Ex-senadora
propõe um novo pacto e novos protagonistas na política; "Se já não
confiamos naqueles que prometeram tudo, eis aí o sinal para que nossa nova
promessa seja um acordo, simples e claro, naquilo que é essencial", diz
ela
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Dag Vulpi - Num
artigo rebuscado, publicado nesta sexta-feira, a ex-senadora Marina Silva
propõe um novo pacto político e afirma que críticas não devem ser encaradas
como declarações de guerra. Leia abaixo:
Nascer sempre
Em meio aos
abraços amigos e desejos de feliz Ano-Novo, costumamos reconhecer a sinceridade
dos desejos para além das palavras, pois estas são, muitas vezes, gastas e
repetidas. As palavras necessitam de gestos que recuperem e sustentem seu
sentido.
Releio Hannah
Arendt, para melhor refletir sobre a possibilidade de restaurar a capacidade
humana de lidar com as desconfianças e incertezas causadas pela ameaça do
imprevisível, por meio do milagre da "promessa". Na dimensão política
da crise civilizatória que vivemos, a crise de confiança é o centro do problema.
O ano que passou foi didático nesse ponto: o atual sistema de representação
recebeu um claro voto de desconfiança e não foi capaz sequer de manter --ainda
menos cumprir-- até mesmo as promessas apressadas que faz sob pressão.
Ainda é
possível refazer a confiança, dentro de um espaço de heteroestima política,
social, cultural, como indivíduos e como povo? como indivíduos e como povo?
Temos motivo para descrer, num mundo fragmentado em que as relações se
liquefazem e escorrem, sem estabilidade. Mesmo as novas formas de
relacionamento e comunicação que inventamos, muitas vezes parecem ser uma
desesperada tentativa de agarrarmo-nos uns aos outros, multiplicando conexões
frágeis e superficiais na ausência de laços de confiança efetivos e afetivos.
Revejo, no
entanto, a importância que H. Arendt dá ao nascimento como fonte de fé e
esperança (cuja expressão poética e profética ela localiza nos Evangelhos:
"nasceu uma criança entre nós") capaz de renovar a confiança em nós,
nos outros, no futuro. Somos, assim, impelidos a olhar o que está nascendo ao
nosso redor e, sim, tem muita coisa boa começando além de um novo ano.
Podemos
abandonar o pensamento defensivo, que recebe as críticas como se fossem
expressões de pessimismo ou até declarações de guerra para saudar, entre nós, o
nascimento --renascimento, como queiramos-- de uma consciência aguda e
exigente, que já não se ilude com velhas promessas mas que pode ser base sólida
para um novo pacto ético e social. Podemos nos alegrar com o surgimento de uma
nova geração de protagonistas da política, iniciantes ainda, mas com enorme
capacidade de aprender e evoluir rapidamente. Podemos compartilhar desse novo
sentimento de poder e liberdade que se espalha dando origem a uma democracia
espalhada em todos os espaços da vida.
Podemos, sim,
superar a fragmentação do mundo em crise compondo novas sínteses baseadas em
novas harmonias. Se já não confiamos naqueles que prometeram tudo, eis aí o
sinal para que nossa nova promessa seja um acordo, simples e claro, naquilo que
é essencial. A confiança vem do que é sustentável.
Do 247
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