Dois anos após
repressão policial com vistas à privatização da região da Luz, dependentes
químicos deixam de ser criminosos e PM dá lugar a assistentes sociais
Por Gisele
Brito, da Rede Brasil Atual
São Paulo –
"Vamos, seu Hélio, você não está se ajudando desse jeito." A frase
foi repetida várias vezes ao longo dos quase trinta minutos em que a assistente
social Tuani Bessa tentou impedir que uma confusão maior fosse desencadeada
nesta quarta-feira 15 na região conhecida como cracolândia, na Luz. Desde
terça, a prefeitura está removendo uma favela instalada nas ruas Helvétia e
Dino Bueno e Cleveland. Agitado, Hélio já havia se envolvido em outra briga
pela manhã e perambulava desafiando outras pessoas. "Infelizmente, 90% do
nosso trabalho é intermediar conflitos. Às vezes, isso até atrapalha
desenvolver as outras políticas", explica a assistente social.
Apesar da
tensão pontual, toda a cena vista na região nesta semana, famosa pelo tráfico
de drogas e pela degradação arquitetônica e imobiliária, era muito diferente da
vista há dois anos, quando governo estadual e prefeitura aproveitaram o período
de cidade mais vazia para promover a repressão de moradores e dependentes
químicos. A Operação Sufoco, mais conhecida como Dor e Sofrimento, tentava
abrir espaço para o processo de “revitalização” da região rebatizada pelo
prefeito Gilberto Kassab (PSD) como Nova Luz, que seria privatizada e entregue
à especulação imobiliária.
Desta vez, a
confusão começou porque, depois de dizer que não iria retirar nada de seu
barraco, Hélio discutiu com os funcionários da subprefeitura que desmontaram a
casa de madeirite com seus pertences dentro. Foi preciso que Tuani conseguisse
um carrinho emprestado de outro morador para transportar sacolas de roupa e
outros objetos e depois o escoltasse até a tenda do projeto Braços Abertos para
concluir seu cadastro, procedimento realizado por todos os que aderiram ao
programa.
A operação
prevê a hospedagem em um dos cinco hotéis conveniados da região, a contratação
para serviço de varrição e zeladoria com carga de 4 horas diárias, mais duas de
qualificação e salário de R$ 15 por dia de trabalho e a oferta de três
refeições gratuitas - dois hotéis oferecem café da manhã; nos outros, todas as
refeições serão realizadas no Bom Prato da Rua Dino Bueno. O serviço é do
governo estadual, mas a prefeitura está pagando, através da ONG Brasil Gigante,
cada prato servido.
O percurso
poderia ter durado três minutos, mas se alongou por conta das inúmeras brigas
que Hélio provocou. Outros moradores da região e usuários de crack tentaram
alertá-lo para não "arrastar", gíria correspondente a
"prejudicar" na linguagem formal. Mas não adiantou. Com voz firme e
às vezes com tom elevado, a assistente social precisou apartar brigas e pedir
calma ao homenzarrão, que chegou a trocar socos com um rapaz que tomou as dores
pelo atropelamento com a carroça de uma senhora – ela não se feriu. Foi preciso
que guardas civis metropolitanos apartassem os dois. Mas, contrariando os
conselhos de frequentadores da cracolândia, Tuani não desistiu e entregou Hélio
ao cadastramento. "Eles também estão assustados. Para nós, isso aqui é
rua, mas para eles é a casa deles", explica.
Há dois anos, diversos grupamentos da Polícia Militar foram deslocados até a região para sufocar o consumo de drogas, resumidos em boletins eufóricos emitidos diariamente com atualizações sobre o número de abordagens e as quantidades apreendidas. Frequentadores da região eram impedidos de permanecer parados em via pública. À época, bombas de gás e golpes de cassetete foram desferidos contra uma maioria formada por dependentes de crack.
"Quando há diálogo, a aceitação é outra", afirma a defensora pública Daniela Skromov, que cansou de ver cenas de repressão no mesmo local. Desta vez, no lugar de um tratamento de criminosos, a abordagem era feita a dependentes químicos e moradores de rua, sem que a Guarda Civil Metropolitana e a Polícia Militar fossem chamadas a intervir – embora estivessem ali, ocupavam papel de coadjuvante, e não de protagonistas.
Dois anos
depois da Operação Sufoco, sem ter obtido resultado algum, a administração
municipal, agora sob o comando de Fernando Haddad (PT) e sem o projeto da Nova
Luz como mote, realiza outra operação. "Isso não é uma ação isolada, é uma
construção de seis meses. Tudo foi muito conversado", afirmou a secretária
Municipal de Assistência Social, Luciana Temer.
A dúvida, agora, é se os próximos passos da Braços Abertos vão seguir a promessa de tratar uma questão social como uma questão social. Para começar há uma falta de informações detalhadas sobre todo o projeto da prefeitura, que inclui abrigamento em hotéis da região, tratamento de saúde, qualificação profissional e emprego. "Claro que a eficiência disso precisa ser avaliada ao longo do tempo, para garantir que toda ela seja implementada com garantia de direitos, mas essa abordagem inicial é bem melhor do que o que já tivemos", afirmou Skromov.
A dúvida, agora, é se os próximos passos da Braços Abertos vão seguir a promessa de tratar uma questão social como uma questão social. Para começar há uma falta de informações detalhadas sobre todo o projeto da prefeitura, que inclui abrigamento em hotéis da região, tratamento de saúde, qualificação profissional e emprego. "Claro que a eficiência disso precisa ser avaliada ao longo do tempo, para garantir que toda ela seja implementada com garantia de direitos, mas essa abordagem inicial é bem melhor do que o que já tivemos", afirmou Skromov.
De fato, o diálogo realizado antes da remoção garantiu que a população de rua e dependentes de crack dessem um voto de confiança à prefeitura. Mas a expectativa é de que, finda a remoção dos barracos, comece a fase mais difícil. Recolhidos aos quartos de hotel, os participantes do programa terão de enfrentar uma série de desafios, que vão desde a dificuldade de cumprir regras em um espaço com regulamento até o desafio de lidar com dinheiro proveniente do trabalho e o vício.
"Esse
dinheiro pode ser o céu e o inferno. Imagina o que eu vou fazer com esse
dinheiro se eu não tiver cabeça?", pondera Miguel Ramos, um dos
beneficiários, que vive há 17 anos na rua e há 3 meses na favela. "Mas a
minha disposição é aproveitar esse esquema para me fortalecer e sair daqui,
sair dessa. O mais difícil vai ser isso aí de morar no hotel, com várias
pessoas loucas, cheias de neuroses. Mas é a melhor parte também, ter uma
caminha, um chuveirinho."
A secretária de Assistência Social diz que os usuários de crack que ficam no chamado fluxo da cracolândia também serão incluídos em uma segunda etapa do programa Braços Abertos. Até o momento, o programa está concentrado em moradores de uma favela montada há três meses nas ruas Helvétia e Dino Bueno. "O pessoal do fluxo não está excluído. Nós estamos fazendo por etapas. Nós temos 400 vagas no programa. Estamos começando agora a conversar uma segunda etapa com as pessoas que estão nas ruas", afirmou. Há um temor de que, depois que a favela for totalmente removida, aumente a repressão aos frequentadores da região, com foco nos usuários e não nos traficantes.
A secretária de Assistência Social diz que os usuários de crack que ficam no chamado fluxo da cracolândia também serão incluídos em uma segunda etapa do programa Braços Abertos. Até o momento, o programa está concentrado em moradores de uma favela montada há três meses nas ruas Helvétia e Dino Bueno. "O pessoal do fluxo não está excluído. Nós estamos fazendo por etapas. Nós temos 400 vagas no programa. Estamos começando agora a conversar uma segunda etapa com as pessoas que estão nas ruas", afirmou. Há um temor de que, depois que a favela for totalmente removida, aumente a repressão aos frequentadores da região, com foco nos usuários e não nos traficantes.
Após a ação pontual, a prefeitura garante que a Guarda Civil Metropolitana (GCM) seguirá permanentemente com trabalho de congelamento da área, ou seja, terão de evitar a montagem de barracas e colaborar nos flagrantes de tráfico de entorpecentes e outros delitos na região. Cerca de 30 homens farão varreduras a pé e com viaturas motorizadas. A relação com a GCM na cracolândia parece ser mais conflituosa do que com a Polícia Militar. Frequentadores da região afirmam sofrerem agressões.
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