terça-feira, 30 de maio de 2017

Alemão da Terra Fria


A crise econômica em virtude do preço do café, somada a necessidade de ter mais milho oriundo de seu próprio cultivo, levou os teresenses habitantes de terras mais altas do que Várzea Alegre e seus vales, especialmente aquele por onde desce o Rio Santa Maria do Rio Doce, forçados pelas circunstâncias, ao deslocamento, partindo de suas casas nas montanhas com destino àquelas terras mais quentes, onde o solo sedimentar, mesmo que “lato solo”, era muito mais apto para a agricultura manual ou rudimentar. Pois, o milho, carente de solo mais fértil, além de alimentar suínos e galináceos em contrapartida com “aipim” (“mandioca”), era artigo de primeira necessidade na mesa daqueles, sejam italianos de Tabocas ou Caldeirão, ou alemães, da Vargem Alta ou Serra dos Pregos.  Italianos providenciando nossa preciosa POLENTA, enquanto os alemães, o seu precioso BROT. 


Percebem os que conhecem a Geografia do território, bem como seu relevo, quais não foram as dificuldades para cultivarem milho, especialmente os alemães de Vargem Alta, ou seja, os Braum, Thonn, Bausen, Stortch, Zummach, Kinch, Brandt, etc.., haja vista, que algumas famílias iam até o sopé da Pedra da Onça, cultivar milho “A MEIA”,  com o proprietário das terras quentes. Onde ainda, em raríssimos casos, “A TERÇA”. Quando neste último caso de parceria, o proprietário ficava só com 33,336% do produto colhido e não 50%, como eram nos casos de “meia”, a parceria!


Aquele tipo de vida foi extremamente desgastante, exaustivo, pois, a trajeto da distância era percorrido a pé, com raros casos de pessoas a cavalo. Havia os que conseguiam acampar lá na terra quente, porém, minoria. Em compensação daquela vida árdua, ignorada e desdenhada por tudo o que está sob a responsabilidade do PODER PÚBLICO, especialmente a Previdência Social, fez da maioria daqueles lavradores, exímios maratonistas em caminhadas. Pois, não importava se o caminhão ou ônibus não veio ou não ia, tinham pernas treinadas para trinta ou cinquenta quilômetros em uma jornada, iniciando-a, às três da manhã!


Muitíssimos, talvez até milhares, são os fatos ocorridos, fugindo da normalidade daquela rotina assaz excêntrica, na luta pela sobrevivência, que se poderia narrar em contos ou crônicas, numa antologia, ao que ouvimos nossos NONNOS comentarem: - Uma maldição da Itália e da Alemanha-Pomerânia veio conosco para o Brasil. Lá também tínhamos que andar longe, mesmo em temperaturas negativas, por que o Trigo não crescia em nossas montanhas!



Dos muitíssimos casos, destacamos aqui, o de nosso conterrâneo Henrique Braum, filho de Augusto Braum, agora septuagenário e sem medo de admitir seu medo na adolescência, pois que, da Vargem Alta, acompanhava pais e irmãos maiores para tanto, às terras dos Simoura, disto quatro quilômetros, além da sede Várzea Alegre e, vinte e oito de sua Casa nas terras frias da mesma Montanha, porém, lado oeste da Rampa de Voo Livre - Santa Teresa ES.

Mal Henrique Braum entrava para a puberdade, já contava com ao menos quatro anos de experiência naquele extenuante “modus vivendi”.  Fugia ele à regra da maioria, por que quando os pais precisavam ficar naquele paiol emprestado pelos Simoura, a guisa de alojamento, também na noite de sexta-feira, para aproveitar seis horas de trabalho no sábado, tinha ele que sair de lá duas horas antes do anoitecer, para ao amanhecer do sábado estar na Vargem Alta e não faltar à Catequese da Igreja Luterana, assaz severa na cobrança com a assiduidade dos fiéis.

– Os paióis cansavam mais que o próprio trabalho, com aqueles leitos improvisados no chão, ou em raros casos, os catres -.

Cobrir vinte e oito quilômetros, depois das dezesseis horas, custava extenuante caminhada, que quando entrava em seu epílogo, era passar pelas Matas do Giuseppi Baptisti, no alto do vale do Rio Tabocas, onde a “Estrada de Tropas” media às vezes, apenas um metro e meio de largura, com uma extensão de uns dois quilômetros de Mata Atlântica preservada, local este onde, todos adultos, sejam italianos, alemães ou “brasileiros”, que passaram à noite, viram e ouviram coisas de arrepiar até o cabelo do relógio. Iam desde onças, surucucus, assombrações e toqueiros, até ciganos assaltantes!

Mas para Henrique admitir seu medo, era abrir mão da fama conquistada entre família e parentes, pois, pouco tempo antes, tinha ido à Farmácia do Iris Croce em Santa Teresa, buscar um remédio, depois que ninguém havia tido a coragem de fazê-lo, após ter escurecido. Portanto aceitava passar lá depois das vinte e uma horas, mesmo adolescente, por que mais e mais aumentava sua fama de destemido. Confessou-me ter ficado vinte e quatro horas com dores na mucosa anal, depois daquelas demonstrações de coragem. Mas não revelava aos familiares, por que se o fizesse, irmãos maiores e primos poderiam o considerar medroso como eles. Porém, se acusados, brigavam.

Em três das viagens sozinho, passava pelo Cemitério de Tabocas, dando inicio às orações. Relatou que algumas que deveria aprender e manter decoradas para receber a Confirmação na Igreja Luterana, - Crisma para Católicos – não as aprendia na Igreja, mas ali as recitava como o mais hábil dos velhos pastores. Atualmente orgulha-se de ainda não as ter esquecido, seja em Português ou Alemão, dizendo:

 - Quando o medo é extremo, a gente consegue até voar! Pois, na última das três vezes que passei lá sozinho, na “boca” da mata, assustou-me uma coruja Murucututu. Dei inicio a uma corrida e aquela coruja assustadora me seguindo com seu silencioso voo, mas horrendos e de mau agouro, pios. Quando chegamos ao final dos dois quilômetros de mata, cheguei antes da ave. Senti uma água morna no peito, pensei ser trapaça da coruja, mas não, era minha língua tocando o peito, já que os botões da camisa se abriram como se eu surfasse sobre um avião!

Atualmente a situação se inverteu entre os agricultores, por que os habitantes de Várzea Alegre, cuja população aumentou trezentos por cento desde aquela época, estão subindo as montanhas para cultivar tomate. Entretanto, sempre com caminhões, automóveis, camionetes ou as incontáveis motocicletas!

Nossos concidadãos eram identificados pelos italianos que lhes concediam parcerias agrícolas, ou eram consortes destes na atividade, como os “Alemães das Terras Frias”.

Um comentário:

  1. Vejo que com isto abre-se ao menos um pequeno espaço, acessível ao público, onde posso deixar evidências do quanto consta de um arquivo ainda inédito!

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Dag Vulpi

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