quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Justiça Militar para policiais deveria ser eliminada, dizem analistas

Sistema exclusivo para analisar crimes cometidos por agentes da Polícia Militar contribuiria para a violência policial, além de blindar a corporação do controle externo
por Gabriel Bonis na Carta Capital,
O sistema de Justiça exclusivo para analisar crimes cometidos por agentes da Polícia Militar no Brasil deveria ser eliminado, pois contribui para a violência policial e blinda a corporação do controle social externo. Essa é uma opinião cada vez mais defendida entre analistas de segurança pública, em meio às discussões sobre a desmilitarização da PM no País que voltou à tona após a atuação truculenta da polícia nas manifestações populares de junho.

“É preciso romper com o crime militar. Os crimes praticados por policiais precisam ser respondidos na Justiça Civil”, defende Luís Antônio Francisco de Souza, professor da Unesp e coordenador científico do Observatório de Segurança Pública.
A existência de tribunais e juízes militares no Poder Judiciário está prevista na Constituição. Cabe aos estados, no entanto, definir a atuação destas cortes. A Justiça Militar pode julgar apenas os militares estaduais (integrantes das polícias, em geral), por crimes cometidos contra civis e ações judiciais contra atos disciplinares militares. Estão fora da jurisdição militar crimes dolosos contra vida, que recaem sobre a Justiça Civil.
“Esses tribunais têm um tipo de valor muito diferente que os da sociedade. Um PM com cabelo mais longo vai ter uma punição, enquanto um policial que cometeu uma grave violação de direitos humanos será protegido. É uma inversão de valor inaceitável”, afirma Maurício Santoro, assessor de direitos humanos da Anistia Internacional no Brasil.
A justiça exclusiva cria também corporativismos que levam os policiais a darem mais ênfase à hierarquia interna do órgão, em vez de se entenderem como aliados dos cidadãos. “Isso vai gerando um isolamento profissional e coloca o policial em uma posição de inimigo da sociedade, aumentando a tensão e a violência”, explica Souza.
Além disso, faltaria isonomia no julgamento de crimes cometidos por militares, aponta Santoro. “As corregedorias não são carreiras separadas. Um comandante pode virar corregedor e ter que investigar os próprios soldados que comandava. Isso gera um corporativismo.”
Outro problema com o julgamento de crimes militares por uma Justiça especial são os casos nos quais não há clareza sobre a jurisdição. Um exemplo de conflito com a Justiça Civil é o julgamento do Massacre do Carandiru, quando policiais invadiram o presídio paulista e mataram 111 presos.
O caso começou na Justiça Militar, que ofereceu denúncia contra os 120 policiais em 1993. O processo foi encaminhado a julgamento, mas a corte militar declarou-se incompetente para analisar o caso. Foi alegado que, devido evidências do envolvimento, em tese, de autoridades civis legalmente constituídas como o então governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB) e de seu secretário de Segurança Pública Pedro Campos o caso deveria ser julgado na Justiça Comum.
Após ser remetido à primeira instância, a Justiça Civil também se declarou incompetente. O impasse permaneceu até a aprovação da Lei Bicudo, em 1996, que definiu crimes dolosos contra a vida cometidos por militares contra civis como competência da Justiça Comum. Ainda assim, o caso ficou travado com uma série de recursos.
Após 21 anos do massacre, o caso começou a ser julgado em abril de 2013. Até o momento, 48 policiais foram condenados a penas que somadas chegam a 780 anos. De acordo com grupos de direitos humanos, o atraso ocorreu, em grande parte, aos conflitos de jurisdição.

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