Por:Arthur Virmond de Lacerda Neto
O vocábulo ateu apresenta três acepções:1ª) Em sentido corrente, ateu é quem não crê na existência de um ser superior, tal como o concebem as religiões teológicas, ou seja, no que se chama de "deus", criatura onipotente (ele pode tudo quanto quer), onisciente (ele sabe tudo), onipresente (ele acha-se em toda a parte), onimisericordioso (é dotada de infinita bondade) e criador do universo e do ser humano. Neste sentido, todo positivista é ateu pois nenhum positivista acredita na existência de tal ser.
2ª) Ateu é quem nega a existência de deus. Enquanto no primeiro sentido, o ateu apenas não crê na sua existência, é incréu, caracteriza-se pela ausência de uma convicção, nesta segunda acepção ele caracteriza-se por uma afirmação, a de que deus não existe.
Há duas formas de negação: a) a negação relativa, em que se nega por falta de prova em contrário, ou seja, por jamais se haver demonstrado faticamente, com base na observação, a existência da divindade, b) a negação absoluta, em que o ateu afirma a inexistência de deus, mediante a confutação dos argumentos que pretendem provar-lhe a existência ou mercê da formulação de outros, que demonstram a impossibilidade desta existência.
A negação relativa corresponde a uma certa indiferença à idéia de deus; a negação absoluta, a uma atitude ativa, de caráter negador. Na primeira, o indivíduo aguarda que os deístas provem a existência de deus, na segunda, empenha-se em negá-lo. A primeira é o que se chama também de agnosticismo (e então, é-se agnóstico), enquanto que na segunda, é-se ateu em sentido ativo, ateu "militante" ou "praticante".
Algumas pessoas declaram-se agnósticas, porque indiferentes à existência de deus, da qual não cogitam nem para afirmá-la, nem para negá-la. Para estas pessoas, a idéia de deus simplesmente não interessa, sob aspecto nenhum. Alguns positivistas declaram-se agnósticos, outros, ateus militantes.
3ª) Ateu é quem, rejeitando as soluções da teologia, ocupa-se das suas questões.
Teologia é a área do pensamento humano relacionado com deus, que lhe afirma a existência, que pretende provar, e da qual deduz a política, a moral, a cosmogonia, a religião, as explicações da origem dos fenômenos etc. São questões teológicas, por excelência, a indagação das causas primeiras e das causas finais. As causas primeiras consistem em averigüar-se a origem do mundo, pela indagação: quem fez o mundo? As causas finais consistem em averigüar-se a finalidade do mundo: por que se fez o mundo? As causas também indagam porque os fenômenos acontecem: por que a maçã que se desprende da macieira, cai para baixo ao invés de tomar outro rumo ?
A teologia responde a tais questões com base em deus: ele criou o mundo, para a sua glória, ou para o seu divertimento, ou por desfastio etc. A maçã desloca-se para baixo, porque a este movimento corresponde a vontade divina, porque deus quer.
Ateus, nesta acepção, são os pensadores que formulam as mesmas indagações relativas às causas primárias, finais e dos fenômenos, rejeitando, porém, a solução teológica (a idéia de deus).
Eles caracterizam-se por uma nota negativa, a ausência de divindade nas suas especulações, e por uma positiva, a de especularem sobre as questões teológicas.
Neste sentido, nenhum positivista é ateu pois o Positivismo não se ocupa da investigação das causas primárias, finais e dos fenômenos. Ele ocupa-se de averigüar como os fenômenos se produzem, e não o porque desta produção; ele empenha-se em descobrir as leis naturais que constituem a ciência e que, permitindo a previsão dos fenômenos, é útil ao homem, sob a forma de tecnologia; ao passo que o ateu, neste sentido, especula sobre questões a cujo respeito pode-se pensar, porém jamais conhecer, ou seja, pode-se alcançar conclusões derivadas do puro pensamento embora inverificáveis pela experiência, ou seja, conclusões metafísicas.
Augusto Comte censurou o ateísmo da terceira acepção e para evitar a confusão entre ela e os positivistas, em que se chamasse os positivistas de ateus (na terceira acepção, que não lhes cabe), adotou o termo emancipados, como sinônimo de ateus nas primeira e segunda acepções (que lhes cabem). Emancipado é quem libertou-se da tutela mental da teologia, é aquele que rejeita a concepção de deus e tudo quanto se lhe relacione. Todo positivista é emancipado; todo aquele que rejeita deus também o é.
No primeiro significado, há incredulidade pura e simples; no segundo, há incredulidade por ausência de verificação da divindade, pela negação dos argumentos que lhe afirmam a existência ou pela afirmação dos que a negam; no terceiro, há a especulação em torno dos temas teológicos, sem a solução da teologia (é a metafísica).
Em nenhum dos três casos comparece a idéia de deus e os seus desdobramentos.
Os positivistas são ateus, sempre, no primeiro caso; são-no em o segundo, sob a forma de agnosticismo ou de ateísmo militante, dependendo das convicções de cada qual; jamais o são no terceiro.
18.VIII.2003
Arthur Virmond de Lacerda Neto é positivista ortodoxo.
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