Por
Antonio Luiz Carlini
“Béstia”
é o nome de um jogo de cartas, cujo desenrolar foi diversão muito atrativa
entre nossos antepassados, causando até dependência entre alguns. “Na falta de
outras opções de entretenimento, “quando à noite não podiam jogar “MALHA”
(maia)”, ou ‘BOCCIA”, (bola de pau), em virtude da luminosidade apenas
conseguida com lampiões ou lamparinas, aquele carteado foi uma opção, senão
para a diversão, também para apostar alguns réis!
Pois,
no vale que aparece nas fotos acima, -atualidade- disto a menos de dois quilômetros
da Capela e respectivo Cemitério de São José do Caldeirão, viveram várias
famílias de meeiros, primeiro do Mateus Corteletti, depois do Estevão
Corteletti, filho do primeiro. Porém, no início da década de mil novecentos e
trinta, ali estavam Angeli Atílio, Zanetti Sebastião, além da Família Piffer,
esta com vários membros, para formar uma comunidade dentro da supracitada,
somando-se das três, as respectivas proles.
O
segundo, dos filhos da família Zanetti, antecessor de quase uma dezena, por dom
natural, ou por exaustivo treino, era bom prestidigitador, cuja habilidade em
manusear as cartas, lhe permitia sempre ganhar naquele jogo, senão com a sorte,
trapaceando com a maestria de um daqueles mágicos de circo. Entretanto, depois
de três ganhos de toda a aposta, sua mãe de sobrenome Zachè, o delatou para os
demais que passaram a não aceitá-lo mais no carteado. Disse ela: - Não quero
que meu filho seja um ladrão! Ele está viciado no jogo e ganhou roubando.
Prefiro que ele sofra frustração agora, que penalidades mundo afora!
Um
jogo marcado para aquela noite, onde ele foi o primeiro a chegar! Contudo, cada
um que foi chegando para a Béstia e o Rizotto (rizzòtti) da meia noite,
declaravam que se aquele rapaz participasse do jogo, este não participaria, já
que não concordava ser surrupiado doravante.
Calorosa
discussão naquele escurecer, resultou com o Patriarca Zanetti, ordenando que o
filho ficasse fora. Este protestou! Um dos Piffer incomodado com aquela
situação teve a ideia de desafiar o rapaz, com uma tarefa para lá de inusitada:
- Se você for lá ao Cemitério e nos trouxer aqui, aquela cruz com a inscrição
DESCONHECIDO, cujo corpo encontrado ali na PICADA, foi enterrado sem
identificação, depois que foi encontrado pelo Vaqueiro dos Corteletti,
assassinado sabe-se lá por quem e, sua alma até ontem rondou por ai, assustando
quem se atreve passar lá de noite, nós te deixaremos jogar conosco! Ele
concordou e saiu. O patriarca Zanetti ria e dizia: - Ele é mais medroso que a
menina de quatro anos, daqui a pouco vou lá olhar se ele não está debaixo da
cama! Daqui a pouco vou!
E
passou uma hora.
Calor
lá fora, janelas e portas abertas, mulheres nos serviços com o RIZZOTO e os
Galetos sendo preparados. Muita conversa. – comum nas reuniões de itálicos-.
Notícias sendo colocadas em dia, no normal vozerio. Homens absortos no jogo,
muitas blasfêmias para comemorar três cartas boas, ou para protestar contra
três ruins, criando ali entre aqueles seis homens outro vozerio, concorrendo
com o grave, ao som mais agudo lá na espaçosa cozinha. Muitas lamparinas e dois
lampiões queimando o querosene. Meninas mostravam bonecas de pano e o machucado
no pé, obtido quando foi buscar as vacas e pisou no espinho de MARIA POBRE.
Outra mostrava a vermelhidão no braço de pele caucasiana, irritado pelo contato
com o ARREDIABO. Mesmo assim ouviram as pisadas daquele sapato de solado
duro que chegava correndo, impossível de ser abafado pelas palavras do jovem
Zanetti: - Deixe-me levar, depois devolvo! Isso repetidamente. Deixe-me
mostrar, é um empréstimo, depois devolvo!
Irrompeu
adentrando a sala onde acontecia a BÉSTIA e disse: - Aqui estão a Cruz do
desconhecido e a caveira dele, mas não quero jogar, ele está correndo atrás de
mim, desde lá do PAU D’ALHO, por isso deixo na mesa para vocês verem, mas vou
logo levar de volta, por que ele está chegando aí!
Depositou
sobre a mesa de madeira rústica, uma cruz e um crânio que tomara no ossuário do
Cemitério, fingindo estar com muito medo. Aquilo fez com que faltassem portas e
janelas na casa para a retirada dos jogadores de Béstia, conquanto os outros
tantos que estavam na cozinha. Vários membros daquelas famílias passaram a
semana seguinte, senão mancando, então expondo lesões, dos machucados que não
sentiram acontecendo, enquanto o falastrão recolhia o dinheiro que os seis
homens esqueceram-se de levar, quando da debandada.
A
família Pifer passou a semana comendo arroz requentado com polastro (frango),
também requentado. Exceto para aquele jovem atrevido, todos aqueles ficaram sem
respostas, para algumas perguntas, até o fim da vida: - Por que um morto
desconhecido dos italianos levaria embora o baralho, as fichas e o dinheiro do
jogo? Onde esteve aquele rapaz enquanto alguns tentavam sair do brejo, se
desvencilhar do CALUMBI, se reencontrar na escuridão, lavar no regato, o sangue
das lesões, encontrar o caminho de retorno para casa? Mas o professor deles
escreveu: - Enquanto todos não entendiam, o engodo, o rapaz de posse do
dinheiro, enterrou o baralho e as fichas - sementes de guapuruvu - que ganhou
de forma diferente; devolveu ao cemitério os objetos emprestados!
Muito bom Antonio Luiz Carlini e Parabéns primo pelo blog estar resgatando a história de nossos pais e avós. Muito bom mesmo.
ResponderExcluirMuito bom Antonio Luiz Carlini e Parabéns primo pelo blog estar resgatando a história de nossos pais e avós. Muito bom mesmo. Isso é realmente muito importante. Publiquei novamente porque estava como anônimo.
ResponderExcluirQuero registrar neste comentário que citei no texto, vários vocábulos me referindo a elementos endêmicos daquele trecho do território capixaba. Pois, citei arbustos, cipós espinheiros e árvores, sem a devida explicação que estava absorto ao linguajar local. Vi agora que ao menos quatro dos vocábulos são jargões dos hábitos oriundos de regionalismo!
ResponderExcluirParabenizo o amigo e agora também colaborador do blog, Antonio Luiz por seu excelente conto. Todos os jargões usados no texto, certamente devida às minhas origens, me fizeram recordar os bons tempos em que vivi naquele local e com alguns dos descendentes dos protagonistas desse conto.
ResponderExcluirTermos como: "Béstia", "Maia", "rizzòtti", "arrediabo" e outras mais comuns como: pau d'alho e calumbi, me arremeteram aos meus tempos de garotice vividos entre parentes e amigos daquela região.
Já estou ansioso, e certo que os leitores do blog também, pelo próximo conto que por certo já está no forno.
Abração e mais uma vez parabéns.