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terça-feira, 6 de junho de 2017

O Confessionário


Por Antonio Luiz Carlini em 17/10/1987

Muita agitação no terreiro da Moradia de Basílio Sipolatti, naquele inicio da década mil novecentos e trinta, quando estavam em um sábado de março e já havia sido iniciada a colheita do café, não com peneiras, mas as tarefas da capina e arruação, bem como o excesso de zelo na preparação do terreiro, onde secariam os grãos, depois de colhidos do chão e lavados naquele poço raso, sempre instalado, ou escavado em uma das bordas do terreirão.

Todos colocando em dia suas obrigações, por que no Domingo, iriam todos para a Capela de São José do Caldeirão, onde o Frade já estava desde aquela manhã. Ah! Querem saber como já sabiam que o Frade estava lá? “- Pois, segundo Jácomo Loss, concunhado de Basílio Sipolatti, o cachorro dos Coser, considerado por Basílio Sipolatti, o cão mais inteligente da história, naquela manhã latiu e riu ao mesmo tempo, quando perto de sua casa passou, mesmo que a cavalo, um homem barbudo usando saia marrom. O cachorro cumpria sua obrigação de latir para estranhos, mas tinha mesmo era vontade de rir daquela situação! Jácomo Loss, esbravejava, mas se continha para não puxar as orelhas de Basílio”.- Mas Basílio Sipolatti e Rosina Ziviani, junto aos filhos alguns adolescentes, por que alguns já adultos estavam fora por casamentos contraídos antes. No Domingo, às três da manhã, preparam as obrigações indispensáveis em um sítio, tais como ordenhar vacas de leite, separar bezerros, alimentar porcos e galinhas e, com estas últimas, a tarefa mais nobre de um caipira, apalpar para saber qual teria ovo! – Destarte comentar, para quem não viveu na roça, informar que apalpar galinhas foi motivo de muita gargalhada, depois que causou muitos traumas, se aquela tarefa coubesse a um rapaz, ou menino adolescente-.

Nas cinco primeiras décadas do século XX, depois de cinco do século XIX, mas não sei quando começou, a “Santa Madre Igreja Católica” celebrava  “SANTAS MISSAS”, (EM LATIM), sempre nas primeiras horas da manhã, por que quando da “Santa Ceia” ou seja, a ‘EUCARISTIA”, os fiéis confessados, deviam ir em Jejum para receber a “COMUNHÃO”. Por isso as confissões ocorriam de madrugada. Segundo um Bispo, que ocupou o mais alto cargo da Santa Sé, isto também prevenia a presença de embriagados no ritual!

Três da manhã. Quatro panelas contendo alimentos, como se fossem levar almoço na roça. Todos ávidos pela aparência com sua única roupa de Missa. Sob luz de lamparina, observação à procura de uma possível mancha. Paletós e vestidos sacudidos na Varanda. Descobrem que um dos adolescentes esquecera-se de engraxar as Botas do Basílio e que uma das mocinhas não deu brilho nos sapatos da Rosina. Os demais iriam descalços, embora que usando terno ou vestido de renda. “Manhã iniciada com algumas blasfêmias e muitos “antidios”“, por parte daquele patriarca, que em seus anos convivendo com brasileiros de várias regiões, adicionou ao seu trivial das figuras de linguagem, o cacoete de sempre acrescentar como sufixo ou prefixo em todas as frases, a abreviatura de “Lo juro davante Dio”, para um simples “antidio”. Vê-se ali uma hipócrita maneira de disfarçar outra blasfêmia, pois, TOMAR O SANTO NOME EM VÃO, para juras ou injúrias, feria o Segundo mandamento: -“Não jurarás, tomando o Santo Nome de Deus”! Tampouco cometerás injurias, invocando “Seu Sagrado Santo Nome”!

Aquele cacoete herdou-o os filhos, Severino, Ângelo e Aristides, que equivocadamente usufruíram da fama de serem autores, mas o autor foi o Pai Basílio.

Uma das características peculiar em Basílio era nunca pronunciar uma frase com mais de quatro palavras, sem citar qualquer um dos objetos sagrados de sua Santa Igreja, tais como, sacramento, Hóstia, Porco Dio ou Porca Madona. Quem conviveu com ele, afirmavam que o dito cujo nunca esqueceu estas comuns palavras para blasfemar e que o fazia sem perceber. Porém, Rosina Ziviani, sua esposa, muito carismática, no que concerne guardar e respeitar as Coisas Sagradas, sentia-se incomodada com aquela situação e aplicou nele, a greve do leito. A principio ele blasfemou e desdenhou. Mas passados alguns dias, foi ele procurá-la para tanto e ouviu, vindo dela, a seguinte resposta: “-Só vai ter de novo, quando for ao confessionário e pedir a absolvição por parte do “ Frade”, se é que ele, não vai te excomungar! De agora em diante, só terá “aquilo” de novo, quando estiver sem pecado” -. “Segundo ele contou para o Sobrinho, meu Nonno João Carlini, depois de alguns dias de jejum e abstinência “daquela especial e perseguida carne”, descobriu que qualquer sacrifício seria pouco, se acabasse com aquela greve”. Pois, aquela era a mãe dos filhos e ele sentia obrigação em respeitar um pouco das aspirações dela para com seu credo, mesmo por que à força, cairia no descrédito dos filhos, além de magoá-la. Resolveu então que confessaria e comungaria, fazendo como os demais, a Sagrada Páscoa, naquele domingo de março.

Uma vez na Capela, ao romper do Dia, chegam e encontram quase toda a população de Caldeirão, ocupando os bancos da Nave do Templo. Somente Jácomo Loss em pé, indicando a ordem dos que iam ao Confessionário, enquanto os demais rezavam o Rosário, que dado o numero de candidatos ao Confessionário, com apenas um Frade, vários terços foram ditos.

O cito local, atualmente ainda é uma colina, onde uma brisa, ou os ventos mais fortes, tornam o ambiente mais frio que todo vale, especialmente nos meses de março a agosto. Isso devido à atmosfera em acordo com as estações. (...) Chegou a vez do Basílio, que ao passar perto do Jácomo Loss, não gostou do sorrisinho daquele sacristão, pois, deixou até aparecer os dentes debaixo daquele vasto bigode, mantido por Jácomo como uma marca pessoal para impor respeito.

Ocorreu nas conjecturações de Basílio, que talvez Jácomo soubesse de sua abstinência de leito, já que Rosina e Carmelina Corteleti eram comadres, sendo que a Carmelina era casada com o Jácomo. “Teria Rosina confidenciado à Carmelina, que contou a Jácomo, seu infortúnio em casa?” (...) Mas, por cargas d’água, já que estava ali, primeiro iria ver o Frade e depois, quando este fosse para o desjejum na Canônica, inquiriria ao sorridente só com ele!

Ajoelhado no confessionário, pela telinha viu o Frade, lembrou-se do cão dos Coser. Pensou rir, mas, aquele sorriso do Jácomo o incomodava.  O Frade, com aquele exagerado sotaque siciliano, deu início à conversa: - Buom Giorno, sinhore! L’ei fredo, nó?  (Bom Dia Senhor, está frio não é?).  Basílio responde com educação: - “Hóstia”, está muito frio! E ainda para piorar, tem este “sacramento” deste maldito vento, que ao certo o “ pórco Dio” do diabo, trouxe para esta Igreja!

Réplica do Sacerdote: - Até aqui no confessionário o senhor tem que blasfemar? Tem que parar com isso! Sabia o Senhor, que está ofendendo Deus e a Santa Madre Igreja com essas palavras?

- Hóstia, claro que sei!  Sacramento! Por isso estou aqui, ‘”porca madona’”!
-O Senhor continua proferindo blasfêmias! Tem que parar! Se continuar te expulso da Igreja!

- Eu quero parar, Pórco Dio! Má Sacramentos, hóstias e pórcos dios, já estão na minha saliva!

- Continua blasfemando! Tem que parar!

- Eu sei, hóstia!

-De novo! Outra blasfêmia! Vai ter que rezar ao menos uns quarenta terços e pagar ao menos umas doze arrobas de café! Depois vamos pensar se Deus te concede a indulgência!

- Sacramento! Doze arrobas? O que Deus vai fazer com tanto café, pórco dio?

- Vai, Deus não pode te absolver! Mas se prometer pagar vinte arrobas, talvez ainda eu possa te conceder a absolvição!

- Sacramento! O que vou dizer para a Rosina se eu não for perdoado!

- Está bem! Procure não blasfemar mais, porém, faça uma doação para a Construção da Matriz e do Seminário lá em Santa Teresa. Assim vai poder comungar, mas não se esqueça das doações, se quiser a indulgência!

- Sacramento! Anti Dio que por essa eu não esperava, hóstia!

Saiu do confessionário e foi para os bancos ajoelhar-se e rezar, sabe-se lá pensando o quê!

O Frade interrompeu o recebimento de confissões e foi para os fundos. Passados dez minutos Jácomo o trouxe de volta. O frade esboçava risos, mas os bigodes de Jácomo tremulavam, pois, acreditaram as testemunhas, meus avós e meus tios mais velhos, que Basílio provocou risos no Frade, dado o seu modo peculiar de falar, sempre blasfemando.

Matheus Ângelo Ziviani, filho caçula de Francisco Ziviani, estava entre os fiéis lá presentes, sentado e quietinho, ao lado da mãe. Narrou-me tal episódio em minha adolescência, com riqueza muito maior de detalhes do que o aqui exposto, depois que em minha infância, já o tinha ouvido de meus tios e do Nonno Carlini.

_* “Estamos convivendo hoje, até com a quarta geração, posterior àquela, porém, histórias e fatos envolvendo Basílio Sipolatti, tendo este como pivô, ator,  ou personagem coadjuvante, ainda são atrativos para as prosas sobre a História da Colonização”! *_


Fundadores da Capela se São José

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Tabocas - ST – big bem – o início


Por Antonio Luiz Carlini escrito em 14/09/1997 publicado em 02/06/2017

Tudo era mata, MATA ATLÂNTICA maculada apenas por algumas picadas, por onde passaram os agrimensores e seus auxiliares. Sendo que já se passavam quinze anos, desde os primeiros lotes de terras, já estarem ocupados no Município, em Caldeirão por Carlini, duas famílias, Corteletti, três famílias, Zanotti, três famílias, Degásperi uma família e, em Tabocas só a Ziviani, mas ainda pensando estar em Caldeirão, devido terem acessado aos lotes, subindo pelo Vale do Rio Santa Maria e seus afluentes, quando Giácomo Corona, também vindo por aquela direção, recebeu e ocupou seu lote, seis quilômetros abaixo da nascente do Rio do Vale das Tabocas.

Foram informados, Giácomo e esposa, serem os primeiros a entrar naquele baixio do Vale, entre a primeira e a segunda cachoeira das Tabocas. 

Passaram-se quase três meses, desde a ocupação dos lotes, quando começou escassear demais os víveres para a sobrevivência, com alimentos, que combinados com caça e pesca, duraram mais, além de que, palmitos, ajudaram muito. Porém, nos dias sagrados, quando não trabalhavam na derrubada ou plantio de vegetais, como hortaliças e cereais, cuja colheita era planejada para menos de seis meses, a alimentação deles corria perigo, dada a distância que estavam do Patrimônio dos Polacos – Hoje Santo Antonio do Canaã – ou Boapaba, ou então Itapina, lá na margem direita do Rio Doce. Naquelas circunstâncias, caçar e pescar mantinha-os, mas a busca por palmito melhor, inclusive frutos de palmeiras, aos quais sabia o patriarca Corona serem comestíveis, por que observava os porcos selvagens, as cutias, os primatas, além das gordurosas antas e capivaras, deles se alimentarem. 

Em uma daquelas entradas pela MATA, seguindo na direção sul, depois que deixou seu barraco, naquela época, moradia, afastou-se da clareira já aberta, mais do que das vezes anteriores que o fizera. Estando no Alto de encosta, onde atualmente, esta a Capela de Nossa Senhora Auxiliadora – Tabocas -, Giácomo Corona ouviu o canto de um galo doméstico. Som vindo de um ponto mais baixo, mas bem próximo donde estava a concentração das Tabocas – taquara extinta no local -. Resolveu que almoçariam frango, pois, em sua concepção, alguém, dentre os colonizadores, havia perdido um galo, picadas afora. Foi se aproximando de onde vinha o som produzido pelo galo e ouviu um latido de cão. Irritou-se ao lembrar que ao receber o lote, as autoridades imperiais brasileiras lhe garantiram não haver lobos ou cães selvagens nas florestas capixabas. Empunhou a espingarda. Engatilhou, pois, sabia que agora teria que disputar aquele galo com os possíveis caninos, espreitando-o sob a árvore, onde ao certo o galo perdido se havia empoleirado para escapar aos predadores selvagens.

Aproximando-se mais, sem ter ainda localizado o galo pretendido, foi descoberto pelo cão doméstico que mais o recepcionava do que ameaçava. Tendo o cão seguido em retorno para a direção de onde viera, Corona o seguiu e visualizou a clareira, um barraco semelhante ao seu e crianças italianas naquele terreno sem vegetação o observando. O galo correu esconder-se no outro lado da cabana e foi acompanhado por umas galinhas. Quando uma das crianças gritou chamando pelo pai que no momento estava fora da clareira, aumentando a estradinha de acesso à margem do Rio Tabocas, ainda servindo-lhes de área de serviço e água para uso doméstico. Por uma abertura na cabana, à guisa de porta, saiu uma senhora jovem, que lhe acenou em cumprimentos italianos e do outro lado apareceu aquela caricatura de Bandeirante, só que muito mais jovem do que Domingos Borba Gato - O ANHANGUERA -. 

Era o encontro de Giuseppe Baptisti com seu primeiro vizinho de Tabocas, o pioneiro Giácomo Corona, este que depois de atravessar dois lotes, os quais, posteriormente couberam a Henrique Ferrari e Giocondo Zamprogno.
Por longo tempo conversaram. E entre os assuntos, surgiu a necessidade de ambos em mais encontros para as rezas, juntando as duas famílias, enquanto que ainda não se ajeitavam para planejar uma Capela, que só foi possível quando mais famílias chegaram, tais como os Loss, (quatro clãs), Zamprogno, Ferrari, Thommasini, Passamanai, Sperandio, Stinghel e outra vinda de Coser, por que os pioneiros estavam em Caldeirão. 

Entretanto, dedicaram algum tempo fora de suas roças, para abrir a picada, subindo o Vale do Rio, transpor o Divisor de águas e acessar mata adentro, as cabeceiras do Rio São Lourenço, para chegarem mais fácil ao Núcleo Antonio Prado, onde já havia concentração de italianos querendo também, melhorias como eles nas condições de vida, já que as autoridades brasileiras os desassistiam por completo.
Giuseppe Baptisti, um dos pioneiros de Tabocas, fez muito esforço físico para a existência da Estrada Velha de Tabocas, pois, para alimárias de tropas, tinha que ser mais larga, agilizando a passagem dos lotes de café, ligando-a com Santa Teresa – Antigo Núcleo Antonio Prado ou Núcleo THIMBUHI. Porém, menos de trinta anos depois, estava ele ás voltas com esforço físico e financeiro para realizar uma estrada para caminhões, já que a de Santa Teresa e Figueira de Santa Joana –Itarana – se concluía. 

TABOCAS = Espécie de taquara. Origem do nome= Tupi-guarani. O Vocábulo compõe-se de uma frase dos aborígenes, unindo taba, coletivo de casas e oca, a casa, pois, o Padre José de Anchieta escreveu que no original, seria o certo dizer tabaóca! Por que aquelas taquaras abrigavam inúmeras espécies dos animais silvestres do Vale.

ANHANGUERA = Diabo Velho! Anhangá, o espirito mau, que existe há muito tempo!

DOMINGOS BORBA GATO = Bandeirante Paulista que incendiou aguardente para amedrontar os silvícolas reticentes em lhe mostrar onde se iniciava o filão de Ouro nas Minas Gerais!


Quer queira ou não, os historiadores que passaram por Universidades, por mais que trabalharam em suas pesquisas, não conseguiram ver o brilho da alma, nos olhos de nossos colonizadores chorando a saudade da Itália ou Alemanha, com especial atenção aos pais que lá ficaram, por que não aguentariam a fatídica viagem!

terça-feira, 30 de maio de 2017

Alemão da Terra Fria


A crise econômica em virtude do preço do café, somada a necessidade de ter mais milho oriundo de seu próprio cultivo, levou os teresenses habitantes de terras mais altas do que Várzea Alegre e seus vales, especialmente aquele por onde desce o Rio Santa Maria do Rio Doce, forçados pelas circunstâncias, ao deslocamento, partindo de suas casas nas montanhas com destino àquelas terras mais quentes, onde o solo sedimentar, mesmo que “lato solo”, era muito mais apto para a agricultura manual ou rudimentar. Pois, o milho, carente de solo mais fértil, além de alimentar suínos e galináceos em contrapartida com “aipim” (“mandioca”), era artigo de primeira necessidade na mesa daqueles, sejam italianos de Tabocas ou Caldeirão, ou alemães, da Vargem Alta ou Serra dos Pregos.  Italianos providenciando nossa preciosa POLENTA, enquanto os alemães, o seu precioso BROT. 


Percebem os que conhecem a Geografia do território, bem como seu relevo, quais não foram as dificuldades para cultivarem milho, especialmente os alemães de Vargem Alta, ou seja, os Braum, Thonn, Bausen, Stortch, Zummach, Kinch, Brandt, etc.., haja vista, que algumas famílias iam até o sopé da Pedra da Onça, cultivar milho “A MEIA”,  com o proprietário das terras quentes. Onde ainda, em raríssimos casos, “A TERÇA”. Quando neste último caso de parceria, o proprietário ficava só com 33,336% do produto colhido e não 50%, como eram nos casos de “meia”, a parceria!


Aquele tipo de vida foi extremamente desgastante, exaustivo, pois, a trajeto da distância era percorrido a pé, com raros casos de pessoas a cavalo. Havia os que conseguiam acampar lá na terra quente, porém, minoria. Em compensação daquela vida árdua, ignorada e desdenhada por tudo o que está sob a responsabilidade do PODER PÚBLICO, especialmente a Previdência Social, fez da maioria daqueles lavradores, exímios maratonistas em caminhadas. Pois, não importava se o caminhão ou ônibus não veio ou não ia, tinham pernas treinadas para trinta ou cinquenta quilômetros em uma jornada, iniciando-a, às três da manhã!


Muitíssimos, talvez até milhares, são os fatos ocorridos, fugindo da normalidade daquela rotina assaz excêntrica, na luta pela sobrevivência, que se poderia narrar em contos ou crônicas, numa antologia, ao que ouvimos nossos NONNOS comentarem: - Uma maldição da Itália e da Alemanha-Pomerânia veio conosco para o Brasil. Lá também tínhamos que andar longe, mesmo em temperaturas negativas, por que o Trigo não crescia em nossas montanhas!



Dos muitíssimos casos, destacamos aqui, o de nosso conterrâneo Henrique Braum, filho de Augusto Braum, agora septuagenário e sem medo de admitir seu medo na adolescência, pois que, da Vargem Alta, acompanhava pais e irmãos maiores para tanto, às terras dos Simoura, disto quatro quilômetros, além da sede Várzea Alegre e, vinte e oito de sua Casa nas terras frias da mesma Montanha, porém, lado oeste da Rampa de Voo Livre - Santa Teresa ES.

Mal Henrique Braum entrava para a puberdade, já contava com ao menos quatro anos de experiência naquele extenuante “modus vivendi”.  Fugia ele à regra da maioria, por que quando os pais precisavam ficar naquele paiol emprestado pelos Simoura, a guisa de alojamento, também na noite de sexta-feira, para aproveitar seis horas de trabalho no sábado, tinha ele que sair de lá duas horas antes do anoitecer, para ao amanhecer do sábado estar na Vargem Alta e não faltar à Catequese da Igreja Luterana, assaz severa na cobrança com a assiduidade dos fiéis.

– Os paióis cansavam mais que o próprio trabalho, com aqueles leitos improvisados no chão, ou em raros casos, os catres -.

Cobrir vinte e oito quilômetros, depois das dezesseis horas, custava extenuante caminhada, que quando entrava em seu epílogo, era passar pelas Matas do Giuseppi Baptisti, no alto do vale do Rio Tabocas, onde a “Estrada de Tropas” media às vezes, apenas um metro e meio de largura, com uma extensão de uns dois quilômetros de Mata Atlântica preservada, local este onde, todos adultos, sejam italianos, alemães ou “brasileiros”, que passaram à noite, viram e ouviram coisas de arrepiar até o cabelo do relógio. Iam desde onças, surucucus, assombrações e toqueiros, até ciganos assaltantes!

Mas para Henrique admitir seu medo, era abrir mão da fama conquistada entre família e parentes, pois, pouco tempo antes, tinha ido à Farmácia do Iris Croce em Santa Teresa, buscar um remédio, depois que ninguém havia tido a coragem de fazê-lo, após ter escurecido. Portanto aceitava passar lá depois das vinte e uma horas, mesmo adolescente, por que mais e mais aumentava sua fama de destemido. Confessou-me ter ficado vinte e quatro horas com dores na mucosa anal, depois daquelas demonstrações de coragem. Mas não revelava aos familiares, por que se o fizesse, irmãos maiores e primos poderiam o considerar medroso como eles. Porém, se acusados, brigavam.

Em três das viagens sozinho, passava pelo Cemitério de Tabocas, dando inicio às orações. Relatou que algumas que deveria aprender e manter decoradas para receber a Confirmação na Igreja Luterana, - Crisma para Católicos – não as aprendia na Igreja, mas ali as recitava como o mais hábil dos velhos pastores. Atualmente orgulha-se de ainda não as ter esquecido, seja em Português ou Alemão, dizendo:

 - Quando o medo é extremo, a gente consegue até voar! Pois, na última das três vezes que passei lá sozinho, na “boca” da mata, assustou-me uma coruja Murucututu. Dei inicio a uma corrida e aquela coruja assustadora me seguindo com seu silencioso voo, mas horrendos e de mau agouro, pios. Quando chegamos ao final dos dois quilômetros de mata, cheguei antes da ave. Senti uma água morna no peito, pensei ser trapaça da coruja, mas não, era minha língua tocando o peito, já que os botões da camisa se abriram como se eu surfasse sobre um avião!

Atualmente a situação se inverteu entre os agricultores, por que os habitantes de Várzea Alegre, cuja população aumentou trezentos por cento desde aquela época, estão subindo as montanhas para cultivar tomate. Entretanto, sempre com caminhões, automóveis, camionetes ou as incontáveis motocicletas!

Nossos concidadãos eram identificados pelos italianos que lhes concediam parcerias agrícolas, ou eram consortes destes na atividade, como os “Alemães das Terras Frias”.

terça-feira, 23 de maio de 2017

Na béstia uma aparição sobrenatural




Por Antonio Luiz Carlini

“Béstia” é o nome de um jogo de cartas, cujo desenrolar foi diversão muito atrativa entre nossos antepassados, causando até dependência entre alguns. “Na falta de outras opções de entretenimento, “quando à noite não podiam jogar “MALHA” (maia)”, ou ‘BOCCIA”, (bola de pau), em virtude da luminosidade apenas conseguida com lampiões ou lamparinas, aquele carteado foi uma opção, senão para a diversão, também para apostar alguns réis!

Pois, no vale que aparece nas fotos acima, -atualidade- disto a menos de dois quilômetros da Capela e respectivo Cemitério de São José do Caldeirão, viveram várias famílias de meeiros, primeiro do Mateus Corteletti, depois do Estevão Corteletti, filho do primeiro. Porém, no início da década de mil novecentos e trinta, ali estavam Angeli Atílio, Zanetti Sebastião, além da Família Piffer, esta com vários membros, para formar uma comunidade dentro da supracitada, somando-se das três, as respectivas proles.

O segundo, dos filhos da família Zanetti, antecessor de quase uma dezena, por dom natural, ou por exaustivo treino, era bom prestidigitador, cuja habilidade em manusear as cartas, lhe permitia sempre ganhar naquele jogo, senão com a sorte, trapaceando com a maestria de um daqueles mágicos de circo. Entretanto, depois de três ganhos de toda a aposta, sua mãe de sobrenome Zachè, o delatou para os demais que passaram a não aceitá-lo mais no carteado. Disse ela: - Não quero que meu filho seja um ladrão! Ele está viciado no jogo e ganhou roubando. Prefiro que ele sofra frustração agora, que penalidades mundo afora!

Um jogo marcado para aquela noite, onde ele foi o primeiro a chegar! Contudo, cada um que foi chegando para a Béstia e o Rizotto (rizzòtti) da meia noite, declaravam que se aquele rapaz participasse do jogo, este não participaria, já que não concordava ser surrupiado doravante.

Calorosa discussão naquele escurecer, resultou com o Patriarca Zanetti, ordenando que o filho ficasse fora. Este protestou! Um dos Piffer incomodado com aquela situação teve a ideia de desafiar o rapaz, com uma tarefa para lá de inusitada: - Se você for lá ao Cemitério e nos trouxer aqui, aquela cruz com a inscrição DESCONHECIDO, cujo corpo encontrado ali na PICADA, foi enterrado sem identificação, depois que foi encontrado pelo Vaqueiro dos Corteletti, assassinado sabe-se lá por quem e, sua alma até ontem rondou por ai, assustando quem se atreve passar lá de noite, nós te deixaremos jogar conosco!  Ele concordou e saiu. O patriarca Zanetti ria e dizia: - Ele é mais medroso que a menina de quatro anos, daqui a pouco vou lá olhar se ele não está debaixo da cama!  Daqui a pouco vou!

E passou uma hora.

Calor lá fora, janelas e portas abertas, mulheres nos serviços com o RIZZOTO e os Galetos sendo preparados. Muita conversa. – comum nas reuniões de itálicos-. Notícias sendo colocadas em dia, no normal vozerio. Homens absortos no jogo, muitas blasfêmias para comemorar três cartas boas, ou para protestar contra três ruins, criando ali entre aqueles seis homens outro vozerio, concorrendo com o grave, ao som mais agudo lá na espaçosa cozinha. Muitas lamparinas e dois lampiões queimando o querosene. Meninas mostravam bonecas de pano e o machucado no pé, obtido quando foi buscar as vacas e pisou no espinho de MARIA POBRE. Outra mostrava a vermelhidão no braço de pele caucasiana, irritado pelo contato com o ARREDIABO.  Mesmo assim ouviram as pisadas daquele sapato de solado duro que chegava correndo, impossível de ser abafado pelas palavras do jovem Zanetti: - Deixe-me levar, depois devolvo! Isso repetidamente.  Deixe-me mostrar, é um empréstimo, depois devolvo!

Irrompeu adentrando a sala onde acontecia a BÉSTIA e disse: - Aqui estão a Cruz do desconhecido e a caveira dele, mas não quero jogar, ele está correndo atrás de mim, desde lá do PAU D’ALHO, por isso deixo na mesa para vocês verem, mas vou logo levar de volta, por que ele está chegando aí!

Depositou sobre a mesa de madeira rústica, uma cruz e um crânio que tomara no ossuário do Cemitério, fingindo estar com muito medo. Aquilo fez com que faltassem portas e janelas na casa para a retirada dos jogadores de Béstia, conquanto os outros tantos que estavam na cozinha. Vários membros daquelas famílias passaram a semana seguinte, senão mancando, então expondo lesões, dos machucados que não sentiram acontecendo, enquanto o falastrão recolhia o dinheiro que os seis homens esqueceram-se de levar, quando da debandada.


A família Pifer passou a semana comendo arroz requentado com polastro (frango), também requentado. Exceto para aquele jovem atrevido, todos aqueles ficaram sem respostas, para algumas perguntas, até o fim da vida: - Por que um morto desconhecido dos italianos levaria embora o baralho, as fichas e o dinheiro do jogo? Onde esteve aquele rapaz enquanto alguns tentavam sair do brejo, se desvencilhar do CALUMBI, se reencontrar na escuridão, lavar no regato, o sangue das lesões, encontrar o caminho de retorno para casa? Mas o professor deles escreveu: - Enquanto todos não entendiam, o engodo, o rapaz de posse do dinheiro, enterrou o baralho e as fichas - sementes de guapuruvu - que ganhou de forma diferente; devolveu ao cemitério os objetos emprestados!


quinta-feira, 18 de maio de 2017

Brincar enquanto o diabo não leva vocês

Por Antonio Luiz Carlini Santa Teresa - 17- 05 - 2017  

- Sim! Preciso me apegar na descontração dos brasileiros, que conseguem rir dos próprios infortúnios, como o nordestino que ri, ou faz piada com seu terrível sofrimento, tal como a seca prolongada que os assola, enquanto são perseguidos pelo Governo Federal, como um Golpe de Misericórdia, depois que sobreviveram ao Cangaço e tiveram que abafar a ideia de independência ajudando Antônio Conselheiro!

Tudo isso para justificar a mentira da traíra de seis quilos, no entanto, hoje tenho uma que talvez ninguém acredite, mas esta eu posso provar com testemunhas: Tenho três filhos, João, o Joanim, Riccieri, o Rizieri e Alberto, que virou o Bertin, três da mesma mãe e mesmo pai, mas três naturezas distintas, como água e vinho. Porém, o do meio, como sempre, o mais problemático. Não ri, não pede, não denuncia, mas qualquer coisa que quer e está com os irmãos, apanha e nega ter apanhado, além de que às vezes sabota os feitos dos outros. Isso por pura maldade, ou talvez inveja, me levando crer que se fossem só dois eu estaria diante de Abel e Caim reencarnados, o que desconsidero por que lhes ensinei a doutrina Cristã. 

Tantas aprontou com os irmãos que o menor planejou vingança, mas parece que a sorte sempre está com ele, pois, o filho do meio, revoltado mas de maior sorte. Tanto que tomaram de suas varas de pescar piabas ou acarás e rumaram para o Rio, disputando na força os locais onde ficaria cada um deles, sendo que o caçula sempre pegava mais, mesmo estando onde os outros estiveram antes e nada pegaram.

Colocaram minhocas nos anzóis e deram inicio à pesca, mas logo em seguida, Riccieri  foi para local mais afastado realizar esvaziamento intestinal, depois de ter deixado sua vara fincada no chão e o anzol com isca na água. O menor foi até aquele local e tirou a minhoca, colocando uma raiz de mandioca amarrada na linha. Riccieri voltou deixando para trás o que levou na barriga, junto com umas cinco folhas de ingazeiro sujas e pegou a vara. Soltou enorme grito quando viu que havia pescado um jacaré de dois metros e quarenta e nove centímetros. 

- Quarenta e nove, por que não logo dois metros e meio, seu Nazareno?

-Por que se eu dissesse meio metro, vocês poderiam achar que estou mentindo! Respondeu Nazareno Degásperi, filho de Gugliemo Degásperi, que esteve entre os quatorze fundadores da Capela de São José de Caldeirão, mas viveu onde situa-se a de São Sebastião do Rio Perdido, na Margem esquerda do Rio Santa Maria do Rio Doce, próximo à afluência do primeiro citado.

- Mas seu Nazareno, o que fizeram com o Jacaré? Como foi possível três meninos tirarem um monstro daquele do Rio?

- Aqueles meninos são filhos de Nazareno Degásperi! Se tivessem nascido no Egito, não teria sido Moisés quem abriu o mar vermelho, mas um dos Degásperi!

- Essa foi demais! E agora onde está o jacaré de “dois metros e quarenta e nove centímetros”???!!!!  

- Na “manga”, junto com os porcos! Colocamo-lo lá para engordar, mas descobrimos que o dito cujo está ensinando os porcos pescarem para comer. Basta que deixemos os porcos sem raízes de mandioca e eles vão junto com o jacaré, que adora “aipim” (mandioca), pescar!  O que está atormentando o menino do meio é que o caçula, afirma de pé junto que ele pescou o sauro e não o do meio. Entretanto vou logo advertindo: - Não adianta ir lá conferir! O jacaré é tímido! Se aparecer alguém estranho ele se esconde, enquanto os três meninos negam a pescaria, por que tem medo que alguém o roube e eles tenham que fazer o serviço de ensinar os porcos pescarem!


Aquele Degásperi usufruiu até de certa fama em sua época, quando galgou o troféu social de ser o maior mentiroso da Comunidade com absoluta maioria, itálica!

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Dag Vulpi

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