Por Vinícius
Lisboa
Blog Dag Vulpi - Parentes do engenheiro
mecânico Raul Amaro Nin Ferreira apresentaram hoje (5) na Comissão Estadual da
Verdade do Rio de Janeiro (CEV-Rio) documentos sugerindo que ele pode ter sido
interrogado e torturado em 11 de agosto de 1971, enquanto estava internado no
Hospital Central do Exército (HCE), onde morreu, naquele mesmo dia, aos 27
anos.
Sobrinhos da
vítima mostraram um ofício do então comandante da 1ª Região do Exército,
general Sylvio Frota, à direção do hospital, informando que dois agentes do
Departamento de Ordem Política e Social (Dops) iriam ao hospital interrogar o
engenheiro naquela data. Representante da linha dura, Sylvio Frota foi ministro
do Exército durante o governo Ernesto Geisel (1974-1979), do qual foi demitido
quando tentou ser o candidato à sucessão do regime militar, contrariando a
vontade do presidente.
No
levantamento - produzido pelos irmãos Raul Nin Ferreira e Felipe Nin Ferreira
em conjunto com o Armazém da Memória e com o Grupo Tortura Nunca Mais de São
Paulo - há ainda um relato de interrogatório ocorrido entre os dias 4 e 11 de
agosto, quando o engenheiro já havia sido transferido para o hospital. O
registro descreve o que foi abordado em uma das sessões e ainda informa que
"não houve tempo para inquiri-lo sobre todo o material".
Ao entregar o
relatório à Comissão da Verdade, a família pede que sejam confrontados por
especialistas o laudo médico de entrada no hospital e o do legista que examinou
seu cadáver, para conferir se algum ferimento adicional aos descritos no
primeiro documento aparece no segundo, o que indicaria que nesse interrogatório
houve tortura. Também foi solicitado que sejam convocados para depoimento os
servidores que trabalhavam no hospital, à época.
O jornalista
Álvaro Caldas, que representou o presidente da CEV-Rio, Wadih Damous, na
apresentação, informou que será criado um grupo de trabalho para dar
encaminhamento aos pedidos da família. "Tortura dentro do Hospital do
Exército seria algo inédito", disse Caldas, que elogiou a iniciativa dos
sobrinhos de Raul Amaro Nin Ferreira: "É excepcional estarmos recebendo
esse trabalho. Isso mostra a importância de o trabalho sair da comissão e ser
feito por outras pessoas".
O relatório
elaborado pelos sobrinhos do engenheiro desmente outros fatos que sustentaram
as versões da época, como a de que o pai teria delatado o local onde Raul
morava, a de que ele se feriu resistindo à prisão e a de que era integrante de
movimentos armados.
De acordo com
os dados levantados, o engenheiro, que trabalhava no Ministério da Indústria e
do Comércio, era amigo do então militante Eduardo Lessa e ofereceu sua casa
para guardar um mimeógrafo que era usado pelo Movimento Revolucionário 8 de
Outubro (MR-8). Nin Ferreira também ajudava Lessa financeiramente, porque o
militante não conseguia trabalho devido à participação na luta armada.
Nos
interrogatórios a que foi submetido, o engenheiro foi questionado
principalmente sobre sua relação com Lessa, o que ele acabou confessando apenas
no último encontro com os agentes. Raul Amaro Nin Ferreira foi preso em 1º de
agosto de 1971, e, em 4 de agosto, foi transferido para o hospital com
ferimentos graves. Sua mãe, Marina Lanari Ferreira, iniciou uma batalha
judicial contra o Estado que só terminou em 1994, com a responsabilização da
União pela morte, tortura e prisão do filho.
A pesquisa
feita pelos sobrinhos de Raul tomou como ponto de partida o que já havia sido
levantado por Marina, contando depois com documentos do Arquivo Nacional, além
de entrevistas com amigos e familiares. O relatório será disponibilizado
gratuitamente nos próximos dias, no site do Armazém da Memória (http://www.armazemmemoria.com.br/).
"Eu
espero que esse trabalho ajude os movimentos sociais a refletir sobre a questão
da violência do Estado contra sua população, e a não imaginar que foi só uma
coisa da ditadura nem só contra presos políticos. Há um histórico de violência
do Estado contra a sociedade desde que o Brasil é Brasil", lamentou o
sobrinho Raul Nin Ferreira.
Da Agência
Brasil
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