A retirada de
um crucifixo do Planalto lançou sobre o ex-presidente suspeitas de apropriação
de patrimônio público. Esclarecemos de onde veio e para onde foi a peça.
Por Mariana
Sanches site da revista ÉPOCA
Ao longo dos
oito anos que passou na Presidência, Lula ganhou 8.500 presentes. Findo seu
mandato, um deles tornou-se fonte de anedotas e constrangimentos. Um Cristo
morto e crucificado, talhado em cerca de 1,50 metros de madeira de tília, usada
em esculturas sacras europeias do século XVI e XVII, tornou-se o protagonista de
uma via-crúcis de boatos e desmentidos. O objeto esteve pendurado no gabinete
presidencial entre 2003 e 2010. Sua retirada, em 2011, provocou uma
controvérsia que começou nos primeiros dias de Dilma Rousseff na cadeira
presidencial e sobrevive até hoje na internet. Tão logo foi percebida, a
ausência do crucifixo levantou dúvidas sobre um suposto ateísmo da presidenta e
jogou suspeitas sobre o comportamento do ex-presidente Lula. Em vários blogs,
Lula passou a ser acusado de ter surrupiado patrimônio público do Palácio do
Planalto ao leva-lo.
A ministra
Helena Chagas, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República,
justificou a retirada da peça por meio do micro blog. Invocou o direito do
ex-presidente de levar na mudança todos os presentes que lhe foram dados e
disse que esse era o caso do crucifixo. Ainda assim um grupo de internautas
pegou Lula para Cristo e começou uma campanha com o bordão “Devolve, Lula”.
Eles afirmam em seus blogs que o crucifixo estava no Planalto havia décadas,
desde que Lula era ainda um estreante em disputas eleitorais. Como prova,
publicam e republicam uma foto do ex-presidente Itamar Franco, que governou o
Brasil entre 1992 e 1994, instalado em uma poltrona vermelha, no gabinete
presidencial, tendo ao fundo o crucifixo. Instado a esclarecer a polêmica,
Itamar fez chacota. “O crucifixo era do Palácio. É melhor fazer um (exame de)
DNA no crucifixo”, disse. Assessores de Lula e da Presidência, no entanto, não
acharam a menor graça na situação. Claudio Soares, diretor da documentação
histórica da Presidência, reafirmou que o crucifixo “foi presente pessoal de um
amigo ao Presidente Lula” e disse que a imagem de Itamar que circula na
internet “trata-se de edição grosseira. O presidente Itamar nunca se sentou naquela
poltrona enquanto aquela peça esteve naquela parede”. Segundo ÉPOCA apurou,
Soares tem razão sobre a procedência da peça. Mas a foto de Itamar não é uma
falsificação. Explica-se.
O crucifixo
pertencia a Dom Mauro Morelli, bispo de Duque de Caxias, que ganhara a peça de
um amigo médico. No fim de 2002, o bispo viu-se obrigado a vender o Cristo.
“Coloquei-o à venda para atender a necessidades pessoais e familiares com
problemas financeiros decorrentes de enfermidades”, diz Dom Mauro. Naquele
momento, o bispo participava de discussões sobre o programa Fome Zero no
Instituto da Cidadania, criado por Lula antes de ser eleito para a Presidência
em 2002. Entre uma discussão e outra acerca da pobreza nacional, Dom Mauro
encontrou comprador para seu Cristo. Era um amigo de Lula, José Alberto de
Camargo, diretor da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM),
empresa da família Moreira Salles. Em janeiro de 2003, com Lula
recém-empossado, Camargo, por meio da Fundação Djalma Guimarães, braço cultural
da CBMM, pagou R$ 60 mil a Dom Mauro pelo crucifixo. “Não sabia o que fazer com
a obra e aceitei a sugestão de Frei Betto de dá-la ao Lula”, diz Camargo.
“Quando chegou
aqui, o crucifixo parecia três pedaços de carvão”, diz Soares, da documentação
histórica do Planalto. O objeto foi enviado, em seguida, ao Centro de
Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis, da Universidade Federal de
Minas Gerais, que, durante mais de três meses, trabalhou na limpeza e
recuperação da peça. Enquanto isso, no Planalto, deliberava-se sobre qual seria
o destino do Cristo. “O Frei Betto pressionou para colocar na sala de Lula,
embora a Clara (Ant, assessora do presidente) fizesse questão de lembrar que o
Estado é laico”, diz Camargo. Lula, católico, optou por instalar a imagem em
seu gabinete. Sobre o episódio, Clara Ant, judia, afirma: “Na época, apenas
comentei que o Estado é laico. Isso também foi uma bobagem, pois a presença do
Cristo em nada altera a natureza do Estado. Na verdade, cada um coloca em seu
ambiente de trabalho os objetos ou ícones com os quais se identifica. Aliás,
Lula manteve também uma hamsa (amuleto em forma de mão) presenteada por um
rabino em sua sala”. Depois de instalado o crucifixo, Frei Betto comandou uma
cerimônia religiosa de cerca de dez minutos para dar bênção ao gabinete. E
puxou um pai-nosso para pedir a Deus que olhasse pelo governo petista.
Pregado na
parede de Lula, o Cristo foi testemunha de uma reunião, em maio de 2006, entre
o ex-presidente Itamar Franco e o então presidente da República em exercício,
senador Renan Calheiros. O assunto era a disputa presidencial que aconteceria
naquele ano. Itamar disse a Renan que não aceitaria a vice na chapa de Lula.
Queria ser o candidato ao Planalto pelo PMDB. Durante a conversa, Itamar
sentou-se na poltrona preferida de Lula, onde foi fotografado. Quase cinco anos
depois, essa imagem alimentou a boataria na internet de que Lula teria roubado
o Cristo.
No governo, o
crucifixo acompanhou Lula onde quer que ele se instalasse, inclusive no
gabinete provisório no Centro Cultural Banco do Brasil. Em janeiro de 2011, foi
trazido a São Paulo em um avião da Força Aérea Brasileira. O destino definitivo
da peça não foi divulgado. Mas é certo que ele não será devolvido ao Planalto.
Na internet, no entanto, há quem se anime a perguntar: “Se Lula voltar ao
poder, em 2015, o crucifixo virá com ele?”.
A via-sacra do
crucifixo
As 14 estações
da polêmica peça que decorou o gabinete presidencial ao longo dos dois mandatos
do petista:
O DONO
ORIGINAL
Dom Mauro
Morelli, bispo de Duque de Caxias, ganhou o Cristo, uma obra europeia do
século;XVI ou XVII, de um amigo médico e crítico de arte. Em 2002, enfermo e
precisando de dinheiro, ele resolveu vender a obra.
O COMPRADOR
José Alberto
de Camargo era conselheiro do Instituto da Cidadania, fundado por Lula, e
presidente da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, que pertence à
família Moreira Salles. Ele comprou a peça e pagou r$ 60 mil a Dom Mauro, em
janeiro de 2003. Por sugestão de Frei Betto, resolveu dá-la a Lula
A RESTAURAÇÃO
Antes de
passar às mãos de Lula, a peça foi submetida a reparos ao longo de mais de três
meses no Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais móveis (Cecor),
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFGM). O Cecor fez o trabalho
gratuitamente. A peça passou por limpezas e reparos na madeira original. A
recuperação foi feita em várias etapas (FOTOS ACIMA)
O PRESENTE
Ainda em 2003,
o crucifixo foi entregue a seu novo dono, o presidente Lula, que determinou que
o objeto fosse instalado em uma coluna no gabinete no palácio do planalto.
Depois de pendurado o crucifixo, Frei Betto deu uma bênção ao gabinete
O ADORNO
A imagem do
Cristo ficou instalada na coluna do gabinete, atrás da poltrona vermelha em que
Lula costumava se sentar, até que o palácio fosse interditado para reformas, em
março de 2009
O VISITANTE
Em maio de
2006, o ex-presidente Itamar Franco visitou o então presidente em exercício, o
senador Renan Calheiros, no gabinete presidencial. Itamar sentou-se na poltrona
preferida de Lula. Uma foto sua foi tirada com o crucifixo ao fundo e motivou
comentários de que o crucifixo já estaria no palácio durante o governo Itamar
Franco, entre 1992 e 1994
O LAR
PROVISÓRIO
Em março de
2009, Lula passou a ocupar, provisoriamente, uma sala no Centro Cultural Banco
do Brasil, em Brasília, enquanto o palácio do planalto era reformado. Ele levou
o crucifixo para a nova sala.
A VOLTA AO
PLANALTO
Depois da
reforma e da reinauguração do gabinete presidencial, em agosto de 2010, o
crucifixo voltou a ser instalado no local. Dessa vez, porém, foi pendurado na
parede atrás da mesa de Lula
A MUDANÇA PARA
SÃO PAULO
Em janeiro de
2011, o crucifixo foi retirado do gabinete e trazido a são paulo por Claudio
Soares, diretor da documentação histórica da presidência, em um avião da FAB,
junto com outras peças valiosas do acervo de Lula
O GABINETE SEM
CRISTO
Em fotografias
no primeiro mês de mandato de Dilma Rousseff, em seu gabinete, o crucifixo não
está mais lá
A POLÊMICA
A ausência do
objeto é notada e vira objeto de reportagens. Em 9 de janeiro, o jornal Folha
de S.Paulo publica a notícia de que Dilma retirou o crucifixo do gabinete
O DESMENTIDO
Diante da
repercussão da notícia de que Dilma teria tirado o crucifixo da parede, a
ministra Helena Chagas, da secretaria de Comunicação Social da Presidência da
República, esclareceu pelo microblog Twitter que a peça pertencia a Lula, e não
ao Planalto. Por isso, o ex-presidente Lula tinha o direito de levá-la na
mudança
A CAMPANHA
Desconfiados
da versão oficial, internautas lançaram a campanha “Devolve, Lula”, pedindo o
crucifixo de volta. Milhares de citações na internet sugerem que o crucifixo de
Lula estava no Planalto “há décadas” e que era um patrimônio público. A foto de
Itamar Franco no gabinete com o crucifixo tem sido usada como prova de que o
objeto estaria lá desde a década de 1990
O NOVO LAR
O lugar onde
será pendurado o crucifixo não foi divulgado, mas é provável que ele fique na
sala que está sendo preparada para Lula em seu instituto, no bairro do
Ipiranga, em São Paulo
Foi muito bom conhecer todos os fatos envolvendo esta obra de arte; farei tudo que estiver ao meu alcance para repor os pontos nos "iss", divulgando este link, pois, minha consciência assim o exige.
ResponderExcluir