Por Joaquim
de Carvalho
Ao
ser questionado na Universidade de Heidelberg, na Alemanha, sobre a foto em que
conversa ao pé do ouvindo e sorrindo com o presidente do PSDB, Aécio Neves, o
juiz Sérgio Moro disse que o interlocutor não é investigado pela Justiça
Federal em Curitiba.
“Foi
um evento público, e o senador não está sob investigação da Justiça Federal de
Curitiba. Foi uma foto infeliz, mas não há nenhum caso envolvendo ele”,
respondeu.
Ao contrário do que afirma o juiz,
houve sim na Operação Lava Lato o início de uma investigação sobre um esquema
de arrecadação de propina na estatal de energia Furnas que teria como
beneficiário Aécio Neves.
Até
o nome de quem operaria o esquema foi citado: Andrea Neves, irmã do atual
presidente do PSDB, na época, entre 1996 e 2001, deputado federal (líder do
partido no governo Fernando Henrique Cardoso e presidente da Câmara dos
Deputados).
Num
depoimento prestado na Polícia Federal, no dia 21 de outubro de 2014,
na presença do advogado e
de um procurador da república, o doleiro
Alberto Youssef diz que o esquema de Aécio ficou com 4 milhões referentes à
propina paga pela construtora Camargo Correa como contrapartida a um contrato
para construção de barragem.
Trecho do depoimento:
“Que não recorda qual seria o valor total da
comissão, apenas que restou uma pendência de cerca de quatro milhões de reais,
a qual foi cobrada por José Janene (então deputado pelo PP e cliente do
doleiro) junto à empresa Camargo Correa, tendo o declarante acompanhado na
oportunidade; Que esclarece que essa visita teria ocorrido no ano de 2002,
sendo o contato mantido na pessoa de João Hauler (na verdade, João Ricardo
Auler, condenado por Sérgio Moro, hoje com tornozeleira eletrônica), o qual
teria dito que nada havia a ser pago, alegando que alguém do PSDB teria recebido
esse valor.”
Questionado
sobre quem do PSDB teria ficado com o dinheiro, Alberto Youssef afirmou:
“Que diz ter tomado conhecimento, entretanto,
de que quem teria influência junto à diretoria de Furnas seria o então deputado
federal Aécio Neves, o qual receberia recursos por meio da irmã.”
O
Ministério Público Federal quis aprofundar a investigação e tomou novo
depoimento de Youssef quatro meses depois, exatamente no dia 12 de fevereiro de
2015. Na ocasião, Youssef confirmou que ouviu tanto de seu cliente na época, o
deputado José Janene, quanto de um dos pagadores de propina, Airton Daré, dono
da empresa Bauruense, que a irmã de Aécio recolhia parte do dinheiro desviado
de Furnas – ele cita valores: entre 100 mil e 120 mil dólares por mês, o
equivalente hoje a R$ 455 mil.
O
juiz Sérgio Moro pode argumentar que, por ter foro privilegiado, Aécio não
seria investigado em Curitiba, o que é verdade, mas Andrea, a operadora do
esquema, é uma cidadã comum, tanto quanto a cunhada de João Vaccari Neto, presa
na operação Triplo X, cujo alvo era o ex-presidente Lula.
Andrea
nem sequer foi chamada para depor, embora, no segundo depoimento de Youssef, os
procuradores tenham mostrado uma foto e perguntado se ele poderia reconhecê-la.
Ele disse que fazia muito tempo e não se recordava de ter encontrado
pessoalmente Andrea Neves, mas, num dos depoimentos, sugeriu um caminho para
investigar o esquema do PSDB em Furnas: ouvir a diretoria administrativa da
Bauruense, que cuidava dos contratos com Furnas. Isso também não foi feito.
Ao
dizer que o presidente do PSDB, Aécio Neves, não está sob investigação em
Curitiba e que, portanto, não haveria nada demais na cena de intimidade entre
eles – infeliz é a foto, não o indício de proximidade –, Moro tenta afastar a
suspeita de que é um magistrado parcial.
É
uma tese difícil de se sustentar quando se analisa seu comportamento social –
ele vai a evento do prefeito eleito João Dória (PSDB), faz vídeo em restaurante
com o militante tucano Raimundo Fagner, um dos mais fervorosos cabos eleitorais
do candidato a presidente Aécio Neves na eleição de 2014, e aplaude música que
o enaltece por “prender vagabundos”.
A
rede social também é generosa em indícios de parcialidade. Sua mulher,
Rosângela Wolff Moro, criou a fanpage “eu Moro com ele”, em que compartilha
publicações do senador Álvaro Dias, publica fotos de manifestação, com destaque
para cartazes como “Tchau,Querida” e Dilma dentuça, e muitas camisas da
CBF Brasil afora. Há também muitos links do site de direita Antagonista, alguns
com vazamentos da mesma Vara do marido (quem será que passa para eles?).
O
perfil também curte e compartilha Luana Piovani (esta tem uma foto
postada na porta da sala de Moro, com as mãos juntas, como se estivesse
orando), Miriam Leitão, Movimento Contra a Corrupção, IstoÉ, Época, O Globo,
Marina Silva e GloboNews.
Na
fanpage criada e administrada por ela, também há fotos do casal em eventos
sociais, ambos em trajes de gala – uma parece num tapete vermelho. A impressão
é que se trata de artistas em noite de Oscar.
Tem
uma foto de difícil compreensão: sobre uma mesa, aparece a foto dela e do
marido em traje de gala, e uma boneca também com um vestido de gala, com a
plaquinha “vendida”. Outra, de Moro abraçando Pelé, tem uma legenda que mostra
como Rosângela quer que se veja o marido: “Encontro de craques”.
A
esposa postou uma camiseta com o ano de nascimento de Sérgio Moro – 1972 –, com
a frase: “Nasce uma lenda.” Outra camiseta fotografada e que foi postada na
fanpage de Moro tem a foto de dois procuradores – Deltan Dallagnol e Carlos
Fernando dos Santos Lima – com o juiz Sérgio Morto no centro e a frase “Liga da
Justiça”.
Moro
também se permitiu uma foto com a camiseta “In Moro we trust”, em que cobriu
com papel branco algumas letras e restou a expressão “In Ro (de Rosângela) in
trust”.
A
página parece um santuário. Tem foto de um braço com a tatuagem de Moro, Moro
com uma criança, o pequeno Pedro, uma ilustração em que um desenho de Moro
olhando para o alto, com pescoço grosso, lembra o Super Homem.
Rosângela,
a administradora da fanpage, postou um desenho que parece saído de um
quadrinho, com ela e o marido, este segurando o martelinho da justiça.
A
página traz também muitas referências religiosas. Um dos posts diz:
“Meretíssimo Moro – Os Brasileiros de bem Oram e Clamam a Deus por ti”.
Rosângela
também esclarece em uma postagem que existem muitos perfis falsos de Moro no
Facebook, mas somente um é dele mesmo, fechado para os amigos. O perfil tem
duas imagens que o identificam, ambas de juízes britânicos em trajes do chefe
da Justiça (Lord Chief Justice).
Um
deles é Sir William Erle, que atuou na primeira metade do século XIX. Os
biógrafos o descrevem como um juiz forte e muito convicto de suas opiniões.
Tinha também um leve sotaque regional. Para ser Moro – ou como parece que
Rosângela Wolff Moro o vê –, só faltava Sir William Erle falar fino.
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Dag Vulpi