sábado, 17 de agosto de 2013

Pesquisa revela rosto de guerrilheiro gaúcho que participou dos combates no Araguaia durante a ditadura militar

Paulo Mendes Rodrigues foi um dos quatro gaúchos que esteve na guerrilha contra o regime


Por Guilherme Mazui e Klécio Santos, Brasília
Um guerrilheiro com rosto e trajetória enigmáticos nos combates do Araguaia começa a ter sua história resgatada. Paulo Mendes Rodrigues é um dos quatro gaúchos que participaram da guerrilha contra o regime militar entre o final dos anos 1960 e começo de 1970. 

Sua imagem e participação no levante de esquerda ganharão visibilidade em um portal do governo federal com os nomes de 361 mortos e desaparecidos políticos do país, que será lançado no final do mês pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH). 


A base de dados é o livro Direito à Memória e à Verdade, da própria SDH, onde Paulo aparece como uma sombra. Atualizado, o site trará a imagem do comunista, que não constava nos arquivos oficiais. 

Dos quatro gaúchos da guerrilha, organizada pelo PC do B em uma área que envolvia Pará, Maranhão e Tocantins (à época Goiás), quem ficou mais famoso foi João Carlos Haas, que era médico, fez partos e curou enfermidades dos pobres moradores da região.

Os outros dois — Cilon Brum e José Bronca — eram, respectivamente, líderes estudantil e sindical, com atuação pública de oposição à ditadura. A trajetória de Paulo sempre foi obscura. 

— Paulo teve relevância, foi da comissão militar da guerrilha e do comitê central do PC do B. Pensava a estratégia do partido — conta Deusa Maria Sousa, doutora em História. 
Foi ela quem localizou as duas fotos do militante conhecidas até então, ambas 3x4. Uma do guerrilheiro com 19 anos, na escola Annes Dias, de Cruz Alta, e outra dele já adulto, encontrada no acervo de uma entidade de classe gaúcha.



Deusa também teve acesso a cartas que o guerrilheiro escreveu à família e traçou seu perfil em uma dissertação de mestrado da Unisinos sobre a trajetória dos gaúchos no Araguaia. Preencheu lacunas da história de um guerrilheiro discreto e eficaz, a ponto de sequer ter o rosto identificado pelos órgãos de repressão do regime militar. 

— Paulo era solteiro e mantinha vida dupla. Não falava de política com a família, que acreditava que ele trabalhava no Piratini, já que saía sempre nos mesmos horários e de terno — relata Deusa, que não encontrou indícios de seu emprego no governo. 

O portal ajuda a recuperar o legado do militante, nascido em Cruz Alta e formado em Economia pela UFRGS em 1959. Depois de graduado, viveu entre São Leopoldo e Porto Alegre e ajudou a refundar o PC do B. Quando eclodiu o golpe, em 1964, há relatos de que foi à China receber treinamento militar, empregado mais tarde na selva brasileira. 

Paulo comandou o Destacamento C da guerrilha, foi um dos primeiros a ir para o Araguaia e chegou a comprar terras. Tornou-se um pequeno fazendeiro, criou cabras e gado junto com moradores. Também montou uma farmácia, que servia como posto de saúde. A família desconhecia seu paradeiro.

— O pai teria sido militar, e a família silenciou. A ditadura transformava as pessoas em terroristas. São as novas gerações que resgatam suas imagens — afirma Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos.

No lugar da foto, punho em riste 

O guerrilheiro foi morto em 25 de dezembro de 1973, aos 42 anos, crivado de balas, em uma emboscada que ficou conhecida no imaginário militar como Chafurdo de Natal. Seu corpo nunca foi identificado. 

Segundo Deusa, nos anos 1980 foram produzidos os primeiros cartazes com fotos dos guerrilheiros, espécie de bandeira de luta empunhada pela militância do PC d o B. Dos quatro integrantes da cúpula do partido que apareciam no topo do cartaz só Paulo não tinha identificação fotográfica.

— O lugar do Paulo era preenchido por uma ilustração de um guerrilheiro com punho firme em riste — conta a historiadora. 

Foi isso que a instigou a seguir seu rastro. Quem conviveu com ele, como Victória Grabois em uma primeira tentativa de instalar a guerrilha, só guarda boas lembranças: 

— Paulo nos ensinou a fazer canjica e churrasco gaúcho. Ele cavava um buraco no chão e assava com a brasa. A carne era maravilhosa e barata. Era o típico gaúcho: afável, mas reservado, um grande companheiro — recorda Victória, 69 anos, uma das poucas sobreviventes do Araguaia, filha de Maurício Grabois, líder morto em combate. 

Do Rio Grande do Sul para a guerrilha

Além de Rodrigues, outros três gaúchos participaram da ação na selva:
José Huberto Bronca, Porto Alegre, 39 anos: descendente de italianos, mecânico e líder sindical, militou em Porto Alegre. Recebeu treinamento na China e foi um dos primeiros a chegar ao Araguaia. Como era ruivo, moradores da região o chamavam de Fogoió. Foi visto pela última vez no ataque realizado pelo Exército no Natal de 1973, porém, só teria sido capturado no ano seguinte. 

Cilon Cunha Brum, São Sepé, 28 anos: trabalhou em uma agência de publicidade de Porto Alegre, de onde foi transferido para São Paulo. Lá, cursou Economia e atuou no movimento estudantil. Chegou ao Araguaia nos anos 1970, era conhecido como Comprido e Simão. A circunstância do desaparecimento é incerta. Teria sido visto em uma base em Xambioá (TO) antes de morrer. 

João Carlos Haas Sobrinho, São Leopoldo, 31 anos: médico formado na UFRGS, líder estudantil, chegou nos anos 1960 à cidade de Porto Franco (MA), onde montou um pequeno hospital. Ficou famoso por realizar partos e tratar as doenças dos moradores. Mudou-se para as margens do Araguaia e atuou na guerrilha. Morto em combate, há relatos de que teve o corpo exposto em praça pública. 

Período sangrento
A Guerrilha do Araguaia foi o principal movimento de luta armada contra a ditadura militar. Os líderes do PC do B pretendiam derrubar o governo por meio um levante popular, que começaria pela zona rural. No início de 1975, a mobilização já havia sido exterminada pelos militares.

Via ZERO HORA

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