Tinha
tomado a decisão, algum tempo atrás em minha vida, que evitaria falar, no que
pudesse e, muito menos escrever, sobre o TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR (TAB),
antigamente denominado de psicose maníaco-depressiva, e sobre seus ciclos
(crises) alternadas de depressão e euforia. Doença mental da qual padeço.
Porém,
os comentários (muitos maldosos e até preconceituosos) acerca do meu
comportamento, para alguns “estranho” “maluco” e “excêntrico”, me fez pensar
que seria necessário esclarecer, de alguma forma, alguns aspectos do tal
transtorno afetivo bipolar.
Vamos
lá. Se você, caro leitor, embarcar comigo nesta jornada, faz-se necessário uma
advertência: O transtorno afetivo bipolar não é uma viagem segura. É uma viagem
caótica e imprevisível. Nunca se sabe qual é a próxima etapa.
Desvairado?
Deprimido? Eufórico? Suicida? A vida de um BIPOLAR não é definida pelo tempo,
mas pelo estado de espírito do momento. A bipolaridade cria nos seus
portadores, sua própria realidade, vibrante e não convincente, a tal ponto que
se torna quase impossível descobrir o que é ou não é realidade.
O
transtorno afetivo bipolar não é uma doença como qualquer outra, mas, claro que
ela precisa ser corretamente diagnosticada e tratada com medicamentos. É uma
doença mental: sim é uma doença mental.
O
cérebro produz de forma atípica alguns neurotransmissores fundamentais para
nossa saúde mental. O motivo? Ainda não se sabe com precisão. É genético? Os
estudiosos entendem que sim. Pode incapacitar a pessoa de exercer suas
atividades rotineiras? Depende da marcha do processo doentio em curso.
Quem
sofre de TAB é retardado? Não, muito pelo contrário, Napoleão Bonaparte,
Virginia Wolf , Faukner, Hemingway, Marilyn Monroe, Cássia Kiss e Catarina Zeta
Jones... foram e são pessoas acometidos pelo TAB, em variadas épocas.
Mas o
pior de tudo é que: não há cura para o TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR (TAB), apenas
controle. Tal qual uma diabete, que precisa ser controlada com injeções de
insulina.
Por
outro lado, existe ainda um grande preconceito - ou uma total ignorância -
sobre o que é o TAB e seus efeitos e sintomas, os quais são devastadores.
Para
se ter uma ideia, o portador de TAB pode torrar todo o seu patrimônio em
incríveis três semanas, trabalhar por 48 horas seguidas sem se cansar,
emprestar as cuecas para o pior dos amigos, ou, no outro extremo, ficar impossibilitado
de trabalhar, parar de comer por dias e dias, não tomar banho por semanas, não
falar com absolutamente ninguém, chorar até cansar e, falando um português bem
claro, o paciente de TAB pode cometer suicídio. São altíssimos os cometimentos
de suicídio por parte de indivíduos portadores do TAB.
Eu
sofro de transtorno afetivo bipolar, desde muito tempo. Sou TAB, com ciclagens
ultra rápidas (meu humor oscila (gira) sem descanso, como uma roda gigante, com
breves intervalos de tempo.
O
tratamento convencional nunca funcionou comigo. Tentei algumas combinações de
medicamentos, e não foram poucos, mas foram pífios os resultados. Na maioria
das vezes esses medicamentos me deixaram apenas grogue, zonzo... e mais nada.
Isso sem falar nos terríveis efeitos colaterais de tratamentos médicos
incorretos que não se adéquam à minha doença mental.
Mas,
continuo vivendo, pesar de tudo, na labuta, no batente do dia – a - dia.
Matando um leão por dia, porque é FODA sentir-se cansado e gordo, fazer
terapia, bancar tudo isso que custa tão caro, não ter a compreensão de
vários “amigos” e familiares que acham que o transtorno bipolar inexiste, que o
TAB não passa de mera frescura ou um capricho meu.
É
FODA também sentir a solidão diária de quem precisa acordar forte todos os
dias, porque uma crise pode me tirar o emprego. É FODA o desalento de perceber
que só eu, e mais ninguém, realmente sabe o que é uma crise de depressão
severa, quando a dor de um corte profundo não é nada comparada ao desespero de
querer sair daquela crise, da desesperança e da vontade de pular do 10º andar.
Será
isso tudo condição para escrever como Faulkners, Hemingways, sem falar de
Virginia Woolf, Tolstoy, Graham Greene, Ana Cristina Cesar? Não,
definitivamente não. Todos eles e gênios como Van Gogh e Mozart sofriam de TAB.
Não: é necessário sentir uma profunda angústia por estar vivo para escrever
sobre as dores de viver.
Mas,
me recuso a viver escravo das minhas oscilações bruscas de humor, ou da minha
estranha produção de neurotransmissores, para ver beleza no que é incerto e
querer, sempre, dias mais densos.
E não
me rendo. Prefiro tomar minhas aulas de otimismo todos os dias. Prefiro
trabalhar no que eu gosto. Prefiro, mil vezes, amar as pessoas sem chocá-las
com idas aos hospitais, com palavras mordazes e injustas típicas da fase
maníaca.
Prefiro
lutar e não morrer como Faulkner (que morreu bêbado) ou Hemingway e Virginia
Woolf (que cometeram suicídio).
Continuo
minha via crucis, mas aquela da coragem, para dizer “você não sabe nada, meu
caro”. E nem por isso eu sinto rancor de você e de tantas outras pessoas que,
ao ouvirem de minha boca "sou bipolar e não vivo sem medicação”, franzem a
testa. Controlar o que é aparentemente incontrolável exige uma luta implacável
e constante que, ao final, vale muito à pena. Posso dizer que entre mortos e
feridos, aqui ainda estou, de pé, falando para vocês.
Dr.
Fernando Enéas de Souza - Defensor Público
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