A intensa
circulação do vírus Zika no Brasil e a possível associação da infecção em
gestantes com casos de microcefalia em bebês reacende no país o debate sobre o
aborto. Um grupo composto por advogados, acadêmicos e ativistas prepara uma
ação, a ser entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF), que cobra o direito de
interromper a gravidez em casos em que a síndrome for diagnosticada nos bebês.
Em entrevista
à Agência Brasil, a antropóloga e pesquisadora Debora Diniz, que está à
frente do trabalho, explicou que a ação deve ser encaminhada à Suprema Corte
em, no máximo, dois meses. O mesmo grupo impetrou ação similar, em 2004, para
pedir ao STF o direito ao aborto em casos de bebês com anencefalia. O pedido foi
acatado pelos ministros em 2012.
“A atual
epidemia do vírus Zika exige do Estado brasileiro a implementação de um
conjunto amplo de políticas para a proteção de direitos que não se restringem
ao direito à interrupção da gravidez”, disse Debora, ao defender políticas
amplas de planejamento reprodutivo, incluindo o acesso à testagem de infecção
pelo vírus a todas as gestantes.
Em situações
onde há resultado positivo para microcefalia, é preciso que haja, segundo ela,
o encaminhamento para um pré-natal de alto risco, caso a mulher queira
prosseguir com a gravidez, ou o direito ao aborto legal, caso a mulher prefira
interromper a gestação.
Para Debora, a
autorização para o aborto, nessa situação, precisa ser garantida a partir da
confirmação da infecção, como um direito da mulher face a uma grave epidemia
não controlada pelo Estado brasileiro.
A professora
da Universidade de Brasília (UnB) destacou ainda que políticas voltadas para
crianças afetadas por síndromes neurológicas decorrentes da infecção por Zika,
como a própria microcefalia, não podem ficar em segundo plano. A ação que está
sendo elaborada, segundo ela, também pedirá a implementação de políticas
sociais com foco na limitação desses bebês e que garantam assistência integral
às mães e famílias.
De acordo com
a pesquisadora, o aumento de casos de suspeita de síndrome fetal ligados ao
vírus Zika e a recente classificação de emergência global em saúde pública,
feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS), reforçam a necessidade de
articulação imediata de políticas de cuidado e atenção à saúde de mulheres e
crianças afetadas pelo problema.
“Para uma
mulher hoje no Brasil, saber-se grávida e infectada pelo vírus é uma situação
de grande sofrimento e desproteção. Independentemente da consequência efetiva
que a infecção possa ter no feto, ser obrigada a enfrentar uma gravidez de
riscos graves e não totalmente conhecidos, causados pela negligência estatal em
controlar uma epidemia, já é uma violação aos direitos das mulheres.”
A Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) considera que a extrema gravidade da
situação vivida por gestantes em todo o país não justifica uma defesa do aborto
para casos de microcefalia. Para a entidade, a defesa da interrupção da
gestação representa total desrespeito ao dom da vida e às pessoas com algum
tipo de limitação.
“Lamentamos
muito que alguns julguem que a solução para esses casos seja o aborto de bebês
com microcefalia”, disse o presidente da entidade, dom Sérgio da Rocha.
O religioso
destacou que quadros de microcefalia já existiam antes da epidemia de Zika no
Brasil, mas só agora passaram a receber mais atenção por parte das autoridades
sanitárias e da comunidade como um todo.
“A
microcefalia não pode ser reduzida apenas à questão do vírus Zika. Essa ligação
nem está ainda tão clara”, enfatizou.
Para o
representante da Igreja Católica, é preciso reforçar no país a assistência
a pessoas acometidas pelo vírus, sobretudo gestantes, e também a bebês
diagnosticados com malformações congênitas, como a microcefalia.
Dom Sérgio
defendeu a implementação de políticas que apontem para um sistema de saúde
pública universal e de qualidade. “Essa deveria ser a nossa resposta. E não a
resposta que alguns têm buscado”, disse em referência aos grupos que pedem a
interrupção da gravidez em casos de microcefalia.
“Dizer que uma
criança que está sendo gestada com microcefalia deve ser abortada é o mesmo que
dizer que uma criança com algum tipo de limitação não tem direito à vida”,
destacou.
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