A noção de que
a inflação é um fenômeno nocivo é bastante comum na ciência econômica.
Porém, a maioria dos livros-texto subestima a extensão desse mal, pois todos
eles definem inflação muito limitadamente como sendo uma duradoura redução no
poder de compra do dinheiro. Ademais, eles prestam escassa atenção às
formas concretas de inflação. Para compreendermos a natureza destruidora
da inflação em sua totalidade, é necessário termos em mente que ela se origina
de uma violação das regras fundamentais da sociedade.
Inflação é o
que ocorre quando as pessoas aumentam a oferta monetária por meio de fraude,
imposição ou quebra de contrato. Invariavelmente, ela gera três
conseqüências características: (1) ela beneficia os perpetradores à custa de
todos os outros usuários do dinheiro; (2) ela permite a acumulação de dívidas
além do nível que as dívidas poderiam atingir no livre mercado; e (3) ela reduz
o poder de compra do dinheiro para um nível menor do que aquele que
prevaleceria no livre mercado.
Embora essas
três consequências sejam ruins o bastante, as coisas ficam muito piores quando
a inflação é estimulada e promovida pelo estado (inflação por decreto). A
inflação criada pelo governo é contínua, e, como resultado, podemos observar a
formação de instituições e hábitos especificamente criados
pela inflação. Assim, a inflação monetária criada monopolisticamente pelo
governo gera uma mácula cultural e espiritual na sociedade humana. A
seguir, vamos analisar mais detidamente alguns aspectos desse legado.
I. Governo hipercentralizado
A inflação
beneficia o governo que a controla, não apenas em detrimento da população como
um todo, mas também em detrimento de todos os governos secundários e
terciários. É um fato bem conhecido que os reis europeus, durante a
ascensão dos estados-nação nos séculos XVII e XVIII, esmagaram os principais
vestígios de poder intermediário. As nações democráticas dos séculos XIX
e XX completaram a centralização de poder que havia começado sob os reis.
A força motriz econômica desse processo foi a inflação, a qual, naquele
momento, já estava inteiramente nas mãos do aparato do poder central.
Mais do que qualquer outra razão econômica, a inflação tornou o estado-nação
irresistível. E, assim, ela contribuiu, indiretamente ao menos, para a
popularidade das ideologias nacionalistas, as quais no século XX levaram a uma
frenética veneração do estado-nação.
A inflação
estimula o crescimento dos governos centrais. Ela permite que esses
governos cresçam para muito além do que poderiam crescer em uma sociedade
livre. E ela permite que eles monopolizem determinadas funções em uma
escala que não ocorreria em um ambiente em que o dinheiro fosse produzido pelo
livre mercado. Isso ocorre à custa de todas as formas de governo
intermediário, e, é claro, à custa da sociedade civil como um todo. A
centralização do poder estimulada pela inflação transforma o cidadão médio cada
vez mais em um átomo socialmente isolado. Todas as suas relações sociais
tornam-se controladas pelo estado central, o qual também passa a fornecer a
maioria dos serviços que antes eram ofertados por outras entidades sociais,
como a família, as igrejas e o governo local. Ao mesmo tempo, a direção
central do aparato estatal torna-se cada vez mais distante da vida diária de
seus protegidos.
II. O efeito
da inflação monetária sobre as empresas
A inflação
produzida pelo governo gera um impacto profundo sobre as finanças
corporativas. Ela torna os passivos (dívidas) mais baratos do que seriam
em um livre mercado. Isso estimula empreendedores a financiar suas
empreitadas por meio da obtenção de empréstimos, e não por meio do patrimônio
próprio (o capital trazido à empresa pelos seus proprietários).
Em um sistema
de livre mercado de produção monetária, os bancos concederiam empréstimos apenas
como intermediários financeiros. Isto é, eles poderiam emprestar somente
aquela quantia de dinheiro que eles próprios houvessem poupado ou que outras
pessoas houvessem poupado e emprestado aos bancos. Os bancos obviamente
seriam livres para conceder empréstimos sob os termos (juros, valores, duração)
que quisessem; porém, seria suicídio oferecer termos melhores do que aqueles
que seus próprios depositantes (credores) lhe oferecessem. Por exemplo,
se um banco recebe de um poupador um depósito que rende juros de 5%, seria
irracional emprestar esse dinheiro a 4%. Donde se conclui que, em um
livre mercado, um serviço bancário lucrativo está restrito a limites bastante
estreitos, os quais por sua vez são determinados pelos poupadores. Não seria
possível um banco permanecer no mercado e ao mesmo tempo oferecer
termos melhores do que os dos poupadores.
Porém, o
sistema bancário de reservas fracionárias é capaz de fazer justamente
isso. Dado que estes bancos podem criar dinheiro a um custo virtualmente
zero, eles podem conceder empréstimos a taxas que são menores do que aquelas
que prevaleceriam de outro modo. E, desse modo, os beneficiários irão
financiar por meio do endividamento alguns empreendimentos que eles de outra
forma teriam financiado com seu próprio dinheiro, ou que eles sequer teriam
empreendido.
É óbvio que
serão poucas as empresas capazes de resistir a tais ofertas. A
concorrência é feroz na maioria dos setores econômicos, e as empresas têm de
aproveitar as melhores ofertas disponíveis, caso contrário elas perderão aquela
"vantagem competitiva" que pode ser decisiva para os lucros e também
para sua mera sobrevivência. A inflação monetária torna as empresas mais
dependentes dos bancos do que elas seriam caso contrário. Ela cria um
maior poder de decisão central e uma maior hierarquia do que existiria no livre
mercado. O empreendedor que opera com 10% de capital próprio e 90% de
dívida já deixou de ser um empreendedor genuíno. Seus credores
(normalmente bancos) são os verdadeiros empreendedores que tomam todas as
decisões essenciais. Ele foi transformado em um relativamente bem pago
executivo — um gerente.
Desta forma, a
inflação monetária reduz o número de empreendedores genuínos — homens
independentes que operam com seu próprio dinheiro. Tais homens ainda
existem em uma quantidade incrivelmente alta, mas eles somente conseguem
sobreviver porque seu talento superior é comparável à situação financeira
inferior com a qual eles têm de lidar. Eles precisam ser mais inovadores
e trabalhar mais que seus concorrentes. Eles sabem o preço da
independência e estão dispostos a pagá-lo. Normalmente eles são mais apegados
aos negócios da família e se importam mais com seus empregados do que os outros
fantoches dos banqueiros.
Dado que o
crédito fácil decorrente da inflação monetária possibilita uma grande vantagem
financeira, ele acaba por estimular comportamentos imprudentes da parte dos
executivos das empresas. Isso é principalmente válido para os gerentes de
grandes empresas que possuem acesso fácil ao mercado de capitais. Sua
imprudência é frequentemente confundida com criatividade e inovação.
O economista
Joseph Schumpeter memoravelmente caracterizou o sistema bancário de reservas
fracionárias como sendo um tipo de força impulsora do desenvolvimento econômico
inovador, uma vez que ele fornece dinheiro adicional para empreendedores com
grandes ideias.
É concebível
imaginar que em alguns casos esse sistema tenha tido esse papel, porém as
chances estão majoritariamente do outro lado. Como regra geral, qualquer
produto novo e qualquer profunda inovação nas organizações empreendedoriais
representam uma ameaça aos bancos, pois estes já estão expressivamente
investidos em empresas já estabelecidas, as quais produzem os produtos de
sempre e utilizam as velhas formas de organização. Eles têm, portanto,
todos os incentivos para impedir qualquer inovação — recusando-se a financiá-la
— ou para espalhar essas novas ideias aos seus parceiros no mundo corporativo.
Assim, o
sistema bancário de reservas fracionárias torna os negócios mais conservadores
do que seriam caso contrário. Ele beneficia as empresas já estabelecidas
à custa de inovadores recém-chegados. É muito mais provável que um
projeto inovador venha de empreendedores independentes, principalmente se a
tributação da renda for baixa.
III. O jugo da
dívida
Algumas das
considerações acima também são válidas fora do mundo empreendedorial. A
inflação monetária possibilita crédito fácil não apenas para governos e
empresas, mas também para indivíduos. O simples fato de que tais créditos
são oferecidos já é o suficiente para incitar algumas pessoas a se endividarem,
algo que não fariam normalmente. Porém, o crédito fácil torna-se
praticamente irresistível quando vem acoplado a outra típica consequência da
inflação monetária: o aumento constante dos preços. Ao passo em que nos
tempos passados um aumento dos preços era algo dificilmente perceptível, nos
dias atuais todos os cidadãos do mundo ocidental já se acostumaram a esse
fenômeno. Em países como Turquia e Brasil, onde o aumento de preços já
chegou a taxas anuais de 80 a 100%, mesmo as pessoas mais jovens já chegaram a
vivenciá-lo pessoalmente.
Tais condições
impõem uma penalidade severa sobre a poupança mantida em espécie.
Antigamente, a poupança era tipicamente feita na forma do entesouramento de
moedas de ouro e prata. É verdade que tal ato de entesouramento não
propiciava nenhuma receita — o metal era "estéril" — e que quem
praticava tal ato não podia ser considerado um rentista. Porém, em
todos os outros aspectos, o entesouramento do dinheiro era uma forma confiável
e efetiva de poupança. O poder de compra da moeda não se evaporava em
poucas décadas, e em épocas de crescimento econômico ela até
mesmo ganhava poder de compra.
Mais
importante ainda, elas eram extremamente adequadas para as pessoas
comuns. Carpinteiros, pedreiros, alfaiates e agricultores normalmente não
são observadores muito astutos do mercado internacional de capitais.
Colocar algumas moedas de ouro debaixo do travesseiro ou dentro de um cofre foi
um ato que lhes poupou várias noites de insônia, e os deixaram independentes de
intermediários financeiros.
Agora compare
esse cenário antigo com nossa atual situação. O contraste não poderia ser
mais absoluto. Seria algo completamente inútil guardar cédulas de
dinheiro em casa, visando à aposentadoria. Um homem com seus 30 anos de
idade, que esteja planejando se aposentar daqui a 30 anos, precisa levar em
conta uma depreciação monetária na ordem de 3 a 5% ao ano. Isto é, ele
precisa poupar de 3 a 5 unidades monetárias hoje para poder ter o poder de
compra de uma unidade atual quando ele se aposentar. E isso sendo
bastante otimista.
Disso se
conclui que a estratégia racional de poupança para ele seria se endividar com o
intuito de comprar ativos cujos preços aumentariam com a inflação. Isso é
exatamente o que ocorre hoje na maioria dos países ocidentais. Tão logo
as pessoas arrumam um emprego e, com isso, uma fonte de renda parcialmente
estável, eles se endividam para comprar uma casa — ao passo que seus avôs ainda
seguiam a rotina de primeiro acumular poupança durante trinta anos para só
então comprar seu primeiro imóvel com dinheiro próprio. Desnecessário
dizer que este último sempre foi o procedimento cristão. Não carta de São
Paulo aos Romanos (13:8), lemos: "A ninguém fiqueis devendo coisa alguma,
a não ser o amor recíproco; porque aquele que ama o seu próximo cumpriu toda a
lei."
As coisas não
são muito melhores para aqueles que já acumularam alguma riqueza. É
verdade que a inflação não os obriga a se endividar; porém, em todo caso, ela
os priva da possibilidade de manter suas poupanças em dinheiro. Os idosos
que vivem de pensões, as viúvas e os tutores de órfãos precisam investir seu
dinheiro no mercado financeiro, pois, caso contrário, seu poder de compra irá
se perder diariamente. Assim, eles se tornam dependentes dos intermediadores
financeiros e, consequentemente, do comportamento dos preços das ações e dos
títulos.
Com tudo isso,
torna-se claro que tal situação é amplamente favorável para aqueles que ganham
a vida no mercado financeiro. Corretores, analistas, bancos, empresas
hipotecárias e outros "players" têm motivos para ser gratos a esse
constante declínio do poder de compra do dinheiro sob um ambiente de inflação
monetária. Porém, seria tal arranjo também benéfico para o cidadão
comum? De certa forma, suas dívidas e seu maior investimento no mercado
financeiro são benéficos para ele, dado nosso atual regime inflacionário.
Quando o
aumento no nível de preços é perene, a dívida privada é para ele a melhor
estratégia disponível. Porém, é claro, isso significa que, não fosse o
intervencionismo governamental no sistema monetário, outras estratégias seriam
superiores. A existência de bancos centrais e de dinheiro de papel faz
com que as estratégias financeiras baseadas no endividamento sejam mais
atrativas do que estratégias baseadas no acúmulo de poupança própria.
Não é exagero
dizer que, por meio de sua política monetária, os governos ocidentais
empurraram seus cidadãos para uma situação de dependência financeira
completamente desconhecida para as gerações anteriores. Já em 1931, o
papa Pio XI declarou:
É algo manifesto como, nos nossos tempos, não só se concentram riquezas, mas também acumula-se um poder imenso e um verdadeiro despotismo econômico nas mãos de poucos, que as mais das vezes não são senhores, mas simples depositários e administradores de capitais alheios, os quais administram de acordo com seu próprio prazer e vontade arbitrária.
Este despotismo vem sendo exercido mais impetuosamente por aqueles que, tendo nas suas mãos o dinheiro, são também senhores absolutos do crédito e por isso dispõem do sangue de que vive toda a economia, e manipulam de tal maneira a alma da mesma, que ninguém pode respirar sem sua licença.[1]
É de se
imaginar que vocabulário Pio XI teria utilizado para descrever nossa atual
situação. A justificativa corrente para o atual arranjo monetário é que
ele supostamente estimula o desenvolvimento industrial. O dinheiro que
antigamente era entesourado não era apenas estéril, segundo tal teoria; era na
realidade algo prejudicial do ponto de vista econômico, pois tal atitude
privava as empresas dos meios de pagamento necessários para os investimentos.
Sendo assim, a função da inflação monetária seria a de fornecer tais meios.
Entretanto, o
entesouramento do dinheiro não possui nenhuma implicação macroeconômica
negativa. Tal atitude definitivamente não reprime os investimentos
industriais. O entesouramento aumenta o poder de compra do dinheiro e,
consequentemente, dá um maior "peso" às unidades monetárias que
permanecem em circulação. Todos os bens e serviços continuam podendo ser
comprados, e todos os investimentos viáveis podem ser feitos com as unidades
monetárias remanescentes. O fato fundamental e inegável é que a inflação
monetária não faz surgir nenhum recurso adicional. O fato de você
imprimir dinheiro não faz com que novos bens apareçam. A inflação
meramente provoca uma alteração na alocação dos recursos já existentes.
Estes deixam de ir para empresas geridas por empreendedores que operam com seu
próprio dinheiro, sendo desviados para aquelas empresas financiadas com fartos
créditos bancários.
O efeito
líquido do recente surto de endividamento pessoal é, portanto, o de jogar
populações inteiras na dependência financeira. As implicações morais são
claras. O acúmulo de dívidas é incompatível com a independência
financeira, e isso tende a enfraquecer a autossuficiência em todas as outras
esferas. O indivíduo oprimido por dívidas acaba, no final, adotando o
hábito de recorrer a terceiros em busca de ajuda, ao invés de se tornar uma
âncora econômica e moral para sua família e para todas as pessoas que o
cercam. A sobriedade e a independência de julgamento são substituídas
pela submissão e pela auto-ilusão.
E quando, como
ocorre em muitos casos, as famílias não mais conseguem arcar com todo seu
endividamento? O resultado é o desespero — ou, ao contrário, o desprezo
por todos os padrões de sanidade financeira.
IV. Alguns
ferimentos espirituais provocados pela inflação monetária
A inflação
monetária reduz constantemente o poder de compra do dinheiro. Em algum
grau, é possível para as pessoas protegerem sua poupança contra esse fenômeno,
mas isso requer um completo conhecimento de estratégias financeiras, tempo disponível
para supervisionar constantemente seus investimentos e uma boa dose de
sorte. As pessoas que não possuem um desses ingredientes irão
provavelmente perder uma parte substancial de seus ativos. A poupança de
toda uma vida normalmente desaparece por completo durante os primeiros anos da
aposentadoria. A consequência é o desespero e a erradicação dos padrões
morais e sociais. Porém, seria errado inferir que a inflação produz esse
efeito principalmente nos mais idosos. Como observou Thomas Woods:
Esses efeitos são "especialmente fortes entre os jovens. Eles aprendem a viver pensando apenas no presente e desdenham daqueles que tentam ensiná-los 'coisas antiquadas como moralidade e parcimônia.' A inflação, desta forma, estimula uma mentalidade de gratificação imediata que está em completo desacordo com a disciplina e a eterna perspectiva requeridas para se exercer os princípios da intendência bíblica — como investimentos de longo prazo para o benefício de gerações futuras."[2]
Mesmo aqueles
cidadãos abençoados com o conhecimento, o tempo e a sorte para proteger o
capital de sua poupança não são capazes de se esquivar dos impactos perniciosos
da inflação, pois eles têm de adotar hábitos que estão em desacordo com a saúde
moral e espiritual. A inflação os obriga a gastar muito mais tempo
pensando no seu dinheiro do que seria necessário na ausência dela. Como
já dito, a maneira antiga de os cidadãos comuns pouparam era acumulando
dinheiro dentro de casa. Sob um ambiente de inflação monetária como o
atual, essa estratégia é suicida. Eles precisam investir em ativos cujos
valores crescem com a inflação; e a maneira mais prática de se fazer isso é
comprando ações e títulos. Porém, isso demanda várias horas dedicadas ao
estudo, à comparação e à seleção dos papeis adequados. E isso os obriga a
estarem sempre vigilantes e preocupados com seu dinheiro, para o resto de suas
vidas. Eles precisam estar sempre seguindo o noticiário financeiro e
monitorando os preços das ações no mercado financeiro.
Similarmente,
as pessoas tenderão a prolongar a fase de suas vidas na qual elas se esforçam
para ganhar dinheiro. E, ao escolher suas profissões, elas darão uma
ênfase relativamente maior nos retornos monetários do que em qualquer outro
critério. Por exemplo, alguns daqueles que teriam maior propensão à
jardinagem irão abandonar essa vocação e procurar um emprego industrial, pois
este oferece maiores retornos financeiros no longo prazo. E mais pessoas
irão aceitar empregos distantes de suas casas apenas pelo fato de estes
permitirem a elas ganharem um dinheiro extra — algo que não ocorreria com tanta
frequência em um sistema monetário natural.
A dimensão
espiritual desses hábitos induzidos pela inflação parece ser óbvia.
Questões monetárias e financeiras passam a ter um papel exagerado na vida de um
homem. A inflação torna a sociedade materialista. As pessoas cada
vez mais se esforçam para obter dinheiro à custa da felicidade pessoal. A
mobilidade geográfica induzida pela inflação enfraquece artificialmente os
laços familiares. Muitos daqueles que tendem a ser gananciosos, invejosos
e mesquinhos tornam-se vítimas do pecado. Mesmo aqueles que não possuem
tal propensão serão expostos a tentações que não sentiriam caso contrário.
E como os caprichos do mercado financeiro também fornecem uma desculpa perfeita
para o uso excessivamente sovina do dinheiro, doações para instituições de
caridade tendem a declinar.
E há o fato de
que a inflação perene tende a deteriorar a qualidade dos produtos. Todo
vendedor sabe que é difícil vender o mesmo produto físico a um preço maior do
que aquele vigente nos anos anteriores. Porém, aumentos nos preços são
inevitáveis quando a oferta monetária está em crescimento contínuo. Sendo
assim, o que os vendedores fazem? Em muitos casos, a salvação vem por
meio da inovação tecnológica, a qual permite um modo de produção mais barato do
produto, desta forma neutralizando ou até mesmo compensando em demasia a
influência da inflação. Isso ocorre, por exemplo, na indústria de
computadores e de equipamentos construídos com uma grande quantidade de insumos
de tecnologia da informação.
Porém, em
outras indústrias, o progresso tecnológico possui um papel muito menor.
Aqui, os vendedores lidam com o problema acima mencionado.
Consequentemente, eles fabricam um produto de qualidade inferior e o vendem com
o mesmo nome, junto com os eufemismos que se tornaram costumeiros no marketing
comercial. Por exemplo, eles podem ofertar aos seus consumidores café
"light" e vegetais "não condimentados" — o que pode ser
traduzido como café ralo e vegetais que já perderam todos os resquícios de
sabor. Deteriorações similares podem ser observadas na indústria de
construção civil. Países flagelados pela inflação parecem ter sempre uma maior
proporção de casas e ruas em constante necessidade de reparos.
Em ambientes
assim, as pessoas desenvolvem uma atitude mais desleixada em relação às
palavras que utilizam. Se tudo realmente for aquilo de que passou a ser
chamado, então é difícil explicar a diferença entre verdade e mentira. A
inflação incita as pessoas a mentirem sobre seus produtos, e a inflação perene
estimula o hábito de mentir rotineiramente. Este autor já argumentou em
outros trabalhos que as mentiras rotineiras possuem um papel importante no
sistema bancário de reservas fracionárias, a instituição fundamental do sistema
monetário inflacionário. A inflação monetária parece difundir esse hábito
como um câncer para todo o resto da economia.
V. Sufocando a
chama
Na maioria dos
países, o crescimento do estado assistencialista tem sido financiado por meio
do acúmulo da dívida pública em uma escala que seria impensável sem o advento
do dinheiro de papel. Uma rápida olhada no histórico mostra que o
crescimento exponencial do estado assistencialista, que na Europa começou no
início da década de 1970, progrediu pari passu com a explosão da dívida
pública. É amplamente sabido que tal acontecimento tem sido um grande
fator no declínio da família. Porém, é normalmente negligenciado o fato
de que a principal causa desse declínio é a inflação monetária. De
maneira lenta, porém resoluta, a inflação perene destroi a família.
O
assistencialismo tem sido a ferramenta preferida do estado para destruir a
moral e as normas familiares. Atualmente, o estado assistencialista
fornece um grande número de serviços que, em outras épocas, eram fornecidos
pelas próprias famílias (e os quais, podemos supor, ainda continuariam sendo
ofertados em grande parte pelas famílias caso o estado assistencialista
deixasse de existir). A educação dos mais novos, o cuidado com os idosos
e enfermos, a assistência em épocas de emergência — todos esses serviços são
hoje efetivamente "terceirizados" para o estado. As famílias
foram reduzidas a pequenas unidades de produção que compartilham as contas de
luz, os carros, as geladeiras e, é claro, os tributos. O estado
assistencialista financiado pelos impostos oferece-lhes, em troca, educação e
saúde.
De um ponto de
vista econômico, esse arranjo é um total desperdício de dinheiro. O fato
é que o estado assistencialista é ineficiente; ele fornece serviços
comparativamente ruins a custos comparativamente maiores. Não precisamos
nos estender muito fazendo comentários sobre a incapacidade das agências estatais
em oferecer o tipo de assistência emocional e espiritual que emerge apenas da
caridade. A compaixão não pode ser comprada. Porém, o estado
assistencialista também é ineficiente em termos puramente econômicos. Ele
opera por meio de grandes burocracias e é, desta forma, responsável pela falta
de incentivos e critérios econômicos que impedem o desperdício de
dinheiro. Nas palavras do papa João Paulo II:
Ao intervir diretamente e privando a sociedade de sua responsabilidade, o estado assistencialista provoca a perda de energias humanas e um aumento exagerado das agências estatais, as quais são dominadas mais por lógicas burocráticas do que pela preocupação em servir os usuários, fazendo com que haja um acréscimo enorme das despesas. Com efeito, parece conhecer melhor as necessidades e ser mais capaz de satisfazê-las quem está mais próximo dos necessitados. Adicionalmente, vale ressaltar que certos tipos de necessidades requerem respostas que não sejam apenas materiais, mas que sejam capazes de compreender a mais profunda necessidade humana.[3]
Todos sabem
disso por experiência prática, e vários estudos científicos chegam à mesma
conclusão. É exatamente pelo fato de o estado assistencialista ser um
arranjo econômico ineficiente, que ele depende exclusivamente de
impostos. Se o estado assistencialista tivesse de concorrer com as
famílias em termos iguais, ele jamais duraria muito tempo. Ele só
expulsou do "mercado assistencial" a família e as caridades privadas
porque as pessoas são obrigadas a pagar por ele de um jeito ou de outro.
Elas são obrigadas a pagar impostos, e elas não podem impedir o governo de se
endividar cada vez mais — medida essa que absorve o capital que de outra forma
seria utilizado para a produção de bens e serviços distintos.
O excessivo
tamanho do estado assistencialista dos dias atuais representa um ataque total e
direto à moral cristã. Mas ele também enfraquece essa moral por vias
indiretas, a mais notável dela sendo o subsídio de maus exemplos
morais. O fato é que alguns "estilos de vida" alternativos
carregam consigo grandes riscos econômicos, tendendo portanto a serem mais
custosos que os tradicionais arranjos familiares. O estado
assistencialista socializa os custos de tais comportamentos, dando-lhes uma
proeminência muito maior do que teriam em uma sociedade livre.
Em vez de
gerar uma penalidade econômica, o assistencialismo pode na verdade prover
vantagens econômicas aos seus recebedores, pois ele os dispensa dos custos da
vida familiar (por exemplo, os custos associados à criação de filhos).
Com o sustento do estado assistencialista, os assistidos podem então fazer
escárnio da moral conservadora, rotulando-a como sendo algum tipo de
superstição que não tem nenhum impacto na vida real. A dimensão espiritual
parece clara: o estado assistencialista sistematicamente expõe as pessoas à
tentação de acreditarem que não existe absolutamente nenhum preceito moral que
já foi testado e aprovado pelo tempo.
Permita-me
enfatizar aqui que o objetivo das observações anteriores não foi atacar os
serviços assistencialistas, os quais são na verdade um componente essencial das
sociedades cristãs. Antes, o ponto é que a inflação monetária destrói o
controle democrático sobre a oferta desses serviços; que isso invariavelmente
leva a um crescimento excessivo do estado assistencialista e a várias formas de
assistencialismo; e que isso, por sua vez, não é algo inócuo ao caráter moral e
espiritual da população.
As
considerações acima não são de maneira alguma um relato completo e profundo do
legado cultural e espiritual da inflação monetária. Porém, elas devem ser
suficientes para comprovar o ponto principal: a inflação monetária é uma usina
geradora de destruição social, econômica, cultural e espiritual.
____________________________________________
Notas
[1] Pio XI, Quadragesimo Anno (1931), §§ 105, 106. Ver também Deuteronômio 28: 12, 43-44.
[2] Thomas Woods, "Money and Morality: The Christian Moral Tradition and the Best Monetary Regime," Religion & Liberty, vol. 13, no. 5 (Set./Out. 2003). O autor cita Ludwig von Mises.
[3] João Paulo II, Centesimus Annus, § 48.
*Jörg Guido Hülsmann é membro sênior do Mises Institute e autor de Mises: The Last Knight of Liberalism e e The Ethics of Money Production. Ele leciona na França, na Université d'Angers.
Tradução de Leandro Roque
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