Por Luiz Flávio Gomes no
JusBrasil
O dinheiro
manda, desmanda e “governa”. E o povo? Continua, por ora, na caverna. A
presidenta Dilma, ao prometer liberar R$ 444 milhões para os parlamentares,
conseguiu a aprovação da flexibilização da meta fiscal. Velha política
brasileira (praticada deploravelmente por todos os governantes) do “toma lá dá
cá”. A Friboi, por sua vez, que foi a maior “financiadora” das campanhas
eleitorais de 2014 (“doou” quase 400 milhões para praticamente todos os
partidos políticos; perto de R$ 70 milhões somente para a reeleição de Dilma),
não “aceitou” a indicação de Kátia Abreu para o ministério da Agricultura. Se
quem manda na vida política é o dinheiro (os donos dos meios de produção, de
comunicação e das finanças), o grupo JBS (Friboi), para a preservação dos seus
“negócios”, sente-se no direito de interferir diretamente nos atos do governo,
como é o caso da nomeação do novo ministro da Agricultura.
02. É assim
que funciona o conúbio escabroso entre a política (aqui mais escatologicamente
que em outros lugares) e o dinheiro (que “coopta” os políticos por meio do
financiamento das suas campanhas ou “comprando” os seus votos no Parlamento).
Houve um tempo em que o Rei detinha (ou comandava) o poder econômico e o poder
político (ele tinha ou administrava todos os meios de produção: terras,
máquinas, fábricas etc.). A história conta que na medida em que os
endinheirados burgueses (comerciantes, industriais, fazendeiros, seguradoras,
financistas etc.) foram crescendo, o poder econômico do Rei foi paralelamente
diminuindo, até ficar reduzido à cobrança de impostos. Mas os burgueses não
tinham o poder político. No nosso entorno cultural, somente no final do século XVIII
deu-se a grande virada: os burgueses, donos do poder econômico, assumiram
também (com a Revolução Francesa, 1789) o poder político (isso já tinha
ocorrido há um século antes na Inglaterra). Cortaram o pescoço do Rei e se
afastaram e esvaziaram, ao mesmo tempo, o poder religioso (católico).
Formalmente, os burgueses dividiram o poder visível em três: Executivo,
Legislativo e Judiciário. Não abriram mão, claro, do poder econômico (do
controle dos meios de produção, de comunicação e das finanças), que é o que
comanda o poder político (seja de forma direta, quando um endinheirado assume
cargos políticos, seja de forma indireta, financiando as campanhas eleitorais
dos políticos que, dessa forma, são cooptados – abduzidos – pelo poder
econômico). É assim que funciona o poder até hoje; na realidade, sua
configuração é a seguinte: poder econômico + poder político (Executivo e
Legislativo) + Poder Jurídico.
03. A podridão
(desigualdade, opressão, enriquecimento monopólico, vantagens no mercado,
pilhagem do patrimônio público por meio da lei etc.) nascida dessa espúria
união (do poder do dinheiro com o poder político) é a marca registrada de todas
as governanças que seguem a lógica do deplorável “toma lá dá cá”, semeada
sobretudo por setores pouco ortodoxos do mundo político-empresarial, que mesmo
quando fazem seus “negócios” dentro da lei (como é o caso das doações
eleitorais), sempre estão com um pé na canalhice do crime organizado da mesma
natureza (tal qual o da Petrobra$, da Eletrobra$ etc.).
04. É neste
estado lamentável que sempre esteve o Brasil. Não há mal, devassidão,
humilhação ou capciosa afronta ao qual ele não tenha se submetido em seus cinco
séculos de existência. O império da lei para todos, no nosso país, não passa de
uma enorme ilusão (uma fantasia). Em alguns momentos, de tão desacredita e
impotente, chega-se a mover o riso quando ela é invocada, porque a fraqueza
institucional entre nós é sistêmica, apesar da corrupção endêmica e da
violência epidêmica. A garantia da execução da lei no Brasil, em geral, mais
parece a uma burla, especialmente quando de um poderoso se trata. Os recursos
são canalizados para um pequeno grupo e quase tudo é feito dentro da lei
(porque não há envergonha em se utilizar o Estado de Direito também para a
pilhagem do patrimônio público – veja Ugo Mattei e Laura Nader, Pilhagem).
05. É assim
que sempre se governa (na maior parte do tempo) no Brasil e no mundo (desde que
o mundo é mundo): há lideranças carismáticas, religiosas, tradicionais (Max
Weber), mas é o poder do dinheiro que preponderantemente “guia” os políticos,
que entendem bem essa linguagem (seja quando vem das empresas, seja quando
emana do próprio governo). É assim que a ciranda financeira gira (nas barbas do
povo inerte e indiferente, que a tudo assiste e, normalmente, nada faz).
Enquanto não houver uma decisiva manifestação popular as mudanças serão sempre
adiadas. Já não basta expressar indignação. O momento é de agir, de sair para
as ruas e exigir medidas concretas como cassação de todos os políticos
envolvidos comprovadamente em corrupção, fim da reeleição no executivo e fim do
político profissional no legislativo (imposição de um limite temporal, para que
não haja perpetuação no poder).
Saiba mais
06. É da nossa
tradição, quando da coisa pública se trata, que as pessoas de inteligência, de
mérito e de bom tirocínio sejam deslocadas, escanteadas e, curialmente,
substituídas pelos mais espertos, pelos aventureiros e ineptos, que se dispõem,
sem peias, a servir de meras correias de transmissão dos grandes donos do poder
que os revestem de mando. Nem sequer a Constituição
representa um sério obstáculo frente à voracidade carnal, quando se sabe que
tudo depende da sua “criteriosa” interpretação. Naquilo que lhe é
incontroverso, dá-se seu cumprimento por quem não tem consciência do que faz
nem do que deve fazer, muitos assinando em cruz o que os amos do poder
determinam. Tampouco de legitimidade eleitoral se pode falar, porque aqui as
eleições, desde sempre, mais se assemelham a um assalto corriqueiro na cena
diurna ou noturna das urbes nacionais que a uma festividade cívica civilizada,
representativa de uma participação popular consciente e seletiva (seleção dos
melhores). Nas ruas a bolsa é dada sem resistência para que se possa preservar
a vida do viandante acometido subitamente pelo tresloucado ladrão. Nas eleições
o que se vende aos grandes donos do poder é a própria governança assim como a
edição de leis e atos dos seus interesses, não infrequentemente escusos, porque
muitos margeiam a canalhice deslavada do crime organizado.
07. Vamos aos
detalhes dos fatos: Dilma pretende nomear como ministra da Agricultura a
senadora Kátia Abreu (PMDB-TO). O Grupo JBS (Friboi), que foi o campeão
nacional em doações na campanha de 2014, quase R$ 400 milhões (69,2 milhões
somente para a reeleição de Dilma), tendo ajudado 1.705 candidatos, que
receberam dele recursos de forma direta ou indireta (via partido) (Estadão2/12/14),
é contra essa nomeação. Sabe-se que quem financia a campanha eleitoral “compra”
o governo e o parlamento. Nem sempre leva tudo, mas tenta impor (e preservar)
os seus “negócios” (o JBS, a propósito, ajudou a eleger 1 presidente, 12
senadores, 18 governadores e 190 deputados federais – Folha 2/12/14). Um
“doador” desse porte tem acesso fácil (evidentemente) aos palácios governantes.
O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, fora da agenda, recebeu um dos
maiores donos do poder e do dinheiro (Joesley Batista) (Estadão e Folha). Por
que o JBS não quer a senadora como ministra? Primeiro porque ela criticou a
campanha publicitária da Friboi (achando-a antiética, prática monopolista e
marketing enganoso).
08. Mais ainda
(conforme o Estadão): o Ministério da Agricultura faz parte dos “negócios” do
reclamante. Em outubro/14 esse ministério foi condenado na Justiça por ter
beneficiado claramente citado grupo, impondo limitação à exportação de carnes
pelos Entrepostos de Carnes e Derivados (ECDs), operados por pequenos
frigoríficos (que não têm condições de doar R$ 400 milhões numa campanha
eleitoral). Menos de dois meses depois de proibir o uso de expressões “especial”
e “premium” em rótulos de carne, uma secretaria do referido ministério
descumpriu a regra para atender os interesses do JBS (que também é um dos
grandes beneficiários dos empréstimos favoráveis do BNDES – R$ 7 bilhões
recentemente). É importante sublinhar (como fazem os doadores) que todas as
“doações” eleitorais do mundo empresarial estão devidamente declaradasao TSE.
Disso ninguém pode esquecer (tudo foi declarado, nos termos da lei). Também foi
nos termos da lei que Hitler matou milhões de pessoas durante o nazismo.
09. A ciranda
do crime organizado político-empresarial (que governa grande parte do PIB do
país) é muito dinâmica (Estadão): a senadora Kátia Abreu (assim como seu filho
Irajá Abreu-PSD-TO), por seu turno, recebeu doações da empresa Fiagril (R$ 550
mil), que está sendo investigada na Operação Terra Prometida (da PF), que cuida
de um esquema bilionário organizado criminosamente por fazendeiros e
empresários para a venda de terras destinadas à reforma agrária (é nesse esquema
que estão envolvidos, dentre outros, dois irmãos do atual ministro da
Agricultura, Neri Geller, do PMDB). A venda ilegal de lotes nunca foi novidade.
Nem tampouco a grilhagem de terras pelos mais fortes. A novidade está na constituição
de uma organização criminosa poderosa, envolvendo quase uma centena de
fazendeiros, funcionários do Incra etc. Maior cuidado devemos ter no Brasil com
os grandes ladrões cuja função pública é nos livrar dos pequenos ladrões (A
arte de furtar).
Veja o vídeo
que gravei: O que fazer com Políticos Corruptos?
P. S.
Participe do nosso movimento fim da reeleição (veja
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*Luiz Flávio Gomes - Professor,
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do
Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito
(1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa
+55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas] ]
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