Seria ódio ou
o não menos execrável egoísmo, o sentimento que parte da sociedade brasileira
vem demonstrando em suas atitudes, tanto em palavras quanto em atos.
O professor de
Ética e Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Alessandro
Pinzani, entende que as razões que explicam essa divisão entre os brasileiros
têm tudo a ver com a política da gestão petista, que entre outras coisas criou
programas e leis que não foram bem aceitas pelas camadas historicamente mais
favorecidas. É o caso da regulamentação do trabalho doméstico.
"A classe
média se sentiu ameaçada em seu estilo de vida e se viu em parte alcançada
pelas classes sociais inferiores, que passaram a usufruir de bens e serviços
que até então ela considerava como seus privilégios."
Isso explica
em grande parte, segundo ele, os comentários preconceituosos nas redes sociais
ou até mesmo por parte de alguns comentaristas na TV sobre o “pobre”, que agora
compra carro, sobre os “farofeiros”, que agora frequentam os aeroportos ou os
shopping centers – o que, aliás, desencadeou, a partir de 2013, a repressão
policial aos rolezinhos dos adolescentes das periferias em centros de compras
mais badalados, em bairros nobres.
"Na
realidade, acabou vindo à tona um preconceito que já existia de maneira
profunda, mas que não precisava se manifestar abertamente, uma vez que suas
vítimas (os pobres, os negros, os nordestinos) não compartilhavam os mesmos
espaços (físicos, sociais, econômicos) da classe média, a não ser em posição
subordinada, como zelador de prédio, entregador de encomendas, empregada
doméstica", diz Pinzani.
Ou seja, a
classe média tem a sensação de estar perdendo terreno em termos de importância
social e política e em termos de qualidade de vida. "Isso lhe provoca medo
e uma reação quase instintiva de ódio contra os atores sociais que considera
responsáveis por isso, a saber, o governo petista e os próprios membros das
classes subalternas."
Pinzani
entende que isso pode mudar com o tempo, uma vez que a presença dos filhos dos
“pobres” (que já deixaram em parte de sê-lo) nas universidades pode levar à
criação de uma nova classe média menos preconceituosa. "Não sei quantos
dos médicos que pertencem àquele grupo de Facebook que sugeria a castração
química dos nordestinos e dos pobres são filhos de pobre ou de nordestino. Com
certeza, com o ingresso de mais nordestinos ou pobres nas universidades, o
número de profissionais preconceituosos poderá diminuir, mas isso vai demorar
ainda muito."
Ao lado da
professora Walquíria Leão Rego, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
Pinzani percorreu as regiões mais pobres entrevistando bolsistas do Bolsa
Família. E garante que, ao contrário do que muita gente apregoa, não é apenas o
programa de transferência de renda que estaria por trás do apoio dos mais
pobres a Dilma.
"As
pessoas mais pobres têm a percepção, bastante correta, de que os governos
petistas foram os primeiros a se interessar concretamente por eles e por seus
problemas. São quase 60 programas de combate à pobreza, não somente o Bolsa, e
a maioria deles visa não somente a transferir renda, mas a criar condições
estruturais que ajudem essas pessoas a saírem da sua situação. Óbvio que os
pobres votam seguindo seu interesse, como o faz a classe média, quando vota em
candidatos que prometem diminuir os impostos", analisa.
Para o professor,
os que apoiam o governo da presidenta reconhecem também os avanços
educacionais, sobretudo a partir de programas como o ProUni, o Fies, a
ampliação na oferta de vagas pela ampliação da rede federal de ensino superior
e o Pronatec. "Há ainda muitas outras coisas complementares. A população
está percebendo que há esses programas.
Para o
filósofo e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
USP Vladimir Safatle, essa divisão da sociedade não chega a surpreender, uma
vez que, segundo ele, a sociedade brasileira é claramente dividida do ponto de
vista ideológico, que chega a ultrapassar a divisão das classes sociais.
“Mesmo o Lula
ganhava a eleição com uma média de 60% dos votos. Ou seja, 40% da população
estava com o pensamento conservador, e não era só a classe média. Não existe
40% de classe média no Brasil. Esse percentual abrangia setores da classe mais
pobre”, disse em entrevista à RBA.
Para Safatle,
essa divisão é positiva. "Assim, as pessoas vão entender de uma vez por
todas: nós não estamos no mesmo país. Nós não vivemos no mesmo país. Nós temos
diferenças fundamentais com vários grupos, que representam o pensamento
conservador nacional”, disse.
“Nem em
relação a nossa história temos acordo: essas pessoas, em última instância,
acham que é normal que o Estado não criminalize a tortura de Estado, que é
normal falar que a ditadura militar foi um mal necessário, por exemplo.”
Para
Alessandro Pinzani, uma sociedade dividida nunca foi e nunca será um fenômeno
positivo. Ele lembra que as sociedades europeias superaram as profundas
divisões sociais e econômicas somente através de revoluções, guerras e,
sobretudo, de políticas sociais de amplo alcance e de longo prazo.
E que ao longo
da história dos últimos séculos, as lutas sociais da classe operária e, em
geral, dos trabalhadores, bem como o risco concreto de uma revolução social,
levaram os governos – inclusive os mais conservadores – a tomar medidas para
diminuir a desigualdade social e garantir um nível mínimo de qualidade de vida
para todos.
"Na
Alemanha do final do século 19, o reacionário chanceler Bismarck introduziu
legislações sociais que muitos membros da classe média brasileira atual
considerariam comunistas e dignas da Cuba castrista", lembra Pinzani.
Ainda segundo
ele, o renovado aumento da desigualdade econômica é visto com muita preocupação
na Europa, onde todos os governos afirmam querer tomar medidas contra o
fenômeno. Isso por entenderem que uma sociedade que exclui uma parcela
importante da população não é saudável e corre o risco de implodir.
"Agora,
no Brasil, é difícil convencer os excluídos que eles têm o dever de manter-se
leais a uma ordem jurídica e política que os discrimina ou prejudica. Os pobres
aceitaram sua exclusão por séculos quase sem revolta, mas com importantes
exceções. Agora não parecem estar mais dispostos a fazer isso, e com certeza
não quererão voltar para o status quo anterior às políticas sociais dos
governos petistas."
Se Aécio
tivesse conseguido se eleger, sabia que deveria levar em conta tudo isso, ou enfrentaria
muitas resistências e, provavelmente, manifestações populares como as de 2013.
"Com a vitória, Dilma seguirá enfrentando o mal-estar da classe média. Em suma,
durante algum tempo não haverá mandato confortável para nenhum dos que sejam presidente
no Brasil."
a mesma coisa sempre tem que colocar pobres e negros
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