Por
Urariano Mota no site Direto da Redação
Esta
semana, a socióloga Walquiria Leão Rego pôs uma luz científica no programa
Bolsa Família, desenvolvido pelo governo Lula. Por ocasião do lançamento do seu
livro e de Alessandro Pinzani, “Vozes do Bolsa Família”, Walquiria foi
entrevistada pela Folha de São Paulo. Ali, ela afirmou que o Bolsa Família é
uma ação de Estado que enfraquece o coronelismo. Espanto geral. Como assim? O
programa assistencialista, o Bolsa Esmola, como o PSDB e assemelhados o chamam,
que incentiva a vadiação, como poderia diminuir o poder dos chefões no Brasil
profundo?
Imaginem
o assombro. Os de melhor renda no Brasil são useiros e vezeiros em falar que as
mulheres do povo agora querem ter mais filhos somente pra mamar no dinheiro do
governo. Perdoem a forma chula de expressão, mas é assim que a nossa educada
elite se expressa em público. Na intimidade, entre os da sua marca, a coisa é
mais feia. O “povo”, que são sempre os outros, aos quais os ricos e meio
ricos não se misturam, a gentinha de celular e com motos atrapalhando o
trânsito, são a própria afirmação de votos de cabresto, que seriam mantidos pelo
Bolsa Família, nos governos populistas de Lula e Dilma. Imaginem na Copa. Que
vergonha, os que não deveriam passar da copa, da cozinha, a se exibir nas ruas
com os filhos pagos pela Bolsa Esmola.
Pois
a patadas do gênero respondeu a pesquisa de 5 anos do livro “Vozes do Bolsa
Família”, nas palavras de Walquiria Leão:
“O
Bolsa Família mexeu com o coronelismo?
Sim,
enfraqueceu o coronelismo. O dinheiro vem no nome da mulher, com uma senha dela
e é ela que vai ao banco; não tem que pedir para ninguém. É muito diferente se
o governo entregasse o dinheiro ao prefeito. Num programa que envolve 54
milhões de pessoas, alguma coisa de vez em quando [acontece]. Mas a fraude é
quase zero. O cadastro único é muito bem feito. Foi uma ação de Estado que
enfraqueceu o coronelismo. Elas aprenderam a usar o 0800 e vão para o telefone
público ligar para reclamar. Essa ideia de que é uma massa passiva de imbecis
que não reagem é preconceito puro”.
Ainda
assim, há quem argumente que o programa Bolsa Família reforça o coronelismo, de
Lula e Dilma, que seria um governo – para a direita brasileira é assim, Lula e
Dilma são uma só pessoa - cujo objetivo é dominar o povo brasileiro para
entregá-lo aos corruptos, de Cuba e dos comunistas em geral. Esse nível de
argumento é de uma pobreza e estupidez tamanha que difícil é respondê-lo.
Entendem? Seria algo como provar a um homem que a terra é redonda, apesar de
ele só ver lugar plano. No cerne desse preconceito está a ideologia de que o
povo é imbecil, por um lado. Por outro, que ele não pode receber políticas
compensatórias que amenizem uma exclusão secular, porque tais políticas seriam
puramente eleitorais". Dizer o quê, amigos?
O
senador Jarbas Vasconcelos certa vez declarou à Veja que “há um restaurante que
eu frequento há mais de trinta anos no bairro de Brasília Teimosa, no Recife.
Na semana passada cheguei lá e não encontrei o garçom que sempre me atendeu.
Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu uma bolsa para ele e outra
para o filho e desistiu de trabalhar. Esse é um retrato do Bolsa Família”. E
sobre isso escrevi uma reportagem publicada na Carta Capital, em que relatava a
minha busca inútil, cômica, do garçom rico de Bolsa, depois de horas a entrar
em beco e sair em beco.
Naquela
reportagem, que reduzida está no Direto da Redação, pude observar que
o valor máximo do Bolsa Família era então de 182 reais por família. Isso
significava que o garçom afortunado, se profundamente carente, trocaria seus
cerca de dois mil reais por mês pela fortuna de 182. Porque a Bolsa é concedida
por família, não seriam duas Bolsas, uma para o garçom, outra para o seu filho,
como declarou a nobre ética do ainda mais nobre senador.
Para
encerrar, nada melhor que as palavras da socióloga, quando contou uma ternura
testemunhada em um homem miserável no Vale do Jequitinhonha:
“Uma
pesquisadora sobre o programa Luz para Todos, no Vale do Jequitinhonha,
perguntou para um senhor o que mais o tinha impactado com a chegada da luz. A
pesquisadora, com seu preconceito de classe média, já estava pronta para
escrever: fui comprar uma televisão. Mas o senhor disse:
`A
coisa que mais me impactou foi ver pela primeira vez o rosto dos meus filhos
dormindo; eu nunca tinha visto`.
Essa
delicadeza... a gente se surpreende muito”.
Urariano Mota - RecifeÉ pernambucano, jornalista e autor dos livros "Soledad no Recife" e “O filho renegado de Deus”. O primeiro, recria os últimos dias de Soledad Barrett. O segundo, seu mais novo romance, é uma longa oração de amor para as mulheres vítimas da opressão de classes no Brasil.
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