Por
Antonio Luiz Carlini - Santa Teresa ES 25/07/2017
Já
ia completar uma década, desde que aquele filho de italianos, deserdado de
intelecto, para a malícia, a percepção de que era alvo de comentários entre
seus consortes étnicos, sempre com certo teor de menosprezo pelo seu QI,
incapaz para se ajustar ao meio, onde vivia sem ser informado, que por uma
questão antropológica de discriminação, não foi integrado ao mais íntimo do
seio, para uma convivência igualitária. Pois, ele não percebia que seu respeito
pelas famílias, pelos bons costumes, tendo ele ficado órfão de pai e mãe, não
foi aceito para morar com irmãos, cunhados e cunhadas, tendo que com a força
dos braços, ir viver trabalhando em outras casas de famílias, em troca de
alguns tostões, alimentação e vestuário.
Passava
muito além do segundo “enta”, ou seja, quase sessenta anos, quando naquela
família, onde já era um esteio no trabalho braçal, com os dez anos por ali,
embora quase sexagenário, depois que por cinco anos, o chefe, acometido de
doença incurável veio a óbito, deixando uma viúva com sete crianças e, ele, os
braços trabalhadores, além de um inquestionável dirigente na educação para o
labor com as roças, docente para os três filhos mais velhos, órfãos do italiano
que fora vitimado pela doença. Pois, nosso protagonista, teve fundamental
desempenho em estimular naquelas crianças de treze, onze e nove, o interesse e
a valorização do trabalho, já que há muito o pai deles esteve ausente, devido à
doença.
Nosso
protagonista chorou muito a morte do Italiano que o acolheu. Porém, sentia-se
agora mais responsável que nunca. Continuo com o trabalho, capinando o cafezal,
o arrozal, o feijoal, o milharal, depois de ordenhar as vacas enquanto os três
meninos, cuidavam dos porcos, das galinhas e um deles conduzia as vacas para
pastos separados, antes de irem para as roças, em uma rotina de vida na roça,
onde a agricultura familiar funcionava em ritmo assaz laborioso. Não questionou
nenhuma vez quem iria o remunerar pelo trabalho, quando vencesse o mês. O que
por outro lado era uma preocupação atormentadora, por parte da viúva, já que
além de terem gasto seus recursos com aquela doença, ainda estava endividada.
Isto a levou a uma reação, para ver o que poderia fazer: “Chamou seu herdado
trabalhador auxiliar, ali considerado CAMARADA”. Indagou-lhe sobre suas
expectativas, tais como, quando e como queria receber, etc... Depois de
informá-lo sobre a situação financeira ainda ruim, consequência de cinco anos
gastando além do que arrecadavam.
Havia
passado apenas um mês desde aquele óbito. Mas a situação precisava ser
esclarecida, seja da parte dela, com a preocupação do ônus, seja por parte
dele, cuja expectativa em receber poderia aumentar os problemas da viúva,
surpreendida pelas palavras do CAMARADA:
-Não
tenho ORDENADO (assim chamavam a remuneração), para receber, aliás, não preciso
de dinheiro agora, sei que só entrará dinheiro depois das colheitas e para isso
falta pouco, agora sei também que só faltam doze dias para aquela nossa
conversa séria lá em seu quarto, depois que eu tomar um bom banho e vestir
minha roupa de Domingo. Quanto a dinheiro, pagamento, etc..., doravante não
existirá, por que tudo será nosso, como era entre você e o finado antes de ele
ir. Estou aqui para substituí-lo. Só não falei antes, por que pensei que você
já sabia do que é de fato: “REI MORTO, NOVO REI NO POSTO”. Estava eu, esperando
passar sua quarentena, aqueles quarenta e dois dias de resguardo que uma viúva
precisa... Tratam-me como BOBO, mas eu não sou. Desde meus quinze anos sei que
“VIUVA É IGUAL LENHA VERDE, CHORA, MAS PEGA FOGO”. É claro que até
completarem-se os dois anos da viuvez, para não gerar falatórios, continuaremos
só como noivos, antes de nos casarmos. Entretanto, morando na mesma casa e os
seus sete filhos dormindo, os vizinhos não verão e não saberão... Entendeu? É
por isso que não preciso de ordenado, meu pagamento maior será você, mas vou
esperar pacientemente pelo fim de sua quarentena!
A
essa declaração do homem de inteligência diminuta, ficou estupefata. Era ela,
portadora de convicção de que uma vez casada, não importava se o marido
morrera, estaria eternamente casada, por que em sua mente o “Até que a morte os
separe”, tinha um sentido único e além do mais, aquele rejeitado da sociedade
jamais poderia vir a ser seu marido em qualquer circunstância. Ficou pensativa
por duas horas e decidiu pedir ajuda para a sogra, residente um pouco distante,
mas onde seus filhos poderiam chegar a pé acompanhando-a. Lá diante da Sogra,
uma daquelas admiráveis MATRONAS, capaz de enfrentar até o mais valente
pistoleiro se sentisse sua concepção de domínio territorial ameaçado, relatou a
intenção do CAMARADA que agora aspirava o “noivado” e posterior casamento.
Aquela sogra, que se via na obrigação de proteger a Nora e considerava aquele
cidadão desmerecedor de espaço no seio da família, onde os retardados não
tinham ingresso, não pensou duas vezes. Tomou do winchester 44, tirou os
tamancos de embaúba e restos de couro velho, calçou alpargatas e sem outras
palavras perguntou: - Onde posso encontrar aquele pervertido, retardado, que
não se enxerga? Está lá na roça de feijão, Nonna! Disse um menino!
Partiu
apressada. Foi acompanhada pelos demais a quem deixou para trás, dada a pressa
que empreendeu. Encontrou o infeliz arrancando pés de feijão. Chamou-o às
falas. Mostrou a habilidade com o Winchester e ouviu dele a confirmação das
intenções. Engatilhou a arma e lhe ordenou ir para a casa. Aquela anciã esperta
em seus passos, praticamente o empurrava com a ponta do rifle. Ele com a mala e
ferramentas pessoais nas mãos, recebeu dela o que poderia ter de vencimentos
pelo trabalho e foi.
Dez
quilômetros de lá encontrou outra casa, onde ficou nas mesmas condições em que
esteve na anterior. Porém, passou outro decênio trabalhando para sobreviver,
mas fazia qualquer coisa para não ouvir falar o nome daquela viúva e ainda
menos da sogra dela, até que quase aos setenta, foi reconhecido pela
previdência social como merecedor de meio salário mínimo.
Se
alguém mencionasse o assunto, ele antes de pronunciar uma saraivada de
palavrões e blasfêmias, tal o italiano que era, argumentava: - Passei mais de
cinquenta anos, sem saber segredos sobre mim mesmo. Precisou aquela velha braba
me ameaçar com a CARABINA e falar aquelas coisas, para que visse o quanto que
um homem precisa saber sobre si mesmo!
Ninguém
sabe tudo o que aquela anciã lhe disse, mas fez tardiamente, o que a família
devia ter feito ainda na infância dele, ou seja, dialogar!