sábado, 10 de junho de 2017

Frente independente – um caminho possível para a esquerda brasileira (2)

Por James Connolly do Santa

No texto anterior eu falei das delícias de se constituir uma frente progressista independente. É chegada a hora, no entanto, de falar das dores que tal empreitada trará à tona se levarmos a ideia à frente.

Quem assistiu “A Vida de Brian”, clássico da trupe de humor inglesa Monty Python, sabe que uma das especialidades da esquerda é rachar. As diferenças de visão e de prática são um dos principais motivos para o fim da famosa “unidade da esquerda®”. A menor divergência é motivo para que um grupo se separe lançando anátemas um ao outro, e achando que vai conseguir fazer a revolução® sozinho. Eu mesmo já passei por discussões homéricas com meus pares de outros grupos (outras questões, de ordem pessoal, estavam envolvidas no meio, mas não cabe falar delas neste espaço).

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Aí vem a pessoa e me diz: “Bicho, tu tá doido? Tu vai querer colocar diferentes grupos de esquerda num mesmo espaço de militância, reflexão e ação? Quero só ver o que tu vai fazer quando o petista xingar o psolista de esquerda-que-a-direita-gosta, quando o cara de movimentos sociais arrotar pro filiado a partido que quem fez 2013 foi ele, quando o stalino disser pro trosko que vai fuzilá-lo e o anarquista chegar baixando o sarrafo nos dois…”

Bem, o fato é que é preciso constatar algumas coisas, e eu venho percebendo isso inclusive com uma certa relutância de minha parte, mas a realidade é uma criatura que pouco se importa com os nossos melindres. A primeira é que ninguém vai fazer mudanças sendo a Frente de Libertação Democrática Popular da Judeia (aquele grupo de um homem só no filme). A segunda é que em algum momento alguém vai terminar discordando de você no meio da ação. A terceira é que é preciso ter consciência de que você é um ser humano, que você erra, e que quando alguém te aponta um erro ela não está, necessariamente, sendo escrota com você e se tornando sua inimiga para sempre.

Nos tais Círculos de Estudos e Atividades, penso que a lógica do racha pode ser hackeada reconhecendo que os seus membros constituintes possuirão liberdade para agir como quiser. Se você quiser gritar “Lylamito” na rua, vá lá, você pode gritar. Você quer criticar a galera que age como o cara da hipótese anterior, vá em frente. Quer colocar essas questões em pauta no seu círculo para votação, beleza. A questão é que não necessariamente estas atitudes serão endossadas pelo pleno, em votação democrática, e que na verdade é melhor que não haja endosso explícito, especialmente fora do período eleitoral, nem críticas que tenham um cunho desrespeitoso, que tenham como intenção apenas diminuir alguém por suas opções ou sair se pavoneando com uma superioridade moral que, no fundo, não serve pra muita coisa.

O que vai dar a liga a esse pessoal é o tal do programa mínimo, sob o qual as atividades dos círculos obrigatoriamente ocorrerão, sem um milímetro pra fora (neste caso, a ação ficaria por conta do indivíduo). É a definição daquilo no qual as pessoas concordam e que possam levar a frente com suficiente conforto. Essas questões normalmente surgem em momentos de discussão coletiva e podem ser facilmente identificadas como pontos de partida, e se escolhe avançar. É um processo longo, mas a identificação dos pontos em comum surge com muito estudo e compartilhamento de ideias, cabendo ao grupo o fomento desta cultura e a coibição de práticas puramente destrutivas. Alguns grupos políticos chamam isso de consenso progressivo.

Os membros dos círculos definem seus programas mínimos e se empenham, com toda energia, em fazê-los avançar. Da mesma forma, é possível que representantes de círculos, em plenárias estaduais e nacionais, definam seus programas mínimos e façam avançá-los. Mas se o pleno de um círculo sinta que a divergência de um ou outro membro à interpretação é inconciliável com suas posições, pode fazer um chamamento a que este faça uma autocrítica ou mesmo que o desligue das atividades. Por mais que tenhamos boa vontade, nem sempre é possível acolher qualquer coisa em nome de bom-mocismo.

Para que isso ocorra, é preciso um ambiente democrático e atuante. Reuniões periódicas, frequentes e utilizando-se dos recursos que a tecnologia proporciona (videoconferência, fórums, etc.) auxiliam neste sentido. Um periódico, como um blog, uma newsletter eletrônica ou até mesmo um fanzine mimeografado (!), ajudam não só na propagação de ideias para fora como também internamente, em que textos com teses teóricas ou de atuação podem ser compartilhados e fomentar um ambiente de debate respeitoso.


Finalmente, gostaria de deixar um aviso contra o “democratismo”, ou seja, aquela tentativa de tentar definir absolutamente tudo através de uma eleição que pode se mostrar por vezes redundante. Atividades de caráter operacional, como por exemplo comunicação, tesouraria, logística, podem ser muito bem deixadas com membros ou comissões eleitas especificamente para aquele fim. Caso contrário, corre-se o risco de paralisação e perda de dinamismo.

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Dag Vulpi

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