Criticado por juristas como Celso
Bandeira de Mello e Dalmo Dallari por ter conduzido de forma ilegal e
arbitrária as primeiras prisões da Ação Penal 470, o presidente do Supremo
Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, é resgatado mais uma vez por Veja, que o
transforma em sinônimo da própria lei; é mais um capítulo de uma marcha
perigosa que tenta transformar um herói atual da publicação – que, no passado,
teve registrado seu passado de agressor nas páginas da própria revista – em
plenipotenciário da Justiça no Brasil, nem que, para isso, seja necessário
suprimir direitos e garantias constitucionais.
247 - Há poucos dias,
intelectuais, representantes da sociedade civil e juristas de peso, como Celso
Bandeira de Mello e Dalmo Dallari, assinaram um manifesto contra Joaquim
Barbosa, questionando seu preparo e sua boa fé (leia aqui).
O motivo: na visão dessas pessoas, o presidente do Supremo Tribunal Federal
cometeu ilegalidades ao executar as primeiras penas dos condenados na Ação
Penal 470.
"O presidente do STF fez os
pedidos de prisão, mas só expediu as cartas de sentença, que deveriam orientar
o juiz responsável pelo cumprimento das penas, 48 horas depois que todos
estavam presos. Um flagrante desrespeito à Lei de Execuções Penais que lança
dúvidas sobre o preparo ou a boa fé de Joaquim Barbosa na condução do processo.
Um erro inadmissível que compromete a imagem e reputação do Supremo Tribunal
Federal e já provoca reações da sociedade e meio jurídico. O STF precisa reagir
para não se tornar refém de seu presidente", diz o texto do manifesto, que
deu origem a uma petição na internet, que já conta com 7,2 mil assinaturas
(leia aqui).
No Parlamento, o senador Jorge
Viana (PT-AC), enviou ofício ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,
solicitando a apuração de ilegalidades cometidas durante as prisões. E o
próprio Cardozo, quando pressionado pelo advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, se
viu forçado a falar, tendo que defender o cumprimento das penas em regime
semiaberto, conforme decidido pelo pleno do Supremo Tribunal Federal.
Ou seja: para os que tratam do tema
de forma honesta, fica evidente que Joaquim Barbosa errou. E não importa se o
fez por falta de preparo ou de boa fé, como aponta o manifesto dos juristas, ou
até por alimentar um eventual projeto político.
No entanto, neste fim de semana,
Veja decidiu dar mais um passo na tentativa de converter o instável Joaquim
Barbosa em plenipotenciário da Justiça brasileira. A capa o transforma em
sinônimo da própria lei, quando há sérias dúvidas sobre se ele não se comporta,
na prática, como um "fora-da-lei", como apontou o jornalista Breno
Altman (leia aqui seu
artigo).
Na reportagem, no entanto, Veja
afirma Barbosa que não cometeu nenhum erro – decerto, devem estar errados Celso
Bandeira de Mello e Dalmo Dallari. E aponta ainda que os presos estão tendo
direito a "regalias". Ou seja: segue em marcha acelerada o movimento,
conduzido por meios de comunicação, para suprimir direitos e garantias
constitucionais no Brasil.
Abaixo, reportagem publicada por
Veja, dez anos atrás, quando Barbosa foi escolhido para o STF:
Enfim, um negro chega lá!
Ao indicar ministro negro para o STF,
Lula manda mensagem emblemática à sociedade
Policarpo Junior
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva tem tomado iniciativas que misturam ineditismo e forte conteúdo
simbólico. Depois de tomar posse, levou uma caravana de ministros a uma favela
em Pernambuco. Dias atrás, saiu do Palácio do Planalto à frente de 27
governadores para entregar ao Congresso Nacional as propostas das reformas
previdenciária e tributária. Na semana passada, ao anunciar o nome dos três
novos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Lula também aproveitou a
oportunidade para mandar uma mensagem à sociedade que o elegeu presidente.
Entre os escolhidos, está o procurador da República Joaquim Benedito Barbosa
Gomes, 48 anos, o primeiro negro indicado para compor a mais alta corte do país
desde sua criação, em 1829. Nascido em Minas Gerais, diplomado em Brasília, com
doutorado em Paris e trabalhando no Rio de Janeiro, Barbosa Gomes construiu sua
carreira a partir de uma origem humilde. Filho de pedreiro, sempre estudou em
escola pública, morou em pensionato enquanto cursava a Universidade de Brasília
e, para se sustentar, trabalhava, de madrugada, como digitador.
Festejando sua indicação, Barbosa
Gomes foi o primeiro a reconhecer o simbolismo de sua ascensão. "Vejo como
um ato de grande significação que sinaliza para a sociedade o fim de certas
barreiras visíveis e invisíveis", disse. "Posso vir a ser o primeiro
ministro reconhecidamente negro", completou. Isso porque, na história do
STF, já houve dois negros – um mulato escuro, Hermenegildo de Barros, ministro
de 1919 até a aposentadoria, em 1937, e outro mulato claro, Pedro Lessa,
ministro de 1907 até sua morte, em 1921. Ambos nasceram no interior de Minas
Gerais, como Barbosa Gomes, mas nenhum era "reconhecidamente negro"
nem de origem tão humilde – o que empresta à indicação de agora um simbolismo
ao mesmo tempo étnico e social. Na juventude, Barbosa Gomes trabalhava de
madrugada, estudava de manhã e dormia à tarde. Na universidade, sustentou-se
como funcionário da gráfica do Senado e, antes de se formar, prestou concurso
para o Itamaraty. Como oficial de chancelaria, serviu na Finlândia. Mais tarde,
fez doutorado em Paris e tornou-se professor visitante de duas universidades
americanas – Columbia, em Nova York, e Ucla, em Los Angeles. É fluente em
inglês, francês e alemão. Tem dois livros publicados. Um em francês, sobre o
Supremo no sistema político brasileiro, e outro em português, a respeito da
questão legal das ações afirmativas em favor dos negros.
Desde o início, Lula queria nomear
um paulista, um nordestino e um negro. O nordestino escolhido é Carlos Ayres
Britto, de Sergipe. Com posições de esquerda, já foi candidato a deputado
federal pelo PT e assinou, há pouco tempo, um manifesto de juristas contra os
acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O paulista é o desembargador
Antonio Cezar Peluso, cujo perfil levemente conservador despertou resistência
no ministro da Casa Civil, José Dirceu, para quem o ministro ideal era Eros
Grau, jurista de formação à esquerda. Com sua indicação patrocinada pelo
ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que insistiu em seu nome até o
último minuto, Peluso acabou ganhando a parada. Antes, ele teve uma longa
conversa com um velho amigo de Lula, o deputado Sigmaringa Seixas. Na conversa,
Seixas quis sondar as posições do futuro ministro a respeito das reformas
previdenciária e tributária – e não saiu com a impressão de que seu
interlocutor era um jurista de postura conservadora. "Ele tem posições
avançadas", comentou o ministro Thomaz Bastos, no auge das discussões em
torno de nomes. O resultado final satisfez o Palácio do Planalto, pois, pelo
menos em princípio e em tese, os três indicados têm posições simpáticas às
reformas, o principal projeto político em curso do presidente Lula.
A indicação de Barbosa Gomes, que
parecia ser a menos complexa, acabou sendo a mais trabalhosa. Ele foi um dos
primeiros escolhidos, pois sua biografia contemplava à perfeição os aspectos
que Lula queria prestigiar: negro, de origem humilde e com boa formação acadêmica.
No meio do caminho, porém, o ministro Márcio Thomaz Bastos, a quem coube ouvir
os candidatos e apresentar os nomes ao presidente, foi informado de um episódio
constrangedor da biografia de Barbosa Gomes. Muitos anos atrás, quando ainda
morava em Brasília, ele estava se separando de sua então mulher, Marileuza, e o
casal disputava a guarda do único filho – Felipe, hoje com 18 anos. Na ocasião,
Barbosa Gomes descontrolou-se e agrediu fisicamente Marileuza, que chegou a
registrar queixa na delegacia mais próxima. O governo ficou com receio de que
Barbosa Gomes se transformasse num caso como o de Clarence Thomas, o juiz negro
da Suprema Corte americana que, ao ser nomeado para o cargo, foi acusado de
assédio sexual, gerando um desgastante escândalo.
Enquanto o governo decidia o que
fazer, os comentários pipocaram no próprio Supremo. A ministra Ellen Gracie, a
única mulher da corte, no intervalo entre uma sessão e outra, mostrou-se
preocupada. "Vai vir para cá um espancador de mulher?", perguntou ao
colega Carlos Velloso. "Foi uma separação traumática", conciliou
Velloso. "Mas existe alguma separação que não é traumática?",
interveio o ministro Gilmar Mendes. Para desanuviar o ambiente, o ministro
Nelson Jobim saiu-se com uma brincadeira machista, a pretexto de justificar a
agressão: "A mulher era dele". O governo preocupou-se à toa. Indagado
sobre o episódio pelo ministro da Justiça, Barbosa Gomes explicou que fora um
desentendimento árduo, mas superado. Dias depois, Barbosa Gomes encaminhou ao
Gabinete Civil da Presidência da República uma carta, assinada pela ex-mulher,
reafirmando que tudo fora superado.
Mais que isso, na carta Marileuza
abonou o ex-marido – que não voltou a se casar e hoje mora com o filho do
casal. "Na verdade, houve uma agressão mútua. Isso aconteceu num dia de
ânimos acirrados. Somos amigos até hoje", disse Marileuza a VEJA.
"Foi uma briga de família provocada por ressentimentos naturais numa
separação", explicou Barbosa Gomes à revista. Com isso, o governo
completou a trinca do Supremo sem temor. Agora, falta apenas o Senado aprovar o
nome dos três candidatos.
Via Brasil 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua visita foi muito importante. Faça um comentário que terei prazaer em responde-lo!
Abração
Dag Vulpi