A ocupação das
ruas e espaços comuns das cidades, em efervescência em São Paulo e outras cidades do país, é fruto das manifestações
de 2013, disse o coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade
de São Paulo, José Guilherme Magnani. “Eu acho que as manifestações de 2013
abriram um espaço que agora se mostra de outras maneiras”, ressaltou Magnani,
ao falar de como os atos políticos foram o catalisador da busca das ruas como
espaço de convivência.
“Você pode
usar [a rua] tanto para o lazer, quanto para a manifestação da sua diferença e,
em geral, essas manifestações políticas também têm um conteúdo de lazer. Porque
é um encontro, uma coisa meio festiva. Há uma espécie de apropriação do espaço,
que é marcar a diferença. Quando você vai para a rua de lazer você encontra o
diferente, mas troca com ele. Há possibilidade de confronto, muitas vezes. É um
pouco a mesma coisa, em uma escala diferente”, analisou.
O professor
falou durante palestra sobre o tema Ruas de Lazer. Desde o ano passado, ruas da
capital paulista, entre elas a Avenida Paulista, têm sido fechadas para
veículos aos domingos e liberadas para pedestres e ciclistas.
Uma proposta
semelhante já era adotada há alguns anos no Elevado Costa e Silva, o Minhocão,
via expressa que sai do centro até a Barra Funda, na zona oeste. “Há um
elemento importante na cidade, as ruas de lazer mostram isso, como é negociado
o tempo todo. O Minhocão, por exemplo, como ele é utilizado como espaço
importante do lazer, à medida que é objeto de disputa do Poder Público, de uma
certa perspectiva de urbanismo e arquitetura, dos moradores, dos usuários. Tudo
na cidade é objeto de disputa”, ressaltou Magnani em relação às diversas ideias
sobre o uso da via elevada.
Devido ao
impacto na paisagem, já foram feitas propostas de demolição da estrutura ou de
transformação em um parque, a exemplo de outras vias elevadas no mundo.
Ativistas e coletivos culturais têm proposto a ocupação lúdica do espaço. Parte
dos moradores encara o fechamento aos carros como um momento de descanso do
barulho provocado pelo trânsito intenso dos dias úteis.
Avenida
Paulista
A abertura da Avenida Paulista para pedestres e ciclistas
também foi, lembrou o professor, alvo de controvérsias. O Ministério Público
chegou a questionar a medida com base em um termo de ajuste de conduta que
permitia a interrupção do tráfego da via para eventos apenas três vezes por
ano. Em resposta, a prefeitura contestou a posição dos promotores, argumentando
que se tratava de uma política pública amparada no Plano Nacional de Mobilidade
Urbana - Lei 12.578 de 2012.
Audiências
públicas mostraram ainda resistências de moradores que temiam ter dificuldade
para sair ou acessar os imóveis durante a interrupção do fluxo de carros. Para
Magnani, esses conflitos e as motivações para o uso dos espaços são semelhantes
em outras partes da cidade. “Há uma rede, uma dinâmica, uma proposta. A gente,
olhando um pouquinho mais de longe, percebe que há certa regularidade”,
afirmou.
Outro exemplo
citado pelo professor foi o chamado Beco do Valadão, espaço próximo à Avenida
Brigadeiro Faria Lima, na zona oeste, que se tornou ponto de encontro de skatistas.
“Os moradores começaram a se incomodar com o barulho [dos skatistas] e
resolveram chamar foodtrucks [veículos que servem refeições]”, contou sobre a
disputa no local. A partir da chegada dos comerciantes, os praticantes do
esporte tiveram que negociar o uso do espaço.
Para Magnani,
isso, no entanto, não acabou com os conflitos. Relatos colhidos por um
pesquisador orientado pelo professor mostram que os moradores chegaram a
sabotar os obstáculos usados na prática do esporte para afastar os jovens da
região.
“É um espaço
de disputa e negociação dos atores sociais. Não é assim: o skate, um lugar de
lazer. É um lugar de disputa da cidade inteirinha”. Conforme o especialista, o
ponto em comum é a busca pelo encontro e a diversidade. “Quando você sai do
ambiente doméstico e vai para a rua, você encontra o diferente, a diversidade.
Seja o café da manhã ou a possibilidade de caminhar pela rua de lazer, a graça
e o imprevisto são encontrar a diversidade”.
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