Braço
da ONU busca parcerias com instituições públicas e privadas para facilidade
acesso ao ensino superior
Por Paloma Rodrigues,
no site da Carta capital
Em 1998,
Angola enfrentava uma das fases mais sangrentas de uma guerra civil que já
durava, entre intervalos, 23 anos. Milhares de cidadãos deixavam o país e
pediram refúgio ao redor do mundo. De Luanda, uma família de cinco pessoas
partiu para o Brasil e se instalou na cidade de Ibiúna, no interior de São
Paulo. Dezesseis anos depois, o filho do meio da família conseguiu o que
parecia distante quando chegou ao País: com a ajuda da Agência da ONU para
Refugiados (ACNUR) no Brasil, conseguiu entrar na faculdade.
Ezequiel
Ngunga Nhime, de 18 anos, é estudante ciências da computação na Universidade
Católica de Santos, no litoral de São Paulo. A universidade, apontada pelo
próprio ACNUR como um modelo, é pioneira na inclusão de refugiados.
Chegar a um
novo país sem ter parentes ou conhecidos é um desafio para os estrangeiros.
Muitos chegam sem documento, roupa ou conhecimento da língua local. Atualmente,
o ACNUR estima que existam cerca de 4,6 mil refugiados no Brasil, de mais de 70
países diferentes. O número de solicitantes de refúgio, segundo o mais recente
levantamento do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), mais do que triplicou
de 2012 para 2013. No último ano, foram dadas 649 autorizações de refúgio,
enquanto em 2012 foram 199. Desse total, 43,6% têm origem síria e estão fugindo
da guerra civil que atinge o país.
O primeiro
passo, arrumar moradia, é uma tarefa árdua devido à estabilidade financeira e o
desconhecimento da geografia local. “O processo de [encontrar] moradia eu tive
de fazer sozinho. Perto da faculdade eu encontrei angolanos, que não estão no
Brasil como refugiados, mas que me indicaram algumas repúblicas”, conta
Ezequiel a CartaCapital.
“Não precisei
de ajuda nesse momento, mas, dependendo da condição, as pessoas de fora talvez
precisassem de ajuda.” Foi o caso de um dos colegas de sala de Ezequiel.
Vindo do Congo, também na condição de refugiado, o jovem conseguiu cursar
apenas um semestre na universidade. Não conseguiu moradia em Santos e precisou
se instalar em uma cidade no seu entorno. Sem condições de pagar o transporte
até a faculdade, o jovem deixou de frequentar o curso.
Este entrave,
aponta o reitor da Universidade Católica de Santos, Marcos Medina
Leite, é um dos principais desafios enfrentados na recolocação dos refugiados
no ensino superior. “A gratuidade do curso não basta. Dentro da realidade
dessas famílias - porque geralmente são famílias e, não pessoas isoladas - é
preciso encontrar uma forma que garanta uma devida integração."
“É claro que
não adianta colocá-lo na instituição, é preciso oferecer condições para que ele
permaneça. E aí surgem os desafios: além da gratuidade, ele precisa ter uma
bolsa de subsistência, auxilio moradia e transporte”, afirma o professor
Gilberto Rodrigues, hoje na UFABC. Rodrigues foi o responsável pelo início das
pesquisas e trabalhos com refugiados na Unisantos e pela implementação da
Cátedra Sérgio Vieira de Mello na universidade, no final de 2007. “Para as
universidades públicas é mais fácil, porque eles já têm os recursos destinados
pra isso. Nas particulares é mais difícil, até porque o sistema esta passando
por uma crise financeira”, explica ele.
A universidade
oferece três bolsas integrais de estudos para refugiados, que realizam um
vestibular especial. No caso de Ezequiel, a língua não foi um problema, pois o
português também é o idioma angolano. Na integração de jovens de outras
nacionalidades, as universidades brasileiras também têm de montar um
planejamento que supra as necessidades do estrangeiro.
Atualmente,
apenas oito universidades têm o convênio com o ACNUR e desenvolvem projetos com
os refugiados, dentre eles, a inclusão no ensino superior. Dentre as
instituições públicas estão a Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Universidade Federal de São Carlos, Universidade Federal do Amazonas,
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Dentre as particulares, cada uma com um
modelo específico de vestibular e número de vagas reservadas, estão a
Unisantos, PUC-SP, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Centro Universitário
Vila Velha e Uninorte. O objetivo do ACNUR é que o modelo de bolsas
reservadas para refugiados se consolide e se espalhe por outras universidades
do país, de maneira que consiga cobrir a demanda de refugiados espalhados pelo
território nacional.
Cátedra Sérgio
Vieira de Melo. A proposta da Cátedra surgiu em 2003, quando o ACNUR
buscava incentivar a promoção e difusão do direito dos refugiados na Academia.
A Unisantos foi a primeira a ampliar, ao longo dos anos, a atuação da Cátedra
para os outros eixos das universidades: o ensino e a pesquisa.
“Nós
inicialmente começamos a trabalhar as questões acadêmicas: criamos uma
disciplina na graduação, introduzimos o assunto na graduação e orientamos
trabalhos de conclusão de curso e mestrado”, diz ele. A abertura do foco do
projeto aconteceu em 2010, com a entrada do mexicano André Ramirez como
representante do Acnur no Brasil. “Ele chegou ao Brasil com a visão de que a
Cátedra poderia fazer muitas coisas e isso foi uma grande mudança e foi quando
se materializou o Primeiro Seminário Nacional da Cátedra, que continua
acontecendo anualmente.”
O seminário
foi um meio de articular todas as universidades brasileiras que desenvolviam
projetos com refugiados. Dentro da política externa brasileira, aponta
Rodrigues, a atuação internacional no recebimento de refugiados também se
tornou uma política de governo.
Para o
professor, as políticas, a lei brasileira é um modelo para a ONU. "Aqui na
América latina, [o refugiado] tem mais chances de ter sua condição
reconhecida”. O problema, diz, são a escassez de recursos. Para ele, o governo
precisa ampliar a atenção nessa área. "Quando uma universidade faz um
evento público sobre refugiados, convida as pessoas para mostrá-las que eles
não são criminosos, ela faz um papel importante de sensibilizar a sociedade
para o tema. É um papel fundamental, porque essas pessoas são vulneráveis,
tiveram seus parentes mortos, perderam tudo, não têm documentos."
Em agosto de
2013, a Cáritas São Paulo apontou um aumento no número de jovens pedindo
refúgio ao País. A maioria é proveniente da República Democrática do Congo,
onde o conflito se intensificou ao longo deste ano - os jovens chegam com
históricos de morte na família, perseguição e prisão.
As conquistas
de Ezequiel se refletem em toda a família, que vê no rapaz uma oportunidade de
se integrar e obter uma vida estável no país. “Eu acho que eu estar em uma
universidade ajuda arrumar um emprego.” E esse é o objetivo do jovem para 2014,
que em fevereiro inicia o terceiro semestre do curso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua visita foi muito importante. Faça um comentário que terei prazaer em responde-lo!
Abração
Dag Vulpi