octavio Caruso. Concordo com muito o que o texto apresenta. Em uma socieade IDEAL, o termo liberdade de expressão pode ter o valor ABSOLUTO que muita gente pensa ter. Mas não, para os que realmente raciocinam, liberdade é um conceito que muda muito em referência a época. Posso elencar aqui um conjunto de vários pensadores da história mundial, que pensou a liberdade de formas diferentes e não num contexto absolutista que muito acham que deveria
ResponderExcluirA arte, a ciência, qualquer processo criativo não pode ser tolhido pelo bom senso, pelo senso comum ou por qualquer sistema dogmático. Porque em arte ou em ciência só se avança indo além do que é evidente. Galileu foi condenado a abjurar pela Inquisição. Por quê? Porque todo mundo levanta e vê que o Sol gira em torno da Terra e que a Terra está parada. Se ela girasse, é óbvio que correríamos o risco de sermos jogados no espaço. Ainda mais se fosse a uma velocidade de mais de 1.000 km/h. E no entanto, como murmurou Galileu, ela se move...
ResponderExcluirGalileu teria melhor sorte caso tivesse a oportunidade de viver nos dias atuais meu caro Marco Lisboa, porém, Charlie Ebdo certamente teria um sorte ainda menor se retroagisse aos tempos do Galileu. Como podemos perceber o tempo esteve contra o Galileu, já ao Edbo parece que o seu tempo ainda está por vir.
ResponderExcluirFanáticos detestam serem alvos de humor. O pior crime que se pode cometer contra eles é não levá-los a sério. Quando o Charlie faz charges com Maomé (ou com o Papa, ou com Jeová) ele está atacando o fanatismo. Não dá para fazer humor com teologia (até que dá, mas deve ser muito difícil). As pessoas inteligentes, talvez até uma minoria, entenderão o Charlie. Os fanáticos e outros menos dotados, acusarão o Charlie de estar ofendendo os muçulmanos, ou os cristãos ou os judeus. Nesse embate, não dá para ficar do lado do atraso. Ou se libera o humor ou se restaura a inquisição. Porque ceder num ponto que for é perigoso.
ResponderExcluirMarcos, a esta visão se coloca num mundo ideal. Neste contexto a liberdade de expressão não é absoluta, pois a mesma está em paralelo com outros aspectos do ser humano. A ciência de certa forma não "denegriu" a crença, ela somente a ultrapassou, saindo do estado de mito para o de conhecimento. Sobre o humor, não o estudei ou li algum artigo profundo sobre o mesmo, mas sendo criação humana, ele deve respeitar príncipios humanos. o Humor não é Deus, onipotente. Este é um assunto delicado onde colocará em cheque a avaliação de vários aspectos da atual sociedade, a saber, principalmente da moral e da ética. Nietzsche já havia previsto isto a muito tempo atrás, e os resultados estão sendo colhidos agora. Ótima reflexão cara!
ResponderExcluirA liberdade do Charlie chegou ao status de libertinagem?
ResponderExcluirQue pena que todas as pessoas não tem a mesma capacidade de entendimento,tolerância,o mundo é uma selva,temos que ser mais que inteligente,para sobreviver nele,é imprescindível sabedoria,mas esta qualidade é para poucos.
ResponderExcluirLibertinagem é um conceito que acontece no mundo real e não na ficção. Sade descrevia surubas homéricas em seus livros. Isso não é libertinagem é um escritor escrevendo sobre a libertinagem.
ResponderExcluirA linha divisória que separa a "vontade" do humorista transmitir sua arte de forma a não transgredir direitos de outrem, sejam eles pseudos ou concretos, é tão tênue que parece ser imaginária. Porém, contrapondo-se a essa, um exemplo da espessura da linha que mede a intolerância de outrem quanto a ter seus "direitos" transgredidos, pode-se medir no número de óbitos resultantes do ataque ao Charlie na França.
ResponderExcluirDe fato, a linha pode ser tênue, às vezes. Como tudo na vida, nada é 100%. Mas eu defendo que em caso de dúvida, sejamos tolerantes.Independentemente do que os "críticos" do estado islâmico e da Al Qaeda possam achar, Wolinsky e sua turma eram excelentes cartunistas. Wolinsly inspirou toda uma geração de cartunistas brasileiros e a turma do Charlie, de certa maneira, era sua sucessora.
ResponderExcluirMarco você chegou num ponto importante. Com sua fala acredito que não existe realmente a liberdade de expressão ideal, nem a liberdade de expressão absoluta meu amigo. COmo Cristão repudiei o cartoon com Jesus fazendo sexo com moisés (se entendi bem), mas foi/se foi um crítica ao funfamentalismo Cristão, foi uma crítica forte e desnecessária (penso eu). Imaginamos agora que o Charlie faça uma crítica a família, aos homossexuais, a tudo e todos, como ficaria? Não seria uma crítica pela crítica? Criticar por criticar? E a dignidade humana foi parar onde? Cito Nietzsche novamente, grande filosofo da pós modernidade: temos vários limites, as extremidades são sempre tão perigosas e também tão atraentes. O ser humano vive hoje neste dois polos: a liberdade de expressão absoluta contra o controle absoluto. Para o pensador nenhum dos dois lados serve, sempre haverá um caminho pelo meio.
ResponderExcluirSe todo mundo rezasse e seguisse os 10 mandamentos esse seria um mundo melhor. Muito chato, com certeza, mas com menos violência. Será que ninguém percebe que embarcando na onda do politicamente correto estamos aplainando o caminho para o totalitarismo? Não se trata de uma guerra contra os muçulmanos. Se trata de não permitir que um grupo terrorista, a pretexto de sua interpretação da fé, dite à sociedade o que ela pode e não pode fazer. Se aceitarmos que certos valores são absolutos e não podem ser contrariados, estamos negando justamente a convivência entre valores diferentes. O estado laico é uma grande conquista humana. Ele não pode ser comido pelas beiradas, com uma concessão aqui e outra ali.
ResponderExcluirSe todo mundo usasse pó como Aécio, chutasse e quebrasse santos como os intolerantes, fizessem charges sexuais de Cristo fazendo sexo anal em Deus como Charlie Hebdo, ameaçassem mulheres de estupro como Bostonaro o mundo seria bem melhor né Marco Lisboa? Parabéns pra você! Ganhou mais esse debate, já estou preparando seu certificado.
ResponderExcluirUma coisa eu me penitencio: foi não ter paciência de ler até o final um artigo em que Leonardo Boff justificava como "compreensivel" o episodio do ataque ao Charlie Hebdo, pela ofensa a uma crença religiosa. Confesso minha incapacidade de compreender esse ataque.
ResponderExcluirInterrompi a leitura desse texto talvez pelo autor, pela decepçao que me causava ao vê-lo mergulhar na sombra do inadmissível, embora compreendesse, isso sim, sua optica fundamentalista equivalente de órdem religiosa pela qual proclava "Eu não sou Charlie". Essa partidarização do Sr. Lenardo Boff me incomoda desde quando fechou os olhos para prestar solidariedade á candidatura da Sra. Dilma Roussef, afinal a se decompor sozinha sem precisar de ajuda depois de eleita.
Mas voltando ao assunto, estou de acordo com o Marco Lisboa aí em cima; exatamente quando distingue que no plano da critica a liberdade não tem de pedir licença á razão.
No que estamos de acordo com o autor (Octávio Caruzo) quando encerra: - "É direito daquele que se considera ofendido, contra-argumentar efusivamente, devolver a piada, no popular, pagar na mesma moeda. Mas aceitar um ato terrorista que tira a vida de doze pessoas como uma resposta compreensível é aplaudir a estupidez humana em seu mais alto grau".
Que todo mundo aqui é contra o atentado não é preciso discutir. A questão que estamos discutindo é o conteúdo do humor do Charlie (que a imensa maioria desconhece, diga-se de passagem. Eu só conheço a obra de Wolinsky).
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