Escrito por
Hemerson Ferreira, no Correio da Cidadania, 14 de setembro de 2011
Depois de Guia
Politicamente Incorreto da História do Brasil, um sucesso de vendas lançado
pelo então desconhecido Leandro Narloch, chegou a vez de Guia
Politicamente Incorreto da América Latina, do mesmo autor, agora unido ao
jornalista Duda Teixeira. Provavelmente também venderá como batata em fim de
feira, sobretudo depois de ser propagandeado nos programas do Jô, Faustão e Ana
Maria Braga.
“Politicamente
incorreto” virou termo da moda, arranjado para substituir tudo quanto é tipo de
besteirol, preconceito e ignorância. Ninguém é “politicamente incorreto” ao
dizer, por exemplo, que “mulher gosta de apanhar”, “judeu ou palestino tem que
morrer”, “negro é tudo macaco” ou que “veado (ou bicha) merece uma bela surra”.
Sem eufemismos, o nome correto para isso é machismo, anti-semitismo, racismo e
homofobia, respectivamente. É o que existe de mais velho em nossa sociedade,
apresentado com “sarcasmo inteligente” e como sendo novidade.
Os dois livros
de Narloch e Teixeira tiveram por objetivo atacar personagens históricos que,
segundo seus autores, seriam figuras “caricatas” e “desprezíveis” só que
“sacralizadas” por “historiadores e professores marxistas” ao longo dos anos.
“Mitos” maldosa e trapaceiramente inventados por “comunistas”, com finalidade
de “doutrinar” com suas idéias nefastas estudantes inocentes e indefesos.
Confunde-se
aqui teoria historiográfica com militância política. Muitos historiadores
marxistas realmente foram ou são ligados a partidos políticos,
social-democratas, socialistas ou comunistas, um direito de todos. Certamente
existiram mais historiadores conservadores e ligados à direita que
historiadores de esquerda, mas desconhecemos estudos estatísticos neste
sentido.
Para alguns, a
produção historiográfica teve uma finalidade muito além das questões
partidárias, sendo, sim, pessoalmente, uma obrigação profissional, moral e
social. Já outros certamente mais fizeram uso desta ou daquela corrente
historiográfica com fins apenas carreiristas e burocráticos. Muitos nunca
militaram em partido político algum, seja de esquerda, centro ou de
direita, mas enfocaram suas pesquisas em conflitos sociais, influenciados
ou não pelo marxismo.
Além do mais,
faz algum tempo que o culturalismo, o relativismo e a verborragia “pós-moderna”
roubaram a cena nas academias. As razões disso, a chamada “crise de
paradigmas”, são extensas demais para serem tratadas aqui. Falar hoje em modo
de produção, exploração, imperialismo, burguesia, proletários, classes, luta de
classes e demais conceitos marxistas atrai olhares esnobes, de quem vê essas
questões como superada e démodé.
Os “politicamente
incorretos” Narloch e Teixeira reconhecem e até elogiam este “novo” cenário
historiográfico, que, segundo dizem, “nos últimos 15 ou 20 anos vem produzindo”
livros “bem melhores” e “menos politizados”. Os Guias politicamente
Incorretos… são apresentados assim porque, a despeito de todo o esforço da
“nova-história” da qual julgam fazer parte, “alguns velhos mitos
esquerdistas” ainda persistem.
Zumbi dos
Palmares, Antônio Conselheiro, Lampião, Luís Carlos Prestes, Simon Bolívar,
Salvador Allende e Che Guevara, entre outros, são alguns nomes tratados na
versão I e II dos “politicamente incorretos”. Não teríamos espaço aqui para
tratar e rebater cada uma das besteiras escritas a respeito dos mesmos.
A maioria delas já foi publicada há algum tempo, em outros livros mais
sérios e específicos. Os Guias, portanto, não apresentam praticamente
nada de novo. São apenas versões caricatas e resumidas do que já foi dito
antes. Mostram assim, por exemplo, um Zumbi dos Palmares como sendo também “um
senhor de escravos”. Só não nos dizem por que trabalhadores
escravizados do século 17 assim que podiam fugiam imediatamente dos
engenhos escravistas alagoanos e pernambucanos para o quilombo dos Palmares,
que era um refúgio de cativos e não o inverso.
As críticas a
Simon Bolívar, por sua vez, visam mais atacar o atual presidente da Venezuela,
Hugo Chávez, que falar de História da colonização, dos processos de
independência ou do liberalismo na América Latina no séc. XIX. Não tem nada de
“história isenta” ali. É puro proselitismo político-ideológico, mas os
“politicamente incorretos” pensam que apenas os historiadores de esquerda é que
têm ideologias.
Che Guevara é
novamente tratado como um “frio assassino” e “mau estrategista”. Mas seguindo
matéria já apresentada pela revista Veja recentemente, acrescentam que o
guerrilheiro seria também “fedorento” por “não gostar de tomar banho”. Ora,
eles queriam que o argentino fizesse uma revolução nas selvas e serras cubanas
levando consigo chuveiro portátil na mochila e exalando perfumes franceses.
Não existe
nada mais antigo na História que atacar tais personagens
latino-americanos. A própria “História da América Latina”, em si, já
foi taxada como “coisa de comunista” por certa corrente mais conservadora. O
profissional de história seria sinônimo de “perigoso subversivo esquerdista”.
História “boa”, para essa gente, é aquela que destaca apenas datas e “homens de
bem” das classes dominantes, iniciando na Grécia e terminando nos EUA.
Como lembrou o
escritor Luis Fernando Veríssimo, não bastou aos assassinos matarem Zapata.
Eles tinham que capturar e tentar matar também seu cavalo, que galopava sozinho
pelos campos e fazia com que os camponeses pensassem que seu dono o
conduzisse, mantendo vivas as suas causas.
Zapata, Zumbi,
Conselheiro, Lampião, Bolívar, Prestes, Salvador Allende ou Che Guevara
morreram (a maioria assassinada porque ousou lutar) e estão enterrados há muito
tempo na América Latina. Entretanto, continuam sendo símbolos populares da luta
contra a exploração deste continente por impérios, governos, cartéis e
banqueiros estrangeiros no plano internacional, e contra uma classe de
parasitas ricos, poderosos, autoritários e corruptos, dentro de cada um de seus
respectivos países.
Os “espíritos”
(isto é, o que simbolizam e representam os atacados pelos “politicamente
incorretos”) ainda inspiram e percorrem a imaginação, os sonhos, os anseios e
as necessidades reais de imensas camadas sociais pobres e exploradas na América
Latina. São lendas vivas, bandeiras de liberdade e igualdade que
percorrem nossos campos e cidades. É isto que incomoda os “politicamente
incorretos”.
Hemerson
Ferreira é mestre em História e professor municipal do Ensino Médio no estado
do Rio Grande do Sul.
Do Trincheiras
meu Deus !
ResponderExcluirentao os videos do che fuzilando ggente e tudo mentira ! Pronunciamento dele na ONU,que ia continuar fuzilando.
todos santos