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quinta-feira, 6 de abril de 2017

Educação e Emancipação em Adorno


Por Michel Aires de Souza

         Adorno detectou que a formação no mundo contemporâneo  reproduz os valores, o imaginário e as condições sociais dominantes do sistema cultural.  Na falta de uma consciência crítica a realidade política, econômica e social determina o indivíduo em seu íntimo, naquilo que deveria ser o núcleo de sua autonomia.  Desse modo, o sujeito passa a ser determinado por instâncias heterônomas, não possui liberdade para deliberar sua vontade com absoluta autonomia.  No seu artigo “Educação e Emancipação”, Adorno diagnosticou que nossa época carece de esclarecimento, uma vez que existe uma “pressão inimaginável exercida sobre as pessoas, seja simplesmente pela própria organização do mundo, seja num sentido mais amplo, pelo controle planificado até mesmo de toda a realidade interior pela indústria cultural.” (ADORNO, 1995, p. 181) As pessoas são formadas pela sociedade mediante várias instâncias mediadoras, de tal modo que tudo absorvem e aceitam em termos desta configuração alienada. Desse modo, a formação dos sujeitos se confunde cada vez mais com um adestramento, com uma adaptação aos mecanismos que regulam a produção e que se disseminam para todo o âmbito da vida. (MAIA, 2007)

        Em suas obras, Adorno refletiu profundamente sobre a dissolução do sujeito autônomo.  No ensaio Sociedade, ele afirma que de maneira planejada “os sujeitos são impedidos de saberem como sujeitos. A oferta de mercadorias que se abate qual avalanche sobre eles contribui para isto,  da mesma forma que a indústria cultural e incontáveis mecanismos diretos e indiretos de controle”.  (ADORNO apud MAAR, 2009, p.26).   Os meios de comunicação, em nossa época, representaram a degradação da formação cultura e, em consequência disso, a perda da autonomia dos sujeitos. No ensaio “Teoria da Semicultura” (1996), Adorno mostrou que  a  formação cultural converteu-se em semiformação, entendida como uma espécie de semicultura, cuja característica é ser  unidimensional e  limitada. A semiformação é uma formação “definida a priori”, que se tornou “forma dominante da consciência”, convertendo-se em “semiformação socializada”,  sob a determinação da indústria cultural.   Todos os produtos e as criações da indústria cultural estão voltados e adaptados ao consumo de massa. Os produtos são criados com o fim da rentabilidade econômica, de integração e adaptação dos indivíduos a sociedade do consumo. Se a formação cultural da burguesia exigiu certo esforço intelectual, concentração espiritual e sensorial, a semiformação, ao contrário,  simplificou os elementos complexos, adaptando-os e tornando-os desprovidos de qualquer conteúdo espiritual. Os conteúdos críticos, negativos e emancipadores foram neutralizados, perdendo suas características transcendentes.  A cultura converteu-se, assim, num valor, tornou-se adaptação ao conformar os indivíduos a vida real.  Em consequência disso, a autonomia do homem enquanto indivíduo, a sua capacidade de opor resistência ao crescente mecanismo de manipulação da massa, o seu poder de imaginação e o seu juízo independente sofreram  uma redução. O avanço dos recursos técnicos de informação se acompanha de um processo de desumanização. Assim, o progresso acabou por anular a ideia do homem. (HORKHEIMER, 1976)

         Com o advento da indústria cultural, os sujeitos têm sua formação mediada por imagens. Nas sociedades pré-capitalistas a civilização ocidental valorizava as palavras, o discurso. Já no século XX, com a difusão dos meios de comunicação de massa,  a tradição escrita foi abalada. As imagens tornaram-se mais importantes que a escrita.  Elas ganharam grande poder ideológico, pois modificaram a realidade e adulteram-na em benefício dos interesses de classe. Segundo Sontag (1981),  uma sociedade torna-se moderna quando uma de suas principais atividades passa a ser a produção e o consumo de imagens, quando as imagens passam a determinar nossas exigências com respeito à realidade e são elas mesmas substitutas cobiçadas da experiência autêntica, tornam-se indispensáveis a boa saúde da economia, à estabilidade política e à busca da felicidade individual. Quando Adorno e Horkheimer pensaram  a ideia de esquematismo Kantiano, no ensaio Indústria Cultural,  eles estavam entendendo que os meios de comunicação de massa produzem uma engenharia do real. Ela constrói a realidade como representação com o ampara da técnica e do capital, impedindo os indivíduos de atingirem a verdadeira consciência da realidade.  A função que o esquematismo kantiano ainda atribuía ao sujeito, a saber, de referir de antemão a multiplicidade sensível aos conceitos fundamentais, é tomada ao sujeito pela indústria cultural. O esquematismo é o primeiro serviço prestado por ela ao cliente. (ADORNO, 1985)

         Na avaliação de Adorno (1995), a organização social ao qual vivemos continua sendo heterônoma, uma vez que ninguém mais pode existir na sociedade atual conforme suas próprias determinações. Por esta razão, ele pensa que somente a educação pode emancipar os sujeitos. Mas, para isso, é imprescindível uma educação política, que desenvolva nos sujeitos a consciência de que os homens são enganados de modo permanente. Ele acredita que se todos ganhassem consciência em relação a essas questões, isso poderia resultar em uma critica imanente da sociedade.

         No pensamento de Adorno, “a teoria social é na realidade uma abordagem formativa, e a reflexão educacional constitui uma focalização político-social. Uma educação política”. (MAAR, 1995, p.15) Em seus textos sobre educação, ele demonstrou seu otimismo em relação  ao homem  para se aperfeiçoar, se instruir,  superando as crenças, as superstições e toda forma de tutela,  tornando o senhor de si mesmo.   O sujeito esclarecido é aquele que se serve de seu próprio entendimento sem a tutela de outro indivíduo.  Do ponto de vista do Esclarecimento,  a liberdade exige a autonomia plena da razão perante lógicas externas, heterônomas a ela. Nesse sentido, a educação, segundo o frankfurtiano, deve visar à autonomia e  à emancipação.  É necessário que se volte às contradições sociais e não tente negar sua existência, para isso, deve ser sobretudo educação política. A educação também deve se voltar para a crítica da ideologia, disseminada pela indústria cultural. Adorno sugere que o filme, o jornal, o livro, na escola, sejam alvos de análise por professores para a explicitação dos mecanismos utilizados nesses produtos, que visam a captar o consumidor, e o levam a manter desejos infantis. (CROCHIK,2007) Assim, o processo pedagógico deve desenvolver a capacidade de informação e entendimento para uma análise e avaliação da sociedade em que vivemos. Ela deve preparar os sujeitos para a não aceitação, a manifestação, o afrontamento e a revolta, pois nos ensina a romper com as maneiras de ver, sentir e compreender as coisas.

         A primeira exigência da educação para Adorno (1995) é que “Auschwitz não se repita”. Qualquer debate sobre educação que não leve em consideração esse princípio não tem sentido, carece de importância. Cabe aos estabelecimentos de ensino, portanto, desvelar os mecanismos que levam as pessoas a cometerem tais atrocidades.  É necessária uma consciência geral acerca desses mecanismos. Desse ponto de vista, a educação deve desenvolver  uma sensibilidade contrária a violência, e sensível aos oprimidos, carentes e necessitados; que desvele os mecanismos de opressão da sociedade administrada, e que pense a violência e barbárie cometidas pelo mundo ocidental. Assim, “a única concretização efetiva da emancipação consiste em que aquelas poucas pessoas interessadas nesta direção orientem toda a sua energia para que a educação seja uma educação para a contestação e para a resistência.” (ADORNO,  1995, p. 183)

         Para que os indivíduos se emancipem, é necessário que eles compreendam os mecanismos que produzem a consciência alienada.  Em Mínima Moralia, Adorno (1993) afirma que quem quiser saber a verdade acerca da vida imediata tem que investigar sua configuração alienada, investigar os poderes objetivos que determinam a vida individual. Ou seja, para se compreender o mundo em que vivemos é necessário o esclarecimento sobre os mecanismos pela qual a cultura se converte em  mercadoria, e a sociedade, em seu processo de reprodução material, torna-se reificação, determinando as condições objetivas da subjetividade. Assim, a emancipação como “conscientização”‘ é a reflexão racional pela qual o que parece ordem natural, essencial na sociedade cultural, decifra-se como ordem socialmente determinada em dadas condições de produção real efetiva da sociedade. (MAAR,  2003)

         O que se torna relevante é que os indivíduos sejam capazes de julgar a sociedade contemporânea. Para isso, devem ter a capacidade de informação e entendimento para uma análise e avaliação das sociedades em que vivem. Assim, é através da escola que se deve fomentar a prática política que leve a cabo desenvolver nos sujeitos a consciência das possibilidades transcendentes de liberdade. Desse modo, a educação em Adorno é uma “pedagogia do esclarecimento”, onde “a educação política é levada a sério e não como simples obrigação inoportuna” (ADORNO, 1995, p.45). Nesse sentido, a emancipação só pode se tornar possível a partir do desvelamento dos fundamentos ocultos da dominação.  Desse modo, será possível uma mudança na percepção do mundo capitalista por parte dos sujeitos, expondo publicamente as ideologias, os interesses de classe, a manipulação dos fatos, a relatividade da ordem e dos valores.  A educação é herdeira da ilustração, uma vez que sua tarefa é esclarecer, é explicar como as coisas são, como as coisas funcionam. O individuo educado amplia seus horizontes, alarga sua mente, desafia o que está dado e constituído.  Mesmo sendo sujeitos singulares, com vontades e interesses particulares, devem transcender a mera subjetividade. Com isso, amadureceriam e compreenderiam as forças históricas que poderiam transformar a sociedade em uma verdadeira universalidade. Em função disso, surgiriam novos valores morais, estéticos e intelectuais, que apontariam para a construção de uma existência pacificada.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

A não política


Por Alexandro Kichileski*

Terminado o processo eleitoral das eleições municipais de 2016 foi possível constatar um porcentual considerável de votos invalidados, por vezes maiores que dos candidatos eleitos. E esses votos inválidos apresentam um problema que necessita ser pensado com  seriedade. Afinal, o que há de errado? Quais fatores  desencadearam esse fenômeno?  Penso que é preciso observar a questão a partir de duas prerrogativas: a primeira no contexto da Modernidade e a segunda diante as especificidades próprias do Brasil.

            Na Modernidade é observado a descrença nas instituições públicas e no nosso sistema representativo. Porém, diferente de outros contextos históricos, essa descrença não vem com uma organização social querendo uma ruptura, apresentando novos projetos societários. Pelo contrário, é sinalizado pela brutal indiferença. É óbvio que existe, no tecido social, grupos mobilizados, mas esses geralmente são marginalizados pela Opinião Pública, sobretudo pelos setores conservadores.

            Nós estamos reféns de uma cosmovisão endossada pelo direcionamento dos desejos ao consumo, e amparado a isso, a constante mutilação de tudo que remete ao público/coletivo. Nossa opinião é formada pelos aparelhos midiáticos, que por sua vez dependem da publicidade. Como observado por Dominique Quessada, a publicidade comunica, mas na ideologia consumista ela é uma ferramenta que [re]orienta os cidadãos (ou seriam  consumidores?) a negar os elementos simbólicos da coletividade, ressaltando  o ideal de vida apenas no individualismo exacerbado. Podemos compreender, inclusive, esse fenômeno como manifestação que rivaliza com o discurso político. Assim, existe uma ideologia que se diz contra ideologias e associa a política a tudo que é pejorativo. Nessa lógica maniqueísta o discurso apolítico é visto como ideal a ser seguido nesse mundo desencantado.

            Dito isso, parto para a segunda prerrogativa. Acredito que o primeiro problema é a ausência de rupturas políticas na História do Brasil. Nosso processo político sempre se deu de forma mais conciliadora. A transição do modelo colonial para o império foi regido pelo filho do rei. Pagamos, aliás, indenização à Portugal. Posteriormente, como observado pelos historiadores, a República veio por setores sociais que já se beneficiavam das políticas do Império e apesar da etimologia da palavra, a grande maioria da população brasileira não participou desse evento histórico. Quando houve uma tentativa de reformas profundas, com o Jango, grupos opositores aproveitaram da histeria anticomunista e com os militares o tiraram do poder. A redemocratização, depois de décadas de obscurantismo, veio aos poucos, consentida pelos militares e diversos figurões estão no exercício político até hoje.

            Quase sempre a política brasileira foi dirigida por poucos e focado para poucos. Havendo momentos mais populares, mas sob os olhos dos setores dominantes. A participação democrática da população é extremamente recente. 

Dentro do habitus da grande maioria, o envolvimento político não faz parte de sua realidade, e esse distanciamento excludente é internalizado e naturalizado no processo de socialização. Some-se isso ao contexto da modernidade e da ideologia dominante, que procura destruir toda a credibilidade do que representa o bem comum, sejam os partidos, sindicatos e movimentos sociais, teremos uma carga explosiva de aversão, indiferença e desprezo pela política e por aqueles que estão nesse meio. E esse reflexo está nas urnas, não só nas abstenções/nulos, mas nos discurso de vários prefeitos eleitos.

*Alexandro Kichileski é Professor de Sociologia
Artigo publicado no jornal impresso Folha de Londrina

domingo, 10 de janeiro de 2016

Terceira Via

Uma terceira via?

            Os dois modelos econômico mais conhecidos (Liberalismo e neoliberalismo de um lado; Socialismo e comunismo do outro) compreendem aquilo que poderíamos chamar de uma polaridade direita-esquerda. A dinâmica desta polaridade na contemporaneidade tem levado vários autores a procurar resolver os impasses criados entre elas. Diante de uma possível falência dos modelos socialistas/comunistas e dos avanços do mundo globalizado onde o capital exerce um papel preponderante, é possível pensar um projeto político, para além dessa polaridade e que seja viável e alternativo? Uma terceira via ou um modelo que inclua em seu arcabouço teórico e prático Estado e mercado?

Neste texto vamos abordar alguns aspectos do chamado keynesianismo e dar ênfase ao pensamento de Anthony Giddens, respeitado acadêmico que exerceu uma grande influência no Partido Trabalhista Britânico e que escreveu uma obra intitulada Para além da esquerda e da direita, onde o mesmo afirma que estas duas forças políticas estão ultrapassadas e propõe o que ele chama de “terceira via”, que seria um caminho intermediário entre o neoliberalismo (direita) e o socialismo (esquerda).

            Pelo que sabemos vale a pena ressaltar alguns pontos importantes que estão na confluência dessa polaridade. Desde o século XIX, a esquerda pode ser identificada pelo valor da igualdade: a desigualdade social é inadmissível e tem na propriedade privada sua origem. O papel do Estado era tornar iguais as condições de vida. A experiência proporcionada pelo Capitalismo era a de uma produção abundante acompanhada de miséria, desemprego e concentração do capital. Por outro lado, as experiências socialistas (soviética, alemã, chinesa) revelaram as limitações do projeto de “domesticação” do mercado por parte do Estado, principalmente nas condições presentes do mundo globalizado. Em outras palavras, a postulação do Estado como agente econômico exclusivo se revelaram incipientes.

            Diante de tais experiências, é possível atingir, na sociedade civil, consensos quanto aos limites desejáveis da atuação do Estado e do mercado? Para os autores que falam do fracasso das experiências do Socialismo, qualquer forma de esquerda não poderá prescindir de alguma forma de mercado. Para os autores que criticam qualquer tipo de concentração de capital cada vez mais excludente, o mercado não pode agir sem algum tipo de controle e, quando for o caso, intervenção por parte do Estado.

            Para aqueles que defendem a necessidade de se buscar uma alternativa em relação a estes dois principais modelos, os argumentos utilizados são vários dos quais destacamos aqui apenas dois: a) o colapso do comunismo promoveu mudanças significativas no cenário político-ideológico atingindo principalmente a visão de mundo socialista: “O socialismo revolucionário, em especial aquele de estilo soviético, marxista-leninista, revelou-se uma força esgotada, devido tanto aos fracassos econômicos da planificação centralizada quanto à associação do sistema ao autoritarismo estatal” (HEYWOOD, 2010, p. 32); b) se nós aceitarmos, como o fazem os teóricos da Escola de Frankfurt, que existe hoje em dia um Capitalismo de Estado (capitalismo administrado na expressão utilizada por Horkheimer e Adorno na Dialética do Esclarecimento) e que a economia privada só pode ser mantida por corretivos estatais de uma política socioeconômica que dinamize as relações econômicas, então a ideologia liberal ou neoliberal não se sustenta sozinha e precisa, de alguma forma, da intervenção do Estado para a manutenção de tais relações.

            É para superar as deficiências desses dois modelos que John Maynard Keynes de um lado, e Anthony Giddens de outro propõe pensar um novo modelo de organização política e econômica.

            De acordo com Keynes, “em ‘Liberalismo e trabalhismo’: ‘O problema político da humanidade consiste em combinar três coisas: eficiência econômica, justiça social e liberdade individual’ (KEYNES, 1972, p. 309 apud FONSECA, 2010, p. 442)”. De um lado o liberalismo está mais propenso a defender a primeira e a última não raro com sacrifício da segunda, ao passo que o socialismo procura dar ênfase exatamente a questão da igualdade e justiça social. O desafio é buscar uma alternativa capaz de conciliar estes três fatores, de modo que a política econômica possa buscar não apenas a estabilidade, mas também a justiça social. Keynes afirma “[...] inúmeras vezes a necessidade de buscar o novo. A polaridade capitalismo versus socialismo afigura-se-lhe pobre e maniqueísta; fazia-se mister construir uma nova alternativa” (FONSECA, 2010, p. 442). A leitura da obra de Keynes evidencia pelo menos duas questões centrais: a crítica ao modelo liberal e descrença na política do “laissez-faire” e sua reflexão teórica e defesa de uma política de intervenção do Estado. “De forma explícita ou não, adotava o pressuposto de buscar uma sociedade com menos disparidades sociais e mais humana, mas sem abrir mão da liberdade, dos direitos civis e políticos, da propriedade e do reconhecimento pelo esforço e pelo mérito” (FONSECA, 2010, p. 443). O capitalismo selvagem era tão repugnantes para Keynes quanto o stalinismo soviético.

            Já Anthony Giddens propõe o que ele chama de terceira via e que iremos analisar com maiores detalhes a seguir.

A Era Giddens

Anthony Giddens retoma a reflexão de Bobbio, mas, socialdemocrata, discorda no movimento pendular do centro, apontando para uma ‘terceira via’: nem a regulamentação econômica com anarquia moral – como quer a esquerda; nem a anarquia econômica com fortes controles morais – como deseja a direita.

Com a proposta de uma Política de Terceira Via (2001a, 2001b), Giddens elabora uma resposta ao impasse entre a Social Democracia tradicional (o keynisianismo e o estado do bem-estar social) e o neoliberalismo (ou o estado mínimo e aberto às trocas externas) com a ampliação do papel desempenhado pela Sociedade Civil. Nem a auto regulação selvagem dos mercados, nem o Estado inoperante e falido; apenas democratização da Democracia pode mediar o conflito entre os interesses econômicos e políticos. A política de terceira via seria essa despolarização pragmática do modelo esquerda x direita, em que planejamento e a liberdade se combinem criativamente.  Este realinhamento dos extremos desemboca na ideia de uma política sem inimigos. Para esquerda, os maus são os Capitalistas, o mercado, as grandes corporações, os EUA, etc; para direita, os maus são: o estado inchado, o relativismo cultural, os imigrantes e os criminosos. “Mas não há uma fonte concentrada dos males do mundo: temos que deixar para trás a política de redenção” (GIDDENS, 2001a, p.45). E essa 'política sem inimigos', acima da direita e da esquerda, é também um forte argumento eleitoral.

            Muitos são os que minimizam a importância das ideias de Giddens, mas a verdade é que ela é enorme tanto diretamente - no Partido Trabalhista britânico, no Partido Democrata dos EUA e em todos os partidos socialdemocratas ocidentais que seguem explicitamente sua orientação; como indiretamente, através de imitadores inconfessos de diferentes tipos, professando ‘novas políticas’ sem os velhos polos extremos opostos ideológicos.

            Navegando entre a autonomia cosmopolita e a dependência fundamentalista, entre o público e o privado, entre a Social Democracia e o neoliberalismo (e entre outros opostos); a política de terceira via ajudou a terceirizar o estado (diminuir seus custos sem prejuízo do setor social), através de organizações não governamentais, políticas público-privadas e redes de agentes temporários. Por outro lado, também inspirou reformas previdenciárias e flexibilizações nas legislações trabalhistas, sequestrando direitos de trabalhadores e aposentados em todo mundo.

            Giddens (2003) analisa dois grupos de pensamento sobre Globalização o fenômeno: os ‘céticos e/ou fundamentalistas’, que acham que a globalização não traz nada de novo: é apenas o desenvolvimento imperialismo norte-americano; e os ‘radicais cosmopolitas’, que acreditam que ela está mudando tudo, destacando a onda mundial de adaptação econômica dos ‘países em desenvolvimento’ à dinâmica do mercado global, bem como a influência cultural desses países em relação aos ‘países já desenvolvidos’. A essa contra influência o autor denomina de ‘colonização inversa’.  Com a Globalização, as ações não são mais locais, mas têm repercussões mundiais. Repercussões que, ao mesmo tempo em que mudam as estruturas sociais, interferem na identidade do cidadão que se encontra no cerne da luta entre dependência e autonomia, entre fundamentalismo territorial e cosmopolitismo sem raízes.

            Para Giddens a Globalização e mais especificamente a globalização econômica constitui um dos mais importantes dilemas postos pela contemporaneidade. Hoje em dia os mercados movimentam bilhões de dólares em tempo real, diariamente, por todos os continentes à procura de rendimento melhor e mais seguro. Outro dilema é o individualismo: na perspectiva da esquerda o individualismo é associado ao egoísmo e consumismo; na perspectiva da direita o individualismo espelha simplesmente a permissividade que enfraquece as bases morais da sociedade. É preciso pensar ou construir novas formas de solidariedade social que assuma como legítima a demanda pela coexistência entre diferentes modos de vida. Ainda pra Giddens, na nova configuração que a política contemporânea toma, a sociedade civil organizada assume parcela significativa no espaço político. A sociedade civil deve participar e colaborar com as políticas de Estado.

Portanto, entre as características de uma terceira via que enfrente com sucesso o individualismo do mundo globalizado está a participação ativa e constante dos cidadãos que possam articular junto com o Estado uma política emancipatória que busque a Justiça Social e que dê respostas às novas questões que escapam a divisão entre esquerda e direita.

            Porém, a principal deficiência da política de terceira via é a incompreensão sobre o novo comportamento político mediado e na transformação do cidadão moderno em um consumidor de informação. Giddens até reconhece (2003) a importância dos meios de comunicação para o funcionamento da Democracia, mas não compreende sua relação com o sistema de representação e seu efeito no comportamento político.

Referências Bibliográficas

FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Keynes: o liberalismo econômico como mito. Economia e Sociedade, Campinas, v. 19, n. 3 (40), p. 425-447, dez. 2010. Acessado em 26/10/2015.
KEYNES, J. M. Essays in persuasion. London: Macmillan, 1972.
GIDDENS, Anthony. A terceira via. Rio de Janeiro: Record, 2001a.
____. A terceira via e seus críticos. Rio de Janeiro: Record, 2001b.
____. O Mundo em descontrole – o que a globalização está fazendo de nós. Rio de Janeiro: Record, 2003.
HEYWOOD, Andrew. Ideologias Políticas: do liberalismo ao fascismo. São Paulo: Ática, 2010. Vol. I.
WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Martin Claret, 2004.

Democracia Participativa

A democracia participativa é uma forma de exercício do poder, baseada na participação dos cidadãos nas tomadas de decisão política.

            Atravessamos grande parte do século XX, acreditando que a forma Representativa era um modelo ideal para os cidadãos, que assegura a liberdade e igualdade de todos, que isso seria o verdadeiro conceito de democracia, mas passados quase cem anos, chega-se ao fim do século XX e acredita-se numa crise existente nesse modelo de Democracia.

            Os representantes já não conseguem mais identificar e atender demandas da sociedade. A população tem se organizado melhor em torno de infinitas questões, e conquistando melhor o espaço público e essa população tem cobrado de maneira mais efetiva de seus representantes. As exigências vêm se tornando mais complexas e fica evidente a necessidade da participação em conjunto entre representantes e representados.

            O conceito de democracia sofre então uma nova reviravolta em sua trajetória. É preciso considerar que a democracia representativa já não responde mais as demandas da sociedade e a democracia direta parece impossível. E como síntese para a resposta dessa crise começa a se formar o conceito de democracia participativa, tendo características da forma semidireta, por não desconsiderar seus representantes, mas aproximando os representados na arena política. E conforme alguns teóricos afirmam que a democracia participativa se configura entre a direta e representativa. Dentre estes teóricos, vale ressaltar o conjunto de análises e estudos reunidos no livro organizado por Leonardo Avritzer (2009), em torno dos quais encontramos temas como: sociedade civil, cultura brasileira e participação democrática (Leonardo Avritzer, Juarez Rocha Guimarães e Cícero Araújo); participação social e direito à participação no governo Lula (Antonio Lambertucci e José Antônio Moroni); além de uma análise dos conselhos estadual e nacional da assistência social feita por Eleonora Cunha e Marcia Maria Pinheiro.

            José Moroni, discutindo a complexidade e multiplicidade dos sujeitos políticos na atualidade afirma que “[...] a democracia representativa, via partidos e processo eleitoral [...] não é suficiente para a complexidade da sociedade moderna” (2009, p. 109), sendo necessário criar mecanismos de participação que leve em consideração a complexidade do mundo moderno que possam influenciar as decisões políticas. E para Antonio Lambertucci,

A participação social [...] amplia e fortalece a democracia, contribui para a cultura da paz, do diálogo e da coesão social e é a espinha dorsal do desenvolvimento social, da equidade e da justiça. Acreditamos que a democracia participativa revela-se um excelente método para enfrentar e resolver problemas fundamentais da sociedade brasileira (LAMBERTUCCI, 2009, p. 71).

            De modo geral podemos entender por democracia participativa

[...] um conjunto de experiências e mecanismos que tem como finalidade estimular a participação direta dos cidadãos na vida política através de canais de discussão e decisão. A democracia participativa preserva a realidade do Estado (e a Democracia Representativa). Todavia, ela busca superar a dicotomia entre representantes e representados recuperando o velho ideal da democracia grega: a participação ativa e efetiva dos cidadãos na vida pública (SELL, 2006, p. 93).

            Os mecanismos e instituições da democracia representativa tem se mostrado significativamente limitados: “os velhos e tradicionais mecanismo e instituições tem se revelado muitas vezes insuficientes, embora necessários, para garantir a existência de um regime político efetivamente democrático” (Ricardo Rodrigues apud ANDRADE, 2003, p. 6-7). Com isso, novos e modernos instrumentos de controle e participação no poder devem ser permanentemente colocados em prática democrática em junção com a sociedade atual. Esses mecanismos tem que ser criados para o complemento e  não reformulação das instituições representativas, mas que englobem na dinâmica política a realidade da sociedade civil que está cada vez mais organizada em suas entidades e associações, dando a prática democrática uma realização mais dinâmica, efetiva e real.

            A democracia participativa, ou semidireta, é aquela que partindo de uma democracia representativa, utiliza-se de mecanismo que proporcionam ao povo um engajamento nas questões políticas, legitimando questões de relevância para a comunidade como um todo através de uma participação direta, seja pelo plebiscito, referendo, iniciativa popular, audiência pública, orçamento participativo, consultas ou por qualquer outra forma que manifeste a ação popular. Nesse modelo de maior participação democrática, as organizações da sociedade civil tornam-se interlocutores políticos legítimos e influentes, adquirem maior visibilidade sobretudo com o processo de democratização (AVRITZER, 1993; DAGNINO, 2002; REIS, 1995; COSTA, 1994, 1997) e, de certa forma, podemos dizer que a democracia participativa só poderá ser realizada quando os cidadãos abandonarem um certo individualismo e tiverem um maior senso de coletividade.

            Segundo Dias (2001) a qualidade da democracia pode ser medida pelo nível de participação política encontrada em cada sociedade que permite ao cidadão comum inserir-se nos processos de formulação, decisão e implementação de Políticas Públicas, e desta forma, “quanto mais direto for o exercício do poder político, mais acentuada será a capacidade democrática das instituições políticas, cujas decisões estarão mais próximas de traduzir a genuína vontade popular” (apud VIGLIO, 2004, p. 18). E Jumária Fonseca destaca o papel das administrações municipais para o êxito de um modelo de democracia mais participativa

Para que as experiências de democracia participativa obtenham êxito, as administrações municipais têm papel fundamental, através da criação de canais de interconexão que viabilizem a integração entre governo e dos diversos segmentos da sociedade, especialmente a população de menor renda. De tal maneira, que possam ser partícipes das diversas fases do processo de planejamento e de deliberação das Políticas Públicas a serem implementadas nas cidades (2009, p. 34).

            Fazendo com que o “direito de ser cidadão” esteja além do momento das eleições, dando-lhes condições de colaborar na construção do espaço público e efetivando a ideia de soberania popular, segundo a qual, “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos (Democracia Representativa), ou diretamente (tendência para a democracia participativa)” (FONSECA, 2009, p. 36).

            O problema é que “apesar de serem encontrados no sistema jurídico brasileiro, novos canais que viabilizam a integração entre representantes e representados de forma mais efetiva, o que se percebe, é que o exercício da cidadania está delimitado ao direito de votar e ser votado” (FONSECA, 2009, p. 14).

            Falta em nosso país uma cultura cívica que altere o modus operandi do sistema vigente. Falta também vontade política, seja por parte do Poder Executivo (por medo de partilhar parte do poder constituído), seja por parte do Poder Legislativo (de ver diminuído seu papel na elaboração e aprovação de leis), criando “um distanciamento entre governo e sociedade – que é próprio do regime representativo” (FONSECA, 2009, p. 15).

            Mas a crise da democracia contemporânea envolve fatores que vão além da representação e da apatia política.

            Carole Pateman afirma (1992) que desde o início do século XX muitos teóricos políticos levantaram sérias dúvidas sobre a possibilidade de se colocar em prática um regime democrático no sentido literal do termo (governo do povo por meio da máxima participação do povo). E Bobbio (2000) indica pelo menos três fatores a partir dos quais um projeto democrático tem-se tornado difícil de se concretizar nas sociedades contemporâneas: a especialidade, a burocracia e a lentidão do processo

O primeiro obstáculo diz respeito ao aumento da necessidade de competências técnicas que exigem especialistas para a solução de problemas públicos, com o desenvolvimento de uma economia regulada e planificada. A necessidade do especialista impossibilita que a solução possa vir a ser encontrada pelo cidadão comum. Não se aplica mais a hipótese democrática de que todos podem decidir a respeito de tudo. O segundo obstáculo refere-se ao crescimento da burocracia, um aparato de poder ordenado hierarquicamente de cima para baixo, em direção, portanto, completamente oposta ao sistema de poder burocrático. Apesar de terem características contraditórias, o desenvolvimento da burocracia é, em parte, decorrente do desenvolvimento da democracia [...] O terceiro obstáculo traduz uma tensão intrínseca à própria democracia. À medida que o processo de democratização evoluiu promovendo a emancipação da sociedade civil, aumentou a quantidade de demandas dirigidas ao Estado gerando a necessidade de fazer opções que resultam em descontentamento pelo não-atendimento ou pelo atendimento não-satisfatório. Existe, como agravante, o fato de que os procedimentos de resposta do sistema político são lentos relativamente à rapidez com que novas demandas são dirigidas ao governo (BOBBIO, 2000 apud NASSUNO, 2006, p. 173-174).

            Mas a crise da democracia contemporânea, longe de diminuir sua validade, aumenta ainda mais a importância da participação da sociedade civil em um projeto de consolidação do Estado Democrático de Direito.

            José Moroni (2009) aponta alguns mitos (p. 117-118) e desafios (p. 135-139) relacionados ao modelo de participação.


Gestão Democrática

            Hoje em dia se fala muito em gestão democrática como uma forma de articular a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e implementação de Políticas Públicas que devem ser elaboradas com a participação da sociedade civil em geral, obedecendo o preceito da democracia participativa que considera a participação direta da sociedade na formulação de políticas públicas e nos atos da Administração Pública.

            Por gestão democrática podemos entender uma relação que se estabelece entre Governo e Sociedade, entre a Administração Pública e a população, construída com base na Democracia Participativa e na cidadania, assegurando o Controle Social, valorizando o papel da sociedade civil como co-gestora da coisa pública, colocando em prática o princípio basilar da Democracia (governo do povo) e Constitucional de soberania popular. Um modelo de gestão que promove uma maior horizontalização das relações de poder.

            Uma outra forma de pensar um modelo de gestão democrática é através de um processo de planejamento participativo onde há um maior envolvimento da sociedade na discussão de diferentes problemas, como problemas ambientais, Urbanos, Saúde etc.

No planejamento participativo, cada participante traz uma nova contribuição para o processo de discussão. Neste sentido há uma grande diversidade de ideias (sic), metas, tarefas, habilidades e representações (onde os participantes representam distintos setores da sociedade: público, privado, científico, etc.), o que possibilita que os problemas sejam analisados sob diferentes pontos de vista. Neste sistema podem-se observar as seguintes características: i) diversidade de participantes e interesses; ii) aumento na interação entre os participantes e entre eles e os instrumentos de suporte a decisão; iii) alteração no método e processo de planejamento, já que neste caso o processo de planejamento está intimamente associado ao contexto político da cidade (MAGAGNIN, 2008, p. 18).

            É importante ressaltar que este novo conceito de planejamento público marcado pela participação popular exige a participação dos Movimentos Sociais que, bem antes do processo de redemocratização e sobretudo por ocasião da Assembleia Nacional Constituinte de 1987 que promulgou a Constituição Federal de 1988 vem desempenhando um papel fundamental para consolidação do nosso Estado Democrático de Direito.

Na Assembleia (sic) Nacional Constituinte, propostas de fortalecimento do poder de influência dos atores sociais foram apresentadas através das chamadas “iniciativas populares”, levando, com a sua aprovação, a um aumento da influência dos atores sociais em diversas instituições (AVRITZER, 2002, p. 573).

            Além disso, como afirma Antonio Lambertucci – então secretário executivo da Secretária-geral da Presidência da República na época do governo Lula –,

Os espaços de participação constituem uma grande rede entre indivíduos, suas organizações, movimentos sociais e o Estado. É por meio delas que, em boa medida, os atores sociais formam opinião, se expressam, fazem sua vontade ganhar poder coletivo e, assim, interferem nos destinos do país (LAMBERTUCCI, 2009, p. 82).

           E com base em Raquel Raichelis (1998), Eleonora Cunha e Marcia Pinheiro (2009) é possível afirmar como a partir da aprovação da Constituição Federal de 1988 o tema da participação da sociedade ganha novos contornos e dimensões na esfera pública.

Diferentes áreas de políticas públicas, que foram inscritas na Constituição de 1988 como direitos sociais, definiram como uma das suas diretrizes a participação social, dentre elas a saúde e a assistência social. A primeira já desenvolvia experiências de participação comunitária desde o final da década de 1970, como os conselhos populares de saúde e as comissões de saúde da Zona Leste (São Paulo), as comissões interinstitucionais nos três níveis de governo previstas no Programa de Ações Integradas de Saúde, criado em 1984, e no Programa dos Sistemas Unificados Descentralizados de Saúde, de 1987 (CUNHA; PINHEIRO, 2009, p. 145 – grifo nosso).

            Se, em um processo de gestão autocrático e ditatorial, a participação popular é quase nula, em um processo democrático ampliam-se os canais de discussão e participação. “O contato, que poderia ser apenas de caráter informativo, pode, em um governo participativo, permitir a partilha de decisões” (MAGAGNIN, 2008, p. 20).
Regra da participação popular no planejamento urbano associado à organização política (NOBRE, 1999, apud MAGAGNIN, 2008, p. 20)

            O resultado é um processo mais democrático, mesmo que leve um tempo maior de duração, já que é preciso compartilhar com uma determinada comunidade os diferentes problemas e possíveis soluções que desafiam a gestão pública. O planejamento participativo pode não ser o mais indicado para tratar de problemas públicos, sobretudo em caso de problemas técnicos mais complexos, devendo-se adotar um misto de planejamento tradicional e participativo: “o planejamento participativo é apropriado quando os problemas estão claramente definidos” (MAGAGNIN, 2008, p. 21).

            O processo de um planejamento participativo pode ser dividido em três fases, segundo W. Allen, M. Kilvington e C. Horn: o início, onde há o envolvimento dos diversos segmentos e definição das regras a serem adotadas; o planejamento, ou seja, o trabalho em conjunto para traçar as ações necessárias a fim de alcançar os objetivos propostos; e por fim a implementação e o monitoramento (apud MAGAGNIN, 2008, p. 19).

Fases de um processo de planejamento participativo
(apud MAGAGNIN, 2008, p. 19)

  De acordo com Renata Magagnin o processo de participação popular pode ser passivo ou ativo, dependendo “do processo adotado pelos planejadores para a participação dos cidadãos no processo de tomada de decisão” (MAGAGNIN, 2008, p. 20) e, citando J. N. Pretty (de acordo com o quadro abaixo), Renata Magagnin mostra que as formas de participação popular “partem de níveis de participação mais passiva ou manipulada (nível 1) para uma participação mais ativa ou com alto nível de mobilização (nível 7)” (apud MAGAGNIN, 2008, p. 21).

Grau de envolvimento popular no processo de tomada de decisão
(PRETTY apud MAGAGNIN, 2008, p. 21)

            É preciso considerar que a participação da sociedade na “res publica” (coisa pública) tem sido facilitada hoje em dia em função das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) sobretudo a internet – dando origem ao conceito de CiberDemocracia. A internet hoje em dia faz parte do cotidiano de uma parcela significativa da população de várias maneiras e permite a divulgação e o acesso a uma grande quantidade de informação, em várias áreas e nas mais diferentes esferas de poder: executivo, legislativo, judiciário, em nível federal, estadual ou municipal. A utilização da internet como ferramenta democrática possibilita que um número maior de cidadãos possa discutir os problemas da sociedade e isso independente do local onde ele esteja. Um cidadão do interior do Estado de Pernambuco pode acompanhar, por exemplo, em tempo real, os debates de propostas que são feitos na Câmara dos Deputados no Congresso Nacional e uma cidadã brasileira que esteja morando em algum País no estrangeiro pode fazer o download do discurso na plenária do Congresso Nacional de um deputado específico ou de um senador da república, sobre um tema de seu interesse, ou fazer uma denúncia no site da Controladoria Geral da União de má utilização de recursos públicos federais conveniado com algum ente federativo do país.

No Brasil, a internet poderia ser utilizada como ferramenta para ampliar o processo de planejamento participativo nos municípios. Outro elemento que poderia contribuir para a ampliação do processo participativo está associado à utilização de novas tecnologias. Se as prefeituras recorressem à utilização de novas ferramentas computacionais ao invés da prática atual de reuniões presenciais pré-agendadas, talvez um número maior de participantes contribuísse para o planejamento municipal (MAGAGNIN, 2008, p. 31).

Referências Bibliográficas

ANDRADE, Aparecida de Moura. A participação da sociedade civil no processo legislativo: a contribuição da comissão de legislação participativa da câmara dos deputados. (Monografia de Especialização). Programa de Pós-Graduação da Universidade de Brasília. Brasília: UnB, 2003.
AVRITZER, Leonardo. Além da dicotomia Estado-mercado: Habermas, Coehn e Arato. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, no 36, p. 213-222, 1993. Acessado em 05/10/2015.
AVRITZER, Leonardo (org.). Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009. (Coleção Democracia Participativa)
____. Modelos de Deliberação Democrática: uma análise do orçamento participativo no Brasil. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Democratizar a Democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
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CUNHA, Eleonora Chettini M.; PINHEIRO, Marcia Maria B. Conselhos nacionais: condicionantes políticos e efetividade social. In: AVRITZER, Leonardo [org.]. Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009. (Coleção Democracia Participativa).
DAGNINO, Evelina, 2002. Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
FONSECA, Jumária Fernandes Ribeiro. O Orçamento Participativo e a Gestão Democrática de Goiânia. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Planejamento Territorial). Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Planejamento Territorial da Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2009.
LAMBERTUCCI, Antonio Roberto. A participação social no governo Lula. In: AVRITZER, Leonardo (org.). Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009. (Coleção Democracia Participativa)
MAGAGNIN, Renata Cardoso. Um sistema de suporte à decisão na internet para o planejamento da mobilidade urbana. Tese (Doutorado em Engenharia Civil: Transportes). Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo. São Carlos-SP, 2008.
MORONI, José Antônio. O direito à participação no governo Lula. In: AVRITZER, Leonardo [org.]. Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009. (Coleção Democracia Participativa).
NASSUNO, Marianne. Burocracia e Participação: a experiência do orçamento participativo em Porto Alegre. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília. Brasília, 2006. Acessado em 05/12/2015.
PATEMAN, C. Participação e Teoria Democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
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REIS, Elisa. Desigualdade e solidariedade: uma releitura do “familismo amoral” de Banfield. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, no 29, p. 35-48, 1995. 05/12/2015.
SELL, Carlos Eduardo. Introdução à Sociologia Política: política e sociedade na modernidade tardia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
VIGLIO, José Eduardo. Avaliação da experiência do Orçamento Participativo numa cidade média: o caso de Jaboticabal – SP. Dissertação (Mestrado em Engenharia Urbana). Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia da Universidade Federal de São Carlos. São Carlos-SP, 2004. 05/12/2015.

Democracia Representativa

Quando falamos em democracia logo vêm diversos conceitos ligados ao direito de votar, o direito de ir e vir, de escolher os nossos governantes, enfim, são os mais variados conceitos que deixam uma ambiguidade em relação ao seu real significado.

            Em seu termo etimológico democracia significa governo do povo, governo da maioria:

por democracia entende-se uma das várias formas de governo, em particular aquelas em que o poder não está nas mãos de um só ou de poucos, mais de todos, ou melhor, da maior parte, como tal se contrapondo às formas autocráticas, como a monarquia e oligarquia (BOBBIO, 2000, p. 07).

            Na Grécia antiga o conceito de democracia estava muito ligado a participação popular, o povo ia para ágora (praça pública) e deliberava o que era importante ou não para sua cidade e principalmente deliberavam o que era melhor para seus compatriotas.

            Hoje vivemos em um modelo de democracia representativa, onde a sociedade delega a um representante o direito de representá-lo, e de tomar as decisões que melhor favoreça os interesses de toda a população. 

            Para Bonavides tal modelo tem, hoje, como principais bases:

A soberania popular, o sufrágio universal, a observância constitucional, o princípio da separação dos poderes, a igualdade de todos perante a lei, a manifesta adesão ao princípio da fraternidade social, a representação como base das instituições políticas, limitação de prerrogativas dos governantes, Estado de Direito, temporariedade dos mandatos eletivos, direitos e possibilidades de representação, bem como das minorias nacionais, onde estas porventura existirem (2006, p. 294).

            Em uma democracia representativa ou indireta, os cidadãos elegem representantes, que deverão compor um conjunto de instituições políticas (Poder Executivo e Poder Legislativo) encarregadas de gerir a coisa pública, estabelecer leis e/ou executá-las, representantes que devem visar os interesses daqueles que os elegem: a população.

            O mecanismo pelo qual os representantes são eleitos é o sufrágio universal: o voto. Durante muitos anos o direito ao voto foi negado a muitas pessoas, seja por cor, condição social, gênero. Mas aos poucos este direito foi se estendendo a uma grande parcela populacional, por lutas deles mesmos. Hoje, muito se vê a desvalorização do voto, seja por parte do eleitor, que vende, troca, deixa-se manipular, ou mesmo pelos candidatos, que usam de mecanismos ilegais para chegarem ao poder.

            De acordo com Lima Júnior:

O sufrágio universal e a igualdade perante a lei são os princípios estruturantes do sistema eleitoral democrático: um homem, um voto, um valor, constitui assim a expressão síntese e, simultaneamente, o teste efetivo da soberania popular (apud SELL, 2006,p: 87)

            No Brasil o sufrágio universal garante à população a escolha de seus representantes, que melhor possibilite a manutenção dos interesses popular com justiça e igualdade para todos. Para muitos o voto é uma poderosa arma contra a corrupção e os regimes totalitários que possam vir a oprimir a população.

            Além disso, revela uma doutrina de duplicidade entre o eleitor que legitima através do voto seu representante, e o próprio eleito que tem a confiança do povo para governa em favor do mesmo, “duas vontades legítimas e distintas [...], sendo a vontade menor do eleitor, restrita à operação eleitoral, e a vontade autônoma do eleito, oriunda daquela operação” (BONAVIDES, 2006, p. 223).

            Nessa transmissão de poderes de um para o outro, o voto significa a vontade do povo em decidir o que ele julga ser melhor para sua cidade. No entanto, esse mesmo voto que deveria representar a vontade popular, muitas vezes esbarra em um sistema majoritário que ao invés de conceber a vontade da maioria, limita-se a concentrar-se nas coligações partidárias e não no voto majoritário deixando muitos candidatos fora do sistema eleitoral.

            No Brasil existem dois sistemas eleitorais, o majoritário e o proporcional. Na eleição proporcional são eleitos os vereadores e os deputados estaduais e federais. É comum acontecer de candidatos serem eleitos com menos votos que outros que não são eleitos. Nesse sistema, o total de votos válidos é dividido pelo número de vagas em disputa.

             O resultado é o quociente eleitoral, ou o número de votos correspondentes a cada cadeira. Ao dividir o total de votos de um partido pelo quociente eleitoral, chega-se ao quociente partidário, que é o número de vagas que ele teve. Uma nova conta é feita das frações de cada partido até que todas as cadeiras sejam distribuídas.

            O sistema eleitoral majoritário é usado para eleger os chefes do executivo, o presidente, os governadores e prefeitos, e também para as eleições ao Senado. Nas eleições presidenciais o sistema empregado é de maioria absoluta, onde o eleito precisa obter mais de 50% dos votos válidos para ser eleito. O segundo turno acontece caso nenhum candidato atinja a maioria absoluta no primeiro turno da eleição. Este sistema é utilizado também nas eleições para governadores dos Estados e prefeitos das cidades com mais de 200.000 habitantes.

Crise do modelo representativo

            O sistema representativo vem ao longo dos anos recebendo diversas críticas. Isto se deve as inúmeras denúncias a respeito da administração do poder público, que ao invés de administrar em favor do povo acabam agindo em benéfico próprio.

            De acordo com MANFREDINI:

o que tem se vivenciado no Brasil é a crise desse modelo. Os representantes já não representam o povo; este, por sua vez, já não se interessa pelos assuntos políticos. O número de partidos cresce, mas as ideologias continuam as mesmas, e, o poder legislativo ainda não logrou sua independência, continua a operar com preponderância do executivo (2008, p. 25).

            Antonio Lambertucci – então secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República na época do governo Lula –, concorda com Manfredini ao afirmar que embora a forma representativa das instituições democráticas seja uma necessidade das sociedades complexas, ela carrega “[...] as limitações à expressão democrática direta dos cidadãos, o que é uma característica própria dos sistemas políticos por representação” (2009, p. 83).

            A democracia representativa é alvo de críticas pois o que mais se vê constantemente é a questão da corrupção, do descaso político, e o descaso da própria população. Dando um grande espaço para que aqueles que se elegem façam o que bem entenderem, deixando de lado os interesses da população para se auto beneficiar com seu cargo. Além disso,

A dinâmica atual da democracia representativa em nosso país revela uma triste realidade, a parcela da população que se posiciona e questiona ativamente as irregularidades praticadas e a não representatividade dos partidos políticos e governantes do país é bastante reduzida (FONSECA, 2009, p. 15).

            Deste modo a democracia representativa é uma forma de governo que visa atender as necessidades de uma grande maioria, mas que infelizmente é corrompida, aqueles que deveriam defender o povo em busca de um bem comum, desde o momento em que se elegem já usa de instrumentos que não demonstram qualquer interesse no bem do povo e sim em seus próprios interesses.

            De qualquer forma, o modelo representativo é aquele cujo poder é delegado a um representante e este tem o papel de trabalhar em benéfico de toda a população. Neste contexto, o voto mostra-se como uma importante ferramenta da participação popular, mas que pela falta de comprometimento de muitos governantes tem sido desacreditado por boa parte da população, mas que ainda assim é capaz de mudar a realidade social e política do país.

Referências Bibliográficas

BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
FONSECA, Jumária Fernandes Ribeiro. O Orçamento Participativo e a Gestão Democrática de Goiânia. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Planejamento Territorial). Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Planejamento Territorial da Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2009.
LAMBERTUCCI, Antonio Roberto. A participação social no governo Lula. In: AVRITZER, Leonardo (org.). Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009. (Coleção Democracia Participativa)
MANFREDINI,KARLA M. Democracia Representativa Brasileira: O Voto Distrital Puro Em Questão. Florianópolis, 2008.
SELL, Carlos Eduardo. Introdução á sociologia politica: politica e sociedade na modernidade tardia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

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