Por Rodolpho Motta Lima
Sempre
gostei de futebol. Ainda que reconhecendo que a importância que se dá a ele em
nosso país tem servido, às vezes, para mascarar situações muito mais relevantes
para os brasileiros e gerar um conveniente entorpecimento, não posso negar:
sempre gostei de futebol... Por isso, jamais pensei que pudesse ter a visão que
hoje tenho sobre o que significa uma Copa do Mundo no Brasil. Afinal, não pude
participar da Copa de 50, a do Maracanazo, e sempre imaginei como seria
fascinante ter a Copa entre nós.
Tudo
indica, porém, que estamos às vésperas de um gol contra, ainda que o ufanismo
local, misturado com uma infinidade de interesses econômicos, já se tenha
armado com um arsenal de argumentos e sentimentos para envolver o povo.
Há
nefastos aspectos ideológicos que cercam o evento. Alguns são históricos –
quando se pensa, por exemplo, que um dos condutores do processo, no Brasil, é
conhecido como um ex-adepto da ditadura. Outros mais atuais, como a declaração
do Sr. Jérôme Valcke de que “menos democracia seria melhor para organizar a
Copa do Mundo”. Um ato falho, provavelmente, que as esfarrapadas desculpas
posteriores não têm o poder de suprimir. Até porque frases desse tipo apenas
confirmam a arrogância de um organismo – a FIFA – que, administrando o “circo”
do mundo contemporâneo, se acha habilitado para interferir em usos e costumes
nacionais, impondo seus valores comerciais e “de mercado” a outros firmados na
ética e na equidade.
Interesses
pouco claros também cercam a construção/reconstrução dos estádios de futebol
que servirão de palco para o evento. O caso do Maracanã é emblemático:
desfigurou-se um ícone do Rio de janeiro em nome das imposições da FIFA,
usou-se para isso o dinheiro público , e agora se vai entregar o estádio, por
algumas décadas, para a exploração de particulares...
Ouso
exercitar certa futurologia para imaginar como o Maracanã, com seus novos
espaços destinados aos assim chamados “Vips”, áreas “nobres” com o sugestivo
apelido de “lounges” e muitas outras “sofisticações”, irá afastando
paulatinamente o povão, e se transformará em um templo da elite “bem
comportada” capaz de encher os bolsos dos novos administradores... Mas mesmo a
elite nacional já começa a experimentar o peso dos interesses que cercam a
Copa. Os proprietários de cadeiras cativas do Maracanã não poderão usar, nos
jogos do mundial de 2014, os assentos que compraram, porque, nesse período, o
estádio “é da FIFA” e não está sujeito a qualquer aspecto legal nacional.
No
cenário futebolístico propriamente dito – que deveria ser o primeiro a
interessar, mas que acaba ficando secundário em meio a toda essa parafernália
mercadológica de direitos exclusivos e privilégios empresariais - , o panorama
não é mais reconfortante. O futebol brasileiro também passa por um momento de declínio,
consubstanciado, aliás, em um “ranking” que nunca nos colocou em posição tão
inexpressiva. Nossa principal “estrela” – Neymar - tem momentos de brilho e de
apagão, e ninguém sabe se a cabeça de um jovem humilde guindado à condição de
astro-pop nos comerciais e nas badalações, conseguirá passar por cima de todo
esse endeusamento midiático para fazer aquilo que ainda se espera dele. A
mídia, sabemos todos, põe e dispõe, exalta e denigre, endeusa e demoniza, ao
sabor dos seus interesses de momento. E a mídia esportiva não é diferente,
nisso, sempre à cata de heróis e de bandidos para vender notícias e ideias.
Aas
declarações que têm cercado a ambiência futebolística no país não são nada
animadoras. Romário, Ronaldo, Pelé, o próprio Neymar, volta e meia frequentam o
noticiário ao lado dos “cartolas”, com frases que poderiam não ser ditas, mas
que, na realidade, traduzem um certo caos que atinge o nosso futebol. Um
futebol que está se acostumando a bater palmas para os europeus, algo
inimaginável há alguns anos, mas que tem tudo a ver com a arrogância interna de
técnicos de salários milionários e eficiência discutível que , como em um
grande clube de amigos, rodiziam-se na condução de nossas equipes. Um futebol
que, por isso mesmo, acaba sendo o paraíso de craques veteranos (Ronaldo,
Ronaldinho, Deco, Juninho, Adriano e tantos outros), que, em vias de perder
mercado na Europa, vêm para o Brasil e conseguem impor-se como indispensáveis,
ainda que momentaneamente. Um futebol das grandes negociatas, dos clubes administrados
de forma medíocre pela cartolagem de plantão, dos salários nababescos que são
uma afronta à nossa realidade social, dos empresários oportunistas que estão
matando a nossa histórica base.
Por
tudo isso, e porque não tenho outro compromisso a não ser com as minhas
próprias convicções, lamento que o Governo brasileiro tenha optado por um
“slogan” – acompanhado da respectiva logomarca – que nos caracterizará, durante
a Copa, como “a pátria de chuteiras”, expressão que foi buscar lá no Nelson Rodrigues.
Isso é tudo que não devemos ser. O Governo Federal tem outros “slogans” para
outros projetos que, esses sim, podem ter a ver com a (discutível) noção de
pátria. E, não serão jamais as chuteiras – nem eventualmente – os símbolos
maiores da caracterização do nosso país. Esse é um “slogan” que enfatiza o
circo, a alienação, e tudo o de que não precisamos no momento.
Mas
nem tudo está perdido, dirão alguns. Vem aí muita euforia, muito barulho. O
músico Carlinhos Brown, idealizou – e tem o apoio oficial - a “caxirola”, um
chocalho que ele pretende venha a ser usado por todos os brasileiros na nossa
Copa, para dar continuidade às ensurdecedoras “vuvuzelas” da África do Sul. Não
tem nada a ver com a nossa tradição nos estádios, mas pode ser que cole. E, barulho
por barulho, pode funcionar, se necessário, para encobrir eventuais vaias, que
ninguém quer que existam, mas que são bem previsíveis, se tudo continuar como
está...
Via
Direto da Redação
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