Por David
Gordon
Liberais
clássicos veem o estado com desconfiança. Com efeito, alguns deles — dos
quais Murray Rothbard e Hans-Hermann Hoppe são exemplos mais radicais — querem
abolir o estado completamente.
Por
mais convincente que sejam os argumentos a favor de uma ordem social
inteiramente baseada na propriedade privada, o fato é que hoje vivemos em um
mundo completamente estatal, com governos por todos os lados.
Considerando-se então este fato, qual tipo de estado é o melhor? Se, como
famosamente disse Albert Jay Nock, o estado é nosso inimigo, qual regime seria
o menos ameaçador? Vários sugerem a democracia, mas Hoppe discorda.
Em
seu livro Democracia
- o deus que falhou, Hoppe explica em detalhes como a democracia gerou
exatamente aquele aumento no poder estatal que os liberais clássicos
deploravam: "Explicarei por que esse rápido crescimento do poder estatal
observado ao longo do século XX — tão lamentado por Mises e Rothbard — deve ser
atribuído à democracia e à mentalidade democrática, isto é, à (errônea e falsa)
crença na eficiência e na justiça da propriedade pública e nas virtudes de um
governo da maioria."
E
prossegue: Embora Mises e Rothbard "fossem conscientes quanto às
deficiências éticas e econômicas da democracia", ambos "tinham uma
leve queda por ela e tendiam a ver de forma positiva a transição da monarquia
para a democracia, considerando-a um progresso".
A
monarquia preserva as liberdades de maneira muito mais consistente do que a
democracia; e quando Hoppe diz "monarquia", ele realmente leva o
conceito a sério. Ele não está se referindo a reinos constitucionais, ao
estilo da atual Grã-Bretanha, onde o monarca reina, mas não administra.
Ao contrário, ele se refere aos reis integrais do Antigo Regime, com os
Habsburgos sendo especialmente seus favoritos.
Mas
como pode Hoppe dizer isso? Um rei governa em benefício próprio. E,
além de beneficiar apenas a si próprio, ele não tem de dar satisfações a
ninguém. Já em uma democracia, ao contrário, um governo que desagrada o
povo pode ser substituído. Será que a possibilidade de ser substituído já
nas próximas eleições não contribui para restringir a sanha do governo que está
atualmente no poder?
Hoppe
consegue reverter toda essa crença popular. Sim, é verdade que um rei
considera o governo como sendo sua propriedade particular; mas é exatamente
esta crença que irá induzi-lo a agir com bom senso — ao menos, melhor que
políticos em uma democracia. Em vez de dilapidar os recursos da nação,
ele irá geri-los com mais prudência, principalmente se quiser legar seu reinado
a seus herdeiros.
Diz
Hoppe: "Partindo do princípio do interesse próprio, o monarca irá querer
maximizar a sua riqueza — isto é, o valor presente da sua propriedade e as suas
receitas correntes. No entanto, não é do seu interesse aumentar
as suas receitas correntes à custa de uma redução mais do que
proporcional no valor presente dos seus ativos."
A
princípio, é fácil pensar que este argumento não prova nada. O
governante, é fato, pode querer conservar sua propriedade; mas e quanto ao
resto do país? O que o impede de saquear a propriedade de seus
súditos? Hoppe apresenta uma resposta engenhosa. Uma sociedade
próspera e segura irá elevar o valor da propriedade do monarca.
Por conseguinte, o monarca terá um grande incentivo para restringir e limitar
suas depredações sobre o resto da população.
Explica
Hoppe: "Para preservar ou até mesmo elevar o valor da sua propriedade
pessoal, o monarca irá sistematicamente restringir as suas políticas
tributárias, pois, quanto menor for o grau de tributação, mais produtivos serão
os súditos; e, quanto mais produtivos forem os governados, maior será o valor
apropriado pelo reinado, isto é, maior será o valor extraído pelo rei e seu
monopólio da expropriação".
Pense
o leitor o que quiser, mas é inegável tratar-se de uma observação de enorme
importância. Não foi à toa que tal constatação impressionou enormemente o
distinto liberal-clássico austríaco e monarquista Erik von
Kuehnelt-Leddihn.
Ainda
assim, seria possível aduzir uma tendência oposta, a de que o monarca irá
querer transferir para a sua propriedade o máximo possível de seus súditos.
Afinal,
não seria verdade que a prosperidade de seus súditos teria de se comprovar
maior do que aquilo que o rei imaginaria ser capaz de auferir por meio da
expropriação direta? Hoppe, no entanto, ao menos mostrou que há um
poderoso incentivo para limitar o crescimento do governo em uma
monarquia. Até mesmo Jean Bodin, o grande teórico francês do absolutismo,
afirmou que o rei deveria, se possível, se sustentar exclusivamente por meio de
suas posses.
Em
uma democracia, em contraste, o governo irá confiscar o máximo possível, sem
consideração quanto ao futuro. Exatamente porque os detentores do poder
são temporários, exatamente porque eles não são os donos do governo, eles não
possuem os incentivos para pensar no longo prazo.
Explica
Hoppe: "Um governante democrático pode utilizar o aparato do governo em
benefício próprio, mas este não lhe pertence. Ele sabe que está ali
apenas temporariamente. Ele detém o uso atual dos recursos
governamentais, mas não é o proprietário do valor do capital. Em distinto
contraste com um rei, um político democraticamente eleito desejará maximizar
não a riqueza total do governo (seus ativos), mas sim as receitas correntes
(quase sempre à custa da valorização dos ativos)."
Mais
uma vez, Hoppe antecipa e desmonta uma objeção. Se um governo democrático
age exatamente como ele explica, não irá o povo removê-lo nas próximas
eleições? Afinal, todo o objetivo da democracia é fazer com que aqueles
que buscam o poder concorram entre si pela preferência da maioria. O temor
de ser retirado do poder irá, desta maneira, restringir as depredações do
governante do momento.
No
entanto, e infelizmente, as próprias estruturas de um governo democrático fazem
com que esta suposta restrição não exista. Os governantes compram votos
ao prometerem aos pobres benefícios assistencialistas e aos grandes
empresários, subsídios e protecionismo. A classe média e os pequenos
empresários pagam a conta, mas a insatisfação deles não é suficiente para
derrubar o governo. O número total deles é pequeno comparado aos outros
grupos que o governo subsidia. Logo, a depredação democrática segue
impávida, e para benefício daqueles que ocupam o governo.
Embora
prefira a monarquia à democracia, Hoppe não é um entusiasta deste
arranjo. Muito pelo contrário: ele se opõe completamente à existência de
um estado. "Com efeito, uma entidade que detém o monopólio da
decisão judicial suprema e equipada com o poder de tributar não apenas
produzirá menos justiça e em menor qualidade, como na realidade produzirá mais
injustiça e mais agressão. Portanto, a escolha entre monarquia e democracia diz
respeito a uma opção entre duas ordens sociais defeituosas."
Hoppe
vai ainda mais longe e atribui o fracasso do liberalismo clássico à ignorância
deste fato fundamental. Os liberais clássicos do século XIX, e seus
sucessores atuais, se esforçaram em alcançar a quimera de um governo limitado;
este foi seu "principal e monumental erro". O governo, pela sua
própria natureza, tende a se expandir.
O
autor ainda intensifica sua posição. Ele afirma que, a partir do momento
em que você aceita que a propriedade privada, inclusive a propriedade sobre si
próprio, é um direito inviolável, então você não pode aceitar a legitimidade de
uma instituição que detenha o monopólio de impingir direitos.
Explica
Hoppe: "Esse tipo de monopólio contratual implicaria que qualquer dono de
propriedade tivesse de ceder a terceiros, e de forma permanente, a proteção de
seu corpo e de sua propriedade, bem como seu direito de ser o tomador supremo
de suas decisões. Com efeito, ao transferir esse direito para outro indivíduo,
tal pessoa estaria se submetendo a uma escravidão permanente."
Com
efeito, pessoas que consentem com a existência de um estado que detém o
monopólio da violência, da força policial e da tomada suprema de decisões
judiciais estão se colocando em risco iminente de perder suas liberdades.
Ao nos ajudar a perceber isso, Hoppe prestou um grande serviço, um dentre
vários em sua obra de enorme mérito.
Empregando
teoria política e econômica, o livro Democracia - o deus que
falhou faz uma reconstrução revisionista da moderna história
Ocidental. Ele cobre desde o surgimento dos estados monárquicos
absolutistas, que saíram das ordens feudais onde não havia estado, até a
transformação — começando com a Revolução Francesa e praticamente completada
com o fim da Primeira Guerra Mundial — do mundo Ocidental desde os estados
monárquicos até os democráticos, culminando com a ascensão dos EUA até o posto
de "império universal".
Finalizo
com essas palavras de Hoppe sobre a democracia:
Em
uma democracia, a entrada no aparato governamental é livre. Qualquer um
pode se tornar presidente, primeiro-ministro, senador, deputado, prefeito,
vereador etc. No entanto, liberdade de entrada nem sempre é algo
bom. Liberdade de entrada e livre concorrência na produção de bens é
algo positivo, porém livre concorrência na produção de maus é algo
negativo.
Que
tipo de "empreendimento" é o governo? Resposta: ele não é um
produtor convencional de bens que serão vendidos a consumidores
voluntários. Ao contrário: trata-se de um "negócio" voltado
para a expropriação — por meio de impostos e inflação monetária (que nada mais
é do que falsificação de dinheiro) — e receptação de bens roubados. Por
conseguinte, liberdade de entrada no governo não tem o efeito de melhorar algo
bom. Pelo contrário: torna as coisas piores do que más, isto é, aprimora
o mal.
Dado
que o homem é como ele é, em todas as sociedades existem pessoas que cobiçam a
propriedade de outros. Algumas pessoas são mais afligidas por esse
sentimento do que outras, mas os indivíduos normalmente aprendem a não agir de
acordo com tal sentimento, ou até mesmo chegam a se sentir envergonhados por
possuí-lo. Geralmente, somente alguns poucos indivíduos são incapazes de
suprimir com êxito seu desejo pela propriedade alheia, e são tratados como criminosos
por seus semelhantes e reprimidos pela ameaça de punição física.
Quando
a entrada no aparato governamental é livre, qualquer um pode expressar
abertamente seu desejo pela propriedade alheia. O que antes era
considerado imoral e era adequadamente suprimido, agora passa a ser considerado
um sentimento legítimo. Todos agora podem cobiçar abertamente a
propriedade de outros em nome da democracia; e todos podem agir de acordo com
esse desejo pela propriedade alheia, desde que ele já tenha conseguido entrar
no governo. Assim, em uma democracia, qualquer um pode legalmente se
tornar uma ameaça.
Consequentemente,
sob condições democráticas, o popular — embora imoral e anti-social — desejo
pela propriedade de outro homem é sistematicamente fortalecido. Toda e
qualquer exigência passa a ser legítima, desde que seja proclamada
publicamente. Em nome da "liberdade de expressão", todos são
livres para exigir a tomada e a consequente redistribuição da propriedade
alheia. Tudo pode ser dito e reivindicado, e tudo passa a ser de
todos. Nem mesmo o mais aparentemente seguro direito de propriedade está
isento das demandas redistributivas.
Pior:
em decorrência da existência de eleições em massa, aqueles membros da sociedade
com pouca ou nenhuma inibição em relação ao confisco da propriedade de
terceiros — ou seja, amorais vulgares que possuem enorme talento em agregar uma
turba de seguidores adeptos de demandas populares moralmente desinibidas e
mutuamente incompatíveis (demagogos eficientes) — terão as maiores chances de
entrar no aparato governamental e ascender até o topo da linha de
comando. Daí, uma situação ruim se torna ainda pior.
A
seleção de regentes governamentais por meio de eleições populares faz com que
seja praticamente impossível uma pessoa boa ou inofensiva chegar ao topo da
linha de comando. Políticos são escolhidos em decorrência de sua
comprovada eficiência em serem demagogos moralmente desinibidos. Assim, a
democracia virtualmente garante que somente os maus e perigosos
cheguem ao topo do governo.
Nesse
cenário, as pessoas passam a desenvolver a habilidade de mobilizar apoio
público em favor de suas próprias posições e opiniões, utilizando-se de
artifícios como demagogia, poder de persuasão retórica, promessas, esmolas e
ameaças. Quanto mais alto você olhar para uma hierarquia estatal, mais
você encontrará pessoas excessivamente incompetentes para fazer o trabalho que
supostamente deveriam fazer. Não é nenhum obstáculo para a carreira de um
político ser imbecil, indolente, ineficiente e negligente. Ele só precisa
ter boas habilidades políticas. Isso também contribui para o
empobrecimento da sociedade.
David
Gordon é membro sênior do Mises Institute, analisa livros
recém-lançados sobre economia, política, filosofia e direito para o periódico
The Mises Review, publicado desde 1995 pelo Mises Institute. É também o autor
de The
Essential Rothbard.
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