Prosseguindo
com a série de curtos textos divulgando parte da obra do Aloysio
Biondi*, passo para a parte III.
Na
primeira parte do seu livro O Brasil privatizado, Um balanço do desmonte do
Estado, o Biondi explicou - como foi fácil e barato comprar as empresas que o
governo torrou para um seleto grupo de compradores. Na segunda parte ele
enfatiza a estratégia adotada pelo governo para, agora valorizar aquelas
empresas, que já haviam sido devidamente entregues de mão beijada ao seleto
grupo, garantindo-lhes um lucro ainda maior. Nesta terceira parte ele ilustra Por que é tão fácil as privatizadas lucrarem.
– Ah, mas
as estatais sempre dão prejuízos, tiram dinheiro da saúde e da educação... É
incrível como essas empresas estão dando lucros, logo no primeiro ano depois da
privatização...
Esse
argumento também foi largamente repetido para a população.
Ele também
é falso. Ponto por ponto, pode-se explicar as razões dos “lucros” rápidos das
empresas privatizadas:
• TARIFAS
E PREÇOS – os reajustes de 100%, 300%, 500% antes da privatização garantem
lucros aos novos donos. E há aumentos até de última hora, como o reajuste de
58% para as contas de energia no Rio, poucos dias antes do leilão da Light.
•
DEMISSÕES – também antes de privatizar, o governo tem feito demissões maciças
de trabalhadores das estatais, isto é, gastou bilhões com o pagamento de
indenizações e direitos trabalhistas, que na verdade seriam de responsabilidade
dos “compradores”.
Exemplos:
o governo de São Paulo demitiu 10.026 funcionários de sua empresa ferroviária,
a Fepasa, de 1995 a 1998. E ficou ainda responsável pelo pagamento a 50 mil
(!!!) aposentados da ferrovia. No Rio, o governo do estado, antes da
privatização, incumbiu-se de demitir nada menos que a metade – mais exatamente
6.200 – dos 12 mil funcionários do seu banco, o Banerj. Com essas demissões,
além de se livrar do pagamento de indenizações e aposentadorias, os
“compradores” receberam também folhas de pagamento mais baixas, mês a mês – e
isso vale para quase todas as estatais privatizadas.
• DÍVIDAS
“ENGOLIDAS” – esse é um ponto que nunca ficou claro para o povo brasileiro: ao
longo de 30 anos, desde o final dos anos 1960, o governo freqüentemente usou as
estatais para “segurar” a inflação ou beneficiar certos setores da economia,
geralmente por serem considerados “estratégicos” para o país. Como assim? Houve
períodos em que o governo evitou reajustes de preços e tarifas de produtos
(como o aço) e serviços fornecidos pelas estatais, na tentativa de reduzir as
pressões e controlar as taxas de inflação. Esses “achatamentos” e
“congelamentos” de preços foram os principais responsáveis por prejuízos ou
baixos lucros apresentados por algumas estatais, que passavam a acumular
dívidas ao longo dos anos – sofrendo então nova “sangria” de recursos,
representada pelos juros que tinham de pagar sobre essas dívidas. Certo ou
errado, as estatais foram usadas como arma contra a inflação por governos que
achavam que o combate à carestia era a principal prioridade do país. O
mal é que nunca foi suficientemente explicado à população que essa decisão
arruinava as empresas estatais, dando motivo a falsas acusações de
“incompetência” e “sacos sem fundo” contra elas.
Quando
veio a onda das privatizações, o governo fez exatamente o contrário.
Primeiro, como visto acima, aumentou os preços (até 300%, no caso do aço) e
tarifas (até 500%, repita-se) cobrados pelas empresas que seriam privatizadas.
Mas – o que é espantoso – o governo fez muito mais: “engoliu”, passou para o
Tesouro, dívidas que eram das estatais, bilhões e bilhões de reais que deveriam
ser pagos pelos “compradores” – mesmo que esse pagamento fosse feito a longo
prazo, mediante acordo com os credores. Exemplos? Na venda da Cosipa (Companhia
Siderúrgica Paulista), o governo ficou responsável por dívidas de 1,5 bilhão de
reais (além de o governo paulista ter adiado o recebimento de 400 milhões de
reais em ICMS atrasado). Quanto o governo recebeu pela venda? Só 300 milhões de
reais. Isto é, o governo “ganhou” uma dívida de 1,5 bilhão reais, e os
“compradores” pagaram somente 300 milhões. A venda da Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN), de Volta Redonda, não foi diferente: o governo “engoliu”
dívidas de no mínimo 1 bilhão de reais. Então, pode-se entender que, com essa
política, ficou muito fácil para os “compradores” terem grandes lucros
rapidamente: já no primeiro ano, além das tarifas e preços majorados, além da
folha salarial reduzida, eles se livraram de pagar prestações dessas dívidas,
bem como os juros sobre elas. Receberam as empresas “limpinhas”, prontas para
os lucros. É a essa política que o governo chama de “saneamento das estatais”,
preparatório para a privatização. Quem não quer?
• DÍVIDAS TRANSFERIDAS – aqui, cabe
um parêntese importante. O governo, quando divulga os resultados do processo de
privatização, sempre gosta de dizer que, além do preço da “venda”, deve-se
levar em conta, ainda, as dívidas que aquelas estatais apresentavam, e que
foram transferidas para o comprador. Nesse argumento, há uma dupla mentira.
Primeiro, como foi demonstrado acima, há dívidas que o governo “engole”, e
sobre as quais ele e os meios de comunicação nunca falam... Em segundo lugar,
no caso das dívidas que permanecem sob responsabilidade dos “compradores”, é
preciso lembrar que eles vão contar com o faturamento da própria empresa para
pagá-las. Ao contrário do governo, que fica com as dívidas
“engolidas” e tem de pagá-las com dinheiro do Tesouro, dos impostos, ou seja,
de toda a população brasileira.
Dinheiro
nosso.
• FUNDOS
DE PENSÃO – exatamente como as grandes empresas privadas, também as empresas
estatais mantêm planos especiais de aposentadoria ou planos de pensão para seus
funcionários.
Em vários
casos, os “compradores” ficaram livres também desses compromissos. Como assim?
O governo – estados ou União – “transferiu” os aposentados para sua folha de
pagamentos ou se responsabilizou, no caso dos fundos de pensão, pelo pagamento
dos benefícios aos funcionários existentes. No caso da Fepasa, o número de
aposentados que “ficaram” com o governo chega a nada menos de 50 mil. No
entanto, o mais escandaloso foi o caso do Banco do Estado do Rio de Janeiro.
Para privatizá-lo, o governo “engoliu” todos os compromissos futuros do plano
de pensão dos funcionários. Para isso, o então governador Marcello Alencar
tomou um empréstimo de nada menos de 3,3 bilhões de reais, mesmo sabendo que o
banco seria vendido por apenas 330 milhões de reais, isto é, um preço dez vezes
menor. Pior ainda: esse valor foi pago em “moedas podres”, negociadas no
mercado com desconto de 50%, ou seja, os 330 milhões de reais representavam
mesmo, no final das contas, apenas 165 milhões de reais, ou praticamente 20
vezes menos do que o valor do empréstimo de 3,3 bilhões... Tudo para livrar os
“compradores” de futuros gastos. Essa operação escandalosa agravou os problemas
financeiros do Rio, como o novo governador, Anthony Garotinho, não se cansa de
apontar.
Próxima parada, parte IV
"Mais dinheiro nosso para
aumentar lucros"
Até lá!
Aloysio Biondi*Jornalista econômico colaborou durante 44 anos com reportagens e análises para jornais e revistas. Começou na Folha de S. Paulo em 1956, ocupando o cargo de editor-executivo do caderno de Economia, que o jornal (já) mantinha na época. Ocupou os cargos de secretário de redação da Folha de S. Paulo e da Gazeta Mercantil. Foi diretor de redação do Jornal do Comércio (RJ) e do Diário Comércio & Indústria (SP). Também foi editor de economia das revistas Veja e Visão e editor de mercado de capitais (“pioneiro”, em 1969) de Veja e do jornal Correio da Manhã. Foi diretor editorial do grupo DCI/
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