Sancionado no
início desta semana, o novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação cria
novas regras para estimular o avanço da produção científica no Brasil. A
legislação tem grande aceitação dos setores público e privado e foi construída
a partir de consultas à comunidade acadêmica e ao empresariado.
Entre outras
mudanças, o Projeto de Lei Complementar 77/2015 facilita a compra de
equipamentos e materiais usados para pesquisas, ao liberar da burocracia da Lei
de Licitações as compras de até R$ 300 mil. O texto também passa de 240 para
416 o número de horas que os pesquisadores das universidades públicas podem
destinar a projetos de pesquisa com garantia de progressão na carreira, além de
facilitar as parcerias entre universidades e empresas.
Em entrevista
à Agência Brasil, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Celso
Pansera, falou sobre a expectativa de que a nova legislação traga mudanças
significativas à área de pesquisa que, para ele, passará a receber mais
investimentos do setor produtivo e a focar em resultados práticos, levando o
Brasil a inovar e até a causar impacto na balança comercial.
“Hoje, todos
dizem que o Brasil é um país de commodities. Nós queremos deixar de
exportar matéria-prima para nos tornarmos um país que exporta inovação, com
produtos de alto valor agregado. Tenho certeza de que isso vai se refletir na
balança comercial nos próximos anos.”, disse.
Confira os
principais trechos da entrevista:
Agência
Brasil:
Hoje, no Brasil, as pesquisas e os pesquisadores estão concentrados nas
universidades públicas, diferentemente do que acontece nos países
desenvolvidos. O marco pode mudar esse cenário?
Celso
Pansera: O
empresariado brasileiro não tem tradição de investir em pesquisa e em
conhecimento. O setor de estágio no Brasil, por exemplo, nunca se desenvolveu
muito, assim como o setor de ensino técnico mostra dificuldades porque as
empresas não têm essa prática. Isso se reflete também na área de pesquisa.
O resultado
disso é que o governo acabou substituindo a iniciativa privada nesses
investimentos e, principalmente, desde os anos 2000 começou a investir pesado.
Foi então que começaram a surgir os entraves. Com o novo marco para a área,
estamos destravando essa questão, que é necessária. Estamos nos espelhando no
sistema europeu do ponto de vista da relação das universidades com o setor
produtivo, que historicamente é muito ruim no Brasil.
As pesquisas
brasileiras estão muito concentradas nas áreas de humanas e também há muitos
pesquisadores desenvolvendo pesquisa pela pesquisa. Com a mudança, setores dinâmicos
da economia nacional, que começam a ganhar dinheiro, vão pressionar algumas
áreas das universidades, por isso há tanta resistência. Ao colocar mais
dinheiro nas universidades, outras áreas vão se sobrepor e mudar o cenário. Não
sei se vão criar laboratórios de pesquisa nas indústrias, mas com certeza as
indústrias vão entrar mais nas universidades.
Agência
Brasil: Vai
aumentar o investimento das empresas no setor?
Celso
Pansera:
Sim, o empresariado brasileiro tem se modernizado muito e precisa encontrar, de
uma forma ou de outra, apoio para investir na inovação. A economia vai começar
a girar de forma diferente, deixando de ser de commodities para ser
de produtos com valor e tecnologia agregados.
Agência
Brasil: Com
isso, as pesquisas serão mais direcionadas ao mercado, ao lucro e terão foco
nos resultados? Isso é visto como algo negativo por alguns especialistas.
Celso
Pansera: As
pesquisas vão deixar de ser só por diletantismo [filosofia de vida que coloca,
como condição prévia à ação, o prazer e o capricho pessoa] e passarão a
ter reflexo no mundo real. Os professores, que podem ter a ideia de um produto
e o medo de a progressão de carreira deles não ir pra frente caso saiam da sala
de aula, agora têm essa garantia, essa é a primeira coisa. O marco destrava os
setores das universidades que têm massa crítica forte e vai levar muitos
profissionais aos laboratórios. Outra coisa é que à medida que o setor
produtivo começar a pagar por pesquisas, isso vai dinamizar a área e as
pesquisas passarão a ser mais efetivas do ponto de vista de gerar produtos e
bem-estar para a sociedade, não apenas conhecimento.
Agência
Brasil: Essa
lei também vai causar impacto na formação de capital humano preparado para
atuar nas empresas?
Celso
Pansera:
Sim, isso é um subproduto da lei. Mas o objetivo central é produzir pesquisa
vinculada à necessidade objetiva da sociedade, gerando riquezas, criando novos
produtos, gerando bem-estar e trazendo inovação.
Os motores a
combustão estão ultrapassados, no setor elétrico só energia limpa. Agora o que
dá dinheiro? Biocombustíveis, biomassa, biopolímeros, coisas modernas que se
não tivermos capacidade inovadora, para realmente inventar coisas novas, não
ganharemos posição de destaque no mundo.
Agência
Brasil: Em
quanto tempo será possível sentir essas mudanças na prática? O marco pode
tornar o Brasil mais competitivo no mercado internacional?
Celso
Pansera: No
setor de pesquisa, acho que o reflexo será rápido. Para o cidadão perceber os
avanços, deve levar alguns anos. Mas, do ponto de vista da exportação, por
exemplo, de exportarmos mais produtos com valor agregado, com certeza isso vai
acontecer. Hoje todos falam que o Brasil é um país de commodities. Nós
queremos deixar de exportar matéria-prima para nos tornarmos um país que
exporta inovação, com produtos de alto valor agregado. Tenho certeza de que
isso vai se refletir na balança comercial nos próximos anos
Agência
Brasil: O
senhor tem dito que o marco vai levar a um aumento do número de patentes
brasileiras? Como?
Celso
Pansera: Com
o marco, as pesquisas vão ficar mais voltadas para a produção de patentes,
porque o pesquisador e a universidade passam a ganhar com isso. Hoje em dia é
muito demorado, as universidades não podem se associar a empresas, as
universidades e os pesquisadores não podem ter receita advinda disso. Você
imagina uma universidade que produz um chip novo. Ela vai ter ganho
real em cima disso, trazendo mais recursos para serem investidos em novas
pesquisas pela própria universidade. Cria-se um ciclo virtuoso nessa questão.
Agência
Brasil: O
que precisa ser regulamentado para que o texto possa avançar ainda mais?
Celso
Pansera: Um
dos itens aprovados pelo Congresso Nacional é que os institutos de pesquisa
possam ganhar comissionamento pela gestão de projetos de pesquisa, mas isso foi
vetado pela Fazenda. Esse é um dos debates que precisamos travar para ver o que
há na legislação brasileira que impede isso aí, para a gente mexer e restituir
esse artigo, que também é muito importante.
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