Reproduzo
a seguir artigo da Dra. Fátima Oliveira sobre o livro o Pequeno Príncipe e sua
atualidade.
Quando eu era adolescente, a
resposta clássica a qualquer entrevista de uma candidata a miss que se prezasse
- o concurso de Miss Brasil arrastava multidões e tinha prestígio - é que
"O Pequeno Príncipe" era o seu livro de cabeceira! Nem pensar numa
miss que não lera o célebre livro de Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944),
piloto da Segunda Guerra Mundial, escritor e ilustrador francês, que aos 44
anos, pilotando um avião militar, foi abatido pelos alemães, num vôo de
reconhecimento entre Grenoble e Annecy, na França. Era julho de 1944. Em 2004,
os destroços de seu avião foram encontrados na costa de Marselha.
As aspirantes a miss banalizaram um
livro, literária e filosoficamente, precioso, cuja leitura era obrigatória em
meu tempo de ginasiana. É rara a pessoa com menos de 30 anos que o leu. No
máximo conhece algumas de suas belas e filosóficas frases que pululam na
web. Já faz tanto tempo em que crianças e jovens liam Saint-Exupéry por
obrigação e depois se encantavam com ele para sempre. Em geral, quando falo
sobre o tema, ouço: "É a nova! Do tempo em que era obrigatória a leitura
de O Pequeno Príncipe!".
Lamento que não seja mais. Por
vários motivos. Um deles é que "O Pequeno Príncipe" é uma alegoria em
prosa-poema sobre a amizade e a transcendência dela; sobre a sofrença e o
encanto do amor e seu entorno filosófico; e nos ensina o valor da ética da
responsabilidade e das coisas que não estão à vista, mas no horizonte: "O
que torna belo um deserto é que ele esconde um poço em algum lugar". Outra
razão, é que livros como ele são companhias prazerosas e enriquecedoras a
qualquer momento. É engano considerá-lo piegas, apesar de que pieguice tem
serventia e hora - nem sempre é coisa boba, condenável ou execrável, podendo,
inclusive, ser terapêutica.
"O Pequeno Príncipe"
expressa uma visão de mundo decente e nele há insumos que se prestam com
propriedade para adoção no cenário da política. Alguns cabem como uma luva para
a conjuntura política brasileira. Se eu fosse conselheira da presidente Dilma
Rousseff diria que ela deveria sugerir ao vice-presidente Michel Temer sessões
de biblioterapia - o livro como recurso terapêutico - para o PMDB, usando
"O Pequeno Príncipe", com convites extensivos a alguns parlamentares
e ministros do PT e da "base aliada".
No momento, é a única vereda que
vislumbro para dar algum lustro ético ao PMDB e dotá-lo de sensibilidade para
minorar a petulância partidária e estimular o amor ao povo brasileiro. O que
pode ser aprendido com os diálogos da raposa com o Pequeno Príncipe: "Para
enxergar claro, basta mudar a direção do olhar", e que "só se vê bem
com o coração. O essencial é invisível para os olhos".
Sempre que releio "O Pequeno
Príncipe" descubro algo arrebatador. Nunca deixo de ler a dedicatória:
"Peço perdão às crianças por dedicar este livro a uma pessoa grande/ Tenho
uma desculpa séria: essa pessoa grande é o melhor amigo que possuo no mundo./
Tenho uma outra desculpa: essa pessoa grande é capaz de compreender todas as
coisas, até mesmo os livros de criança./ Tenho ainda uma terceira: essa pessoa
grande mora na França, e ela tem fome e frio. Ela precisa de consolo. Se todas
essas desculpas não bastam, eu dedico então esse livro à criança que essa
pessoa grande já foi./ Todas as pessoas grandes foram um dia crianças. (Mas poucas
se lembram disso)./ Corrijo, portanto, a dedicatória: A Léon Werth, quando ele
era pequenino".
Ninguém lê "O Pequeno
Príncipe" e continua a mesma pessoa.
Fátima Oliveira é Médica e
escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do
Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada
ao Prêmio Nobel da paz 2005.
Portal Vermelho.
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