Por: Mair Pena Neto*
Há dez anos no poder, o PT enfrenta
grandes transformações, algumas que chegaram a arranhar sua essência, mas, mal
ou bem, se mantém como o único partido efetivamente orgânico do Brasil e que se
mostra capaz de levar adiante um projeto comprometido com a distribuição de
renda e a redução das desigualdades. Neste percurso, o partido perdeu a
virgindade, impossível de ser mantida na idade adulta, e encarou a realpolitik
na busca, conquista e manutenção do poder.
Agora mesmo, o PT se depara com duas
questões polêmicas, que causam desilusões, mas que precisam ser examinadas à
luz da realidade, com todas as nuances que as envolvem. A primeira é a
privatização dos aeroportos, já em curso com a concessão de três terminais à
iniciativa privada, e a outra é uma possível aliança com o PSD de Gilberto
Kassab nas eleições do fim do ano para a prefeitura de São Paulo.
Sem querer invocar questões
semânticas, existe uma diferença substancial entre vender um bem ou empresa
pública, como foi feito com a Vale do Rio Doce e a CSN, por exemplo, e conceder
serviços à administração e exploração privada. Isso, aliás, já ocorre com as
rodovias, exploradas há anos por concessionárias, em diferentes governos.
Mesmo quando se trata de concessões,
há diferenças de princípios entre visões políticas. Umas simplesmente outorgam
a concessão e sobre ela não exercem praticamente nenhum poder, permitindo
excesso de pedágios a preços aviltantes. Outras escolhem o concessionário pela
melhor relação serviço/custo do pedágio, buscando beneficiar os usuários do
serviço concedido.
Na concessão dos terminais
aeroportuários, a Infraero manteve participação de 49% e poder de veto sobre
decisões. Os concessionários não podem fazer reengenharia com o pessoal da
Infraero e nem revender os aeroportos, que não lhe pertencem. Os grupos
privados que assumem os terminais não podem fechar os olhos à a realidade
brasileira, e fazer como Roger Agnelli, quando estava à frente da Vale, que
encomendou meganavios fora do país, desprezando a indústria naval que ressurgia
e aqui gerava empregos.
Concessão de serviços públicos
sempre existiu e continuará existindo independente do viés do governo. Se o
Estado está sem condições de fazer os investimentos necessários para o seu bom
funcionamento, que o conceda dentro de regras claras e benéficas para a
sociedade, e se concentre nos investimentos sociais, estes sim essenciais para
a transformação que o país vem experimentando nos últimos anos.
Já a aliança com Kassab deve doer
mais nos corações petistas, mas ela não parece pior do que as feitas nos dois
governos de Lula e no atual governo Dilma. O PT sempre priorizou as alianças
com partidos do centro à esquerda, como PDT, PSB e PCdoB, mas apenas com eles
não conseguiria chegar ao poder, e, sobretudo, governar, dentro das regras
(ruins) do jogo da política brasileira.
Logo na primeira vitória de
Lula, o arco estendido a uma série de legendas médias e pequenas, e sem nenhuma
ideologia, a não ser desfrutar do poder, causou sérios prejuízos, manchando o
partido e o governo. Na reeleição, Lula já aliou-se ao PMDB - idéia defendida
por José Dirceu desde 2002 -, estabilizando mais o governo, mas, nem por isso,
vendo-se livre de maus ministros e pequenos golpes.
Mesmo com esses problemas, Lula
desenvolveu um projeto de governo inclusivo, aliando crescimento à distribuição
de renda, e agindo de acordo com princípios defendidos pelo PT em situações
decisivas, como a política adotada na crise econômica mundial, a partir de
2008. Isso só é possível quando existe um grupo hegemônico nas alianças. O PT
teve que ceder muitas coisas aos partidos que formam a base de apoio a seus
governos, mas é ele que comanda o processo e dá as diretrizes do governo.
No caso de uma possível aliança com
Gilberto Kassab, talvez seja ela o caminho para a conquista do governo de São
Paulo e para encerrar um ciclo que distancia a capital paulista do resto do
país. Mais do que isso, poderia significar o tiro de misericórdia no setor mais
conservador do país, entrincheirado lá, como em 1932, atrapalhando o salto
definitivo para um país mais justo e mais humano.
Mair Pena Neto*Jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters.
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