terça-feira, 6 de junho de 2017

O Confessionário


Por Antonio Luiz Carlini em 17/10/1987

Muita agitação no terreiro da Moradia de Basílio Sipolatti, naquele inicio da década mil novecentos e trinta, quando estavam em um sábado de março e já havia sido iniciada a colheita do café, não com peneiras, mas as tarefas da capina e arruação, bem como o excesso de zelo na preparação do terreiro, onde secariam os grãos, depois de colhidos do chão e lavados naquele poço raso, sempre instalado, ou escavado em uma das bordas do terreirão.

Todos colocando em dia suas obrigações, por que no Domingo, iriam todos para a Capela de São José do Caldeirão, onde o Frade já estava desde aquela manhã. Ah! Querem saber como já sabiam que o Frade estava lá? “- Pois, segundo Jácomo Loss, concunhado de Basílio Sipolatti, o cachorro dos Coser, considerado por Basílio Sipolatti, o cão mais inteligente da história, naquela manhã latiu e riu ao mesmo tempo, quando perto de sua casa passou, mesmo que a cavalo, um homem barbudo usando saia marrom. O cachorro cumpria sua obrigação de latir para estranhos, mas tinha mesmo era vontade de rir daquela situação! Jácomo Loss, esbravejava, mas se continha para não puxar as orelhas de Basílio”.- Mas Basílio Sipolatti e Rosina Ziviani, junto aos filhos alguns adolescentes, por que alguns já adultos estavam fora por casamentos contraídos antes. No Domingo, às três da manhã, preparam as obrigações indispensáveis em um sítio, tais como ordenhar vacas de leite, separar bezerros, alimentar porcos e galinhas e, com estas últimas, a tarefa mais nobre de um caipira, apalpar para saber qual teria ovo! – Destarte comentar, para quem não viveu na roça, informar que apalpar galinhas foi motivo de muita gargalhada, depois que causou muitos traumas, se aquela tarefa coubesse a um rapaz, ou menino adolescente-.

Nas cinco primeiras décadas do século XX, depois de cinco do século XIX, mas não sei quando começou, a “Santa Madre Igreja Católica” celebrava  “SANTAS MISSAS”, (EM LATIM), sempre nas primeiras horas da manhã, por que quando da “Santa Ceia” ou seja, a ‘EUCARISTIA”, os fiéis confessados, deviam ir em Jejum para receber a “COMUNHÃO”. Por isso as confissões ocorriam de madrugada. Segundo um Bispo, que ocupou o mais alto cargo da Santa Sé, isto também prevenia a presença de embriagados no ritual!

Três da manhã. Quatro panelas contendo alimentos, como se fossem levar almoço na roça. Todos ávidos pela aparência com sua única roupa de Missa. Sob luz de lamparina, observação à procura de uma possível mancha. Paletós e vestidos sacudidos na Varanda. Descobrem que um dos adolescentes esquecera-se de engraxar as Botas do Basílio e que uma das mocinhas não deu brilho nos sapatos da Rosina. Os demais iriam descalços, embora que usando terno ou vestido de renda. “Manhã iniciada com algumas blasfêmias e muitos “antidios”“, por parte daquele patriarca, que em seus anos convivendo com brasileiros de várias regiões, adicionou ao seu trivial das figuras de linguagem, o cacoete de sempre acrescentar como sufixo ou prefixo em todas as frases, a abreviatura de “Lo juro davante Dio”, para um simples “antidio”. Vê-se ali uma hipócrita maneira de disfarçar outra blasfêmia, pois, TOMAR O SANTO NOME EM VÃO, para juras ou injúrias, feria o Segundo mandamento: -“Não jurarás, tomando o Santo Nome de Deus”! Tampouco cometerás injurias, invocando “Seu Sagrado Santo Nome”!

Aquele cacoete herdou-o os filhos, Severino, Ângelo e Aristides, que equivocadamente usufruíram da fama de serem autores, mas o autor foi o Pai Basílio.

Uma das características peculiar em Basílio era nunca pronunciar uma frase com mais de quatro palavras, sem citar qualquer um dos objetos sagrados de sua Santa Igreja, tais como, sacramento, Hóstia, Porco Dio ou Porca Madona. Quem conviveu com ele, afirmavam que o dito cujo nunca esqueceu estas comuns palavras para blasfemar e que o fazia sem perceber. Porém, Rosina Ziviani, sua esposa, muito carismática, no que concerne guardar e respeitar as Coisas Sagradas, sentia-se incomodada com aquela situação e aplicou nele, a greve do leito. A principio ele blasfemou e desdenhou. Mas passados alguns dias, foi ele procurá-la para tanto e ouviu, vindo dela, a seguinte resposta: “-Só vai ter de novo, quando for ao confessionário e pedir a absolvição por parte do “ Frade”, se é que ele, não vai te excomungar! De agora em diante, só terá “aquilo” de novo, quando estiver sem pecado” -. “Segundo ele contou para o Sobrinho, meu Nonno João Carlini, depois de alguns dias de jejum e abstinência “daquela especial e perseguida carne”, descobriu que qualquer sacrifício seria pouco, se acabasse com aquela greve”. Pois, aquela era a mãe dos filhos e ele sentia obrigação em respeitar um pouco das aspirações dela para com seu credo, mesmo por que à força, cairia no descrédito dos filhos, além de magoá-la. Resolveu então que confessaria e comungaria, fazendo como os demais, a Sagrada Páscoa, naquele domingo de março.

Uma vez na Capela, ao romper do Dia, chegam e encontram quase toda a população de Caldeirão, ocupando os bancos da Nave do Templo. Somente Jácomo Loss em pé, indicando a ordem dos que iam ao Confessionário, enquanto os demais rezavam o Rosário, que dado o numero de candidatos ao Confessionário, com apenas um Frade, vários terços foram ditos.

O cito local, atualmente ainda é uma colina, onde uma brisa, ou os ventos mais fortes, tornam o ambiente mais frio que todo vale, especialmente nos meses de março a agosto. Isso devido à atmosfera em acordo com as estações. (...) Chegou a vez do Basílio, que ao passar perto do Jácomo Loss, não gostou do sorrisinho daquele sacristão, pois, deixou até aparecer os dentes debaixo daquele vasto bigode, mantido por Jácomo como uma marca pessoal para impor respeito.

Ocorreu nas conjecturações de Basílio, que talvez Jácomo soubesse de sua abstinência de leito, já que Rosina e Carmelina Corteleti eram comadres, sendo que a Carmelina era casada com o Jácomo. “Teria Rosina confidenciado à Carmelina, que contou a Jácomo, seu infortúnio em casa?” (...) Mas, por cargas d’água, já que estava ali, primeiro iria ver o Frade e depois, quando este fosse para o desjejum na Canônica, inquiriria ao sorridente só com ele!

Ajoelhado no confessionário, pela telinha viu o Frade, lembrou-se do cão dos Coser. Pensou rir, mas, aquele sorriso do Jácomo o incomodava.  O Frade, com aquele exagerado sotaque siciliano, deu início à conversa: - Buom Giorno, sinhore! L’ei fredo, nó?  (Bom Dia Senhor, está frio não é?).  Basílio responde com educação: - “Hóstia”, está muito frio! E ainda para piorar, tem este “sacramento” deste maldito vento, que ao certo o “ pórco Dio” do diabo, trouxe para esta Igreja!

Réplica do Sacerdote: - Até aqui no confessionário o senhor tem que blasfemar? Tem que parar com isso! Sabia o Senhor, que está ofendendo Deus e a Santa Madre Igreja com essas palavras?

- Hóstia, claro que sei!  Sacramento! Por isso estou aqui, ‘”porca madona’”!
-O Senhor continua proferindo blasfêmias! Tem que parar! Se continuar te expulso da Igreja!

- Eu quero parar, Pórco Dio! Má Sacramentos, hóstias e pórcos dios, já estão na minha saliva!

- Continua blasfemando! Tem que parar!

- Eu sei, hóstia!

-De novo! Outra blasfêmia! Vai ter que rezar ao menos uns quarenta terços e pagar ao menos umas doze arrobas de café! Depois vamos pensar se Deus te concede a indulgência!

- Sacramento! Doze arrobas? O que Deus vai fazer com tanto café, pórco dio?

- Vai, Deus não pode te absolver! Mas se prometer pagar vinte arrobas, talvez ainda eu possa te conceder a absolvição!

- Sacramento! O que vou dizer para a Rosina se eu não for perdoado!

- Está bem! Procure não blasfemar mais, porém, faça uma doação para a Construção da Matriz e do Seminário lá em Santa Teresa. Assim vai poder comungar, mas não se esqueça das doações, se quiser a indulgência!

- Sacramento! Anti Dio que por essa eu não esperava, hóstia!

Saiu do confessionário e foi para os bancos ajoelhar-se e rezar, sabe-se lá pensando o quê!

O Frade interrompeu o recebimento de confissões e foi para os fundos. Passados dez minutos Jácomo o trouxe de volta. O frade esboçava risos, mas os bigodes de Jácomo tremulavam, pois, acreditaram as testemunhas, meus avós e meus tios mais velhos, que Basílio provocou risos no Frade, dado o seu modo peculiar de falar, sempre blasfemando.

Matheus Ângelo Ziviani, filho caçula de Francisco Ziviani, estava entre os fiéis lá presentes, sentado e quietinho, ao lado da mãe. Narrou-me tal episódio em minha adolescência, com riqueza muito maior de detalhes do que o aqui exposto, depois que em minha infância, já o tinha ouvido de meus tios e do Nonno Carlini.

_* “Estamos convivendo hoje, até com a quarta geração, posterior àquela, porém, histórias e fatos envolvendo Basílio Sipolatti, tendo este como pivô, ator,  ou personagem coadjuvante, ainda são atrativos para as prosas sobre a História da Colonização”! *_


Fundadores da Capela se São José

2 comentários:

  1. Gostaria que fosse corrigido o equívoco "irmãs Ziviani". Está me parecendo que cometi erro naquela afirmação!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bom dia, Antonio.

      Farei a correção agora mesmo.

      Dag Vulpi

      Excluir

Sua visita foi muito importante. Faça um comentário que terei prazaer em responde-lo!

Abração

Dag Vulpi

Sobre o Blog

Este é um blog de ideias e notícias. Mas também de literatura, música, humor, boas histórias, bons personagens, boa comida e alguma memória. Este e um canal democrático e apartidário. Não se fundamenta em viés políticos, sejam direcionados para a Esquerda, Centro ou Direita.

Os conteúdos dos textos aqui publicados são de responsabilidade de seus autores, e nem sempre traduzem com fidelidade a forma como o autor do blog interpreta aquele tema.

Dag Vulpi

Seguir No Facebook