quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

A não política


Por Alexandro Kichileski*

Terminado o processo eleitoral das eleições municipais de 2016 foi possível constatar um porcentual considerável de votos invalidados, por vezes maiores que dos candidatos eleitos. E esses votos inválidos apresentam um problema que necessita ser pensado com  seriedade. Afinal, o que há de errado? Quais fatores  desencadearam esse fenômeno?  Penso que é preciso observar a questão a partir de duas prerrogativas: a primeira no contexto da Modernidade e a segunda diante as especificidades próprias do Brasil.

            Na Modernidade é observado a descrença nas instituições públicas e no nosso sistema representativo. Porém, diferente de outros contextos históricos, essa descrença não vem com uma organização social querendo uma ruptura, apresentando novos projetos societários. Pelo contrário, é sinalizado pela brutal indiferença. É óbvio que existe, no tecido social, grupos mobilizados, mas esses geralmente são marginalizados pela Opinião Pública, sobretudo pelos setores conservadores.

            Nós estamos reféns de uma cosmovisão endossada pelo direcionamento dos desejos ao consumo, e amparado a isso, a constante mutilação de tudo que remete ao público/coletivo. Nossa opinião é formada pelos aparelhos midiáticos, que por sua vez dependem da publicidade. Como observado por Dominique Quessada, a publicidade comunica, mas na ideologia consumista ela é uma ferramenta que [re]orienta os cidadãos (ou seriam  consumidores?) a negar os elementos simbólicos da coletividade, ressaltando  o ideal de vida apenas no individualismo exacerbado. Podemos compreender, inclusive, esse fenômeno como manifestação que rivaliza com o discurso político. Assim, existe uma ideologia que se diz contra ideologias e associa a política a tudo que é pejorativo. Nessa lógica maniqueísta o discurso apolítico é visto como ideal a ser seguido nesse mundo desencantado.

            Dito isso, parto para a segunda prerrogativa. Acredito que o primeiro problema é a ausência de rupturas políticas na História do Brasil. Nosso processo político sempre se deu de forma mais conciliadora. A transição do modelo colonial para o império foi regido pelo filho do rei. Pagamos, aliás, indenização à Portugal. Posteriormente, como observado pelos historiadores, a República veio por setores sociais que já se beneficiavam das políticas do Império e apesar da etimologia da palavra, a grande maioria da população brasileira não participou desse evento histórico. Quando houve uma tentativa de reformas profundas, com o Jango, grupos opositores aproveitaram da histeria anticomunista e com os militares o tiraram do poder. A redemocratização, depois de décadas de obscurantismo, veio aos poucos, consentida pelos militares e diversos figurões estão no exercício político até hoje.

            Quase sempre a política brasileira foi dirigida por poucos e focado para poucos. Havendo momentos mais populares, mas sob os olhos dos setores dominantes. A participação democrática da população é extremamente recente. 

Dentro do habitus da grande maioria, o envolvimento político não faz parte de sua realidade, e esse distanciamento excludente é internalizado e naturalizado no processo de socialização. Some-se isso ao contexto da modernidade e da ideologia dominante, que procura destruir toda a credibilidade do que representa o bem comum, sejam os partidos, sindicatos e movimentos sociais, teremos uma carga explosiva de aversão, indiferença e desprezo pela política e por aqueles que estão nesse meio. E esse reflexo está nas urnas, não só nas abstenções/nulos, mas nos discurso de vários prefeitos eleitos.

*Alexandro Kichileski é Professor de Sociologia
Artigo publicado no jornal impresso Folha de Londrina

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