sexta-feira, 29 de junho de 2012

Disputa de pais em processos de guarda internacional desafia a Justiça

Somente na Grande Vitória tramitam 17 ações. De 2002 a 2011, 488 casos de disputas internacionais foram registradas no Brasil.

Três pais, três histórias e a mesma luta: conseguir a guarda do filho. Eles são partes de processos judiciais que tramitam nas Varas de Família onde o pai ou a mãe é estrangeiro ou então residente no exterior. Assim como eles há outros 14 casos de disputas internacionais em andamento na Grande Vitória. Todos tramitando em litígio, ou seja, sem nenhum sinal de acordo entre os ex-casais.

Antes mesmo de saber que a filha tinha sido levada para Portugal pela ex-mulher, em junho de 2010, o professor Hudson Henrique Silva, de 35 anos, já disputava a guarda da menina que morava com a avó. Na época a ex-mulher estava em Portugal trabalhando e tinha deixado a filha, em Vitória, com a mãe. O caso do professor Hudson tramita na 3ª Vara de Família da capital e é considerado como um dos mais problemáticos pela Justiça capixaba.

Isso porque, garante o pai, ele nunca deu autorização para que a mãe saísse do Brasil com a filha. “Eu sequer a autorizei tirar o passaporte dela. Como ela conseguiu sair do país com minha filha? Tenho certeza que minha assinatura foi forjada em documentos falsificados”, afirma.
O professor relata que estava indo pegar a filha na casa da avó, para passar o final de semana, quando foi informado sobre a ida dela para Portugal. Transtornado ele procurou a polícia, mas já era tarde demais. A viagem tinha acontecido há três dias.

“Eu não acreditei. Fiquei transtornado. Até porque ela já tinha pedido para levar minha filha para Portugal e eu não deixei. Fiquei um mês procurando notícias do paradeiro dela e nada. Eu estava aqui a apenas 15 km de distância da minha filha e hoje estou a mais de 10 mil quilômetros longe dela. Eu só quero ela de volta. É minha única filha”, desabafa.

Ao contrário de Hudson, a restauradora Jaqueline Cruz Madeira tem a filha ao lado dela. Há três anos ela voltou para Vitória após passar maus momentos ao lado do ex companheiro, um uruguaio de 46 anos. Os dois se conheceram em São Paulo, tiveram uma filha e quando a criança completou nove meses de vida se mudaram para o Uruguai. Após quase cinco anos morando no país o relacionamento do casal mudou. Com isso começaram as brigas e agressões físicas e moral.

Há três anos, a pedido do próprio marido, Jaqueline veio ao Brasil com a filha para resolver uma situação burocrática quanto a transferência de um carro. Não sabia ela que tudo se passava de uma armação do ex-companheiro. Pensando que tinha em mãos uma autorização válida para deixar o país, já que foi o próprio ex-marido que tinha dado, ela entrou com a criança no Brasil. Horas após atravessar a fronteira a restauradora foi informada, por uma outra filha do uruguaio, fruto do primeiro casamento dele, que o documento que ela possuía era inválido e que tudo não passou de um plano do pai para acusá-la de sequestro da criança.

Com medo de voltar ao Uruguai e ser presa ela decidiu ficar no Brasil e vir para Vitória onde a família morava. O marido, então, pediu à Justiça do Uruguai a guarda da menina. Jaqueline, ao mesmo tempo, fez o mesmo e requereu à Justiça brasileira o direito de ficar com a filha. O caso continua em tramitação.

“É uma situação muito complicada. Eu acabo convivendo com medo, angustiada, pois não sei o que ele é capaz de fazer. Hoje ainda mais, pois sei que ele está no Brasil trabalhando. Eu não consegui ainda nem a guarda provisória dela. Está nas mãos da Justiça. Não posso fazer mais nada”, relatou.
Jaqueline com a filha de oito anos: "Ela é a maior riqueza da minha vida. Fiz e continuarei fazendo de tudo para sempre tê-la ao meu lado"
Pedindo para não ser identificada, uma dona de casa também vive o mesmo drama de Hudson e Jaqueline. Ela trava uma batalha nos tribunais brasileiro e português para ter a guarda da filha. A menina nasceu em Portugal e tem dupla cidadania. A dona de casa conta que, mesmo separada do marido português, o relacionamento entre os três era bom. Até que ela veio para o Brasil. E para sua surpresa o ex marido pediu a guarda da filha tanto à Justiça de Portugal quanto a brasileira.

"Nunca esperava que ele fizesse isso. Me senti apunhalada pelas costas quando o oficial de Justiça me entregou a intimação e nela estava o pedido de guarda dele. Estou gastando até o que não tenho com advogados aqui em Vitória e em Portugal para manter minha filha comigo", relata.

"Aqui conhecemos o lado ruim das famílias"

Há sete anos atuando na área de família, a promotora Fabiana Fontanella conta que se surpreende a cada caso em que atua. Segundo ela, é durante um processo de guarda que se conhece o lado ruim das famílias.

“As vezes a gente se depara com certas atitudes dos pais que é até difícil acreditar que um dia eles se amaram e fizeram um filho. Eles se tornam cegos por um resto de sentimento do relacionamento que acaba se transformando em vingança. Eles querem dizer: eu vou ganhar, eu ganhei a guarda. Esses processos acabam se transformando em uma guerra onde o alvo principal é a criança”, pontuou a promotora.

O juiz Júlio César e a promotora Fabiana
Fontanella atuam na 3ª Vara da Família
Com ele está a responsabilidade de decidir o futuro dessas crianças que se encontram no meio dessa ‘guerra dos pais’. O juiz Júlio César Costa de Oliveira destaca que não só a distância entre as partes e a burocracia das leis dos outros países atrapalham no andamento do processo. Para ele o mais complicado é não poder conversar diretamente com os envolvidos.

"São casos desafiantes para a Justiça. Uma das nossas grandes dificuldades é a falta de contato físico e pessoal com uma das partes. Isso trás insegurança. Quando estão presentes a gente vê o interesse, conversa com eles. É mais fácil de decidir. A folha de papel (carta escrita pelo genitor fora do país) é fria, não tem sentimento e não reflete, muitas vezes, aquilo que se passa".

Os ex-companheiros de Hudson e Jaqueline ainda não foram localizados pela Justiça. Em ambos os casos o judiciário capixaba já enviou uma carta rogatória, uma espécie de intimação para que a Justiça de Portugal e Uruguai localize a outra parte envolvida no processo. Segundo o juiz Júlio César, a espera pelo retorno da confirmação de entrega dessa carta dura, no mínimo, seis meses.

No caso da dona de casa, o próprio ex-marido se apresentou, por meio de carta, ao juiz, mas ainda não constituiu advogado brasileiro.

Convenção de Haia

Entre 2002 e 2011, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República registrou 488 casos de disputa internacional de guarda. Esses casos, no entanto, são diferentes daqueles registrados diretamente nas Justiças Estaduais.

Os casos levados a conhecimento da Secretaria de Direitos Humanos são aqueles ligados a cooperações jurídicas entre os países, previstas na Convenção de Haia.

O tratado de Haia, que reúne 87 nações, incluindo o Brasil, parte do princípio de que a criança não deve ser retirada do país onde reside sem a autorização dos detentores de guarda. Quando isso acontece as autoridades centrais dos países começam a dialogar medidas administrativas ou judiciais para dar cumprimento a convenção.

Caso Sean Goldman

Um dos casos mais conhecidos de disputa internacional de guarda foi o do menino Sean Goldman, hoje com 12 anos. A guarda da criança é disputada pelo pai biológico, o americano David Goldman e pela família da mãe Bruna Bianchi. Em 2009 a Justiça brasileira determinou a volta do menino para os Estados Unidos, dando a guarda ao pai.

A decisão se baseou na Convenção de Haia, que determina que, quando uma criança é levada para outro país sem a autorização do pai e da mãe, ela deve retornar imediatamente para o país em que vivia, onde deve ser decidido com quem fica a guarda do menor.

Bruna Bianchi e David Goldman foram casados e, quando Sean nasceu, moravam em Nova Jersey. Até a carioca decidir voltar ao Brasil, onde se casou novamente. Com a morte de Bruna o padrasto, o advogado João Paulo Lins e Silva, e os pais da mulher passaram a travar na Justiça uma briga com David Goldman pela guarda de Sean.

Fonte gazetaonline

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