MARCELO DÉDA (1960-2013) |
Por Fernando
Fagundes em 10/12/2013 na edição 776
A tristeza em
relação ao falecimento de Marcelo Déda é intensa. O povo sergipano o reelegeu
pelo mérito da competência administrativa, não há dúvida. Mas há um outro
legado importante que Marcelo Déda deixa, mas desta vez para todo o Brasil e o
governo do PT: Déda encarou de frente a questão da democratização da
comunicação. Desde a sua primeira administração como governante, ele buscou
desenvolver um modelo de comunicação capaz de fortalecer a imagem do governo,
evitando o quanto pôde se render aos assédios e também às extorsões tácitas que
especialistas do setor chamam de “jogo da imprensa”.
Como
jornalista e consultor de comunicação de órgãos de cooperação internacional,
como o Banco Mundial e o PNUD, no final de 2007 participei de uma seleção
pública da Unesco para a realização do documento de projeto (“Prodoc – Project
document”) que visava a dar à comunicação pública de Sergipe um planejamento
estratégico coerente à proposta do governo de Sergipe em “dialogar com o povo”.
O objetivo era construir um modelo pioneiro de comunicação democrática. Eliana
Aquino, esposa de Déda, havia narrado ao então representante da Unesco no
Brasil, Vincent Defourny, um diagnóstico sombrio em relação às dificuldades de
comunicação do governo sergipano com o povo devido aos meios de comunicação
estarem em mãos de famílias de políticos locais e regionais ávidos para
retomarem o poder. Um diagnóstico que se repete até hoje em todo o Brasil.
Na maioria dos
estados, grupos de comunicação concorrem entre si, geralmente sobrevivendo e
crescendo conforme conseguem acessar verbas publicitárias governamentais e de
anunciantes locais. Essa disputa por verbas já é um reflexo da política que
muitas vezes engessa a função social da imprensa no país e compromete a ética
no jornalismo. Historicamente, pode-se afirmar que esta questão tem origem no
“coronelismo”, que deve ser entendido aqui como o poder ou influência que as
oligarquias exercem na vida política e social do Brasil com o intuito de se
perpetuarem de geração a geração.
Ética ignorada
Determinadas
condições históricas provocaram no Brasil o surgimento de grandes grupos de
comunicação, que estão situados principalmente nas capitais dos 27 estados
brasileiros. Em vários estados há predomínio de certos grupos sobre outros, mas
quase sempre há um equilíbrio na oferta de opções de informação. A esmagadora
maioria dos jornais, rádios e televisões é dominada por representantes de
oligarquias. As concessões de rádios e televisões têm sido distribuídas segundo
critérios que relevam a troca de favores políticos.
Desse modo,
perpetua-se um cenário em que a mídia tem atuado principalmente para atender
grupos políticos. Enquanto isso, os profissionais de comunicação se veem sem
condições de exercer seu ofício desfrutando da liberdade de expressão
necessária, embora ela seja prevista na Constituição. Tal circunstância implica
o dilema dos profissionais de comunicação: ou aderem ao compromisso do vínculo
empregatício-político-empresarial, ou ficam à margem dos meios de comunicação,
a ponto de em muitos lugares sofrerem ameaças e violência.
Se for verdade
que os meios de comunicação públicos e privados tendem a seguir uma orientação
política favorável às elites dominantes, não é menos verdade que o papel social
do profissional de comunicação acaba absorvido por essa tendência. Um código de
conduta profissional foi sugerido pela Federação Nacional de Jornalistas
(Fenaj) em 2007, mas foi duramente criticado pelos setores patronais e hoje em
dia é solenemente ignorado, tanto pelos profissionais da categoria quanto pelos
donos das empresas que os empregam.
Diálogo com as
comunidades
As épocas em
que mais se pode perceber como a comunicação pode ser usada em detrimento do
interesse público são aquelas que se aproximam das datas de eleições para
cargos públicos. Geralmente, os grupos concorrentes fecham ou reduzem os
espaços de suas páginas ou programações à divulgação de informações da
candidatura do grupo rival, enquanto o candidato próprio do grupo recebe grande
destaque. Os meios de comunicação social se transmutam em verdadeiros aparelhos
de marketing eleitoral.
O pior é que
essa tendência de fortalecimento da parcialidade jornalística pela adesão a
compromissos político-eleitorais também pode ser verificada no dia-a-dia em
grandes órgãos de imprensa privados. O lado negativo da notícia é valorizado
incessantemente a fim de mascarar a realidade e omitir, de fato, as reais
preocupações da imprensa com o sentido republicano que ela evoca para si.
Diante dessa
realidade imposta por meios de comunicação treinados muito mais para atacar do
que estabelecer o debate democrático, o novo modelo administrativo adotado pelo
governo Déda propusera mudanças em diversas áreas, a partir do resgate de uma
política de planejamento estratégico. Assim, o setor de Comunicação Social
tomou para si o desafio de estabelecer algo diferente no exercício de
comunicar. Foi dada prioridade às ações de comunicação de interesse público,
seguindo uma proposta de criar condições reais de produção de diálogo com as
comunidades. A proposta era a de integrar a Comunicação Social, como ferramenta
de gestão, ao planejamento estratégico do governo do Sergipe, criando condições
de aperfeiçoar e ampliar o relacionamento com os órgãos de comunicação
governamentais e não-governamentais, com destaque para a modernização da TV
Pública, a formação de redes de rádios comunitárias e sociais e a criação de
centros de mídia nas escolas.
Inclusão
social
Com o apoio do
governo do estado, a Secretaria de Estado da Comunicação Social de Sergipe
(Secom-SE) iniciou o processo de reformulação e de implementação de uma nova
ótica organizacional, com o objetivo de democratizar a comunicação social e o
acesso à informação. Foram realizados investimentos na adequação do ambiente
organizacional, na criação de fluxos administrativos e na implantação de um
organograma provisório. O foco das ações estava na integração e na qualificação
de servidores, sob o mote “informação como um direito do cidadão”.
Porém, para o
novo cenário em que a Secom-SE buscou o apoio da Unesco o objetivo era avançar
bem mais. Dizia respeito às ações de inclusão social, educação e cultura, que
passavam pela questão da efetiva democratização da informação, observando-se a
Comunicação Social no sentido vertical, não só de cima para baixo, mas,
especialmente, debaixo para cima, através de mecanismos e canais que
permitiriam a participação popular. O desafio que a Secom-SE se propôs foi
integrar a informação de domínio público aos meios de comunicação oficiais,
garantindo maior capilaridade do fluxo de informações e possibilitando que o
público também se tornasse uma fonte importante de informações e notícias.
A cooperação
técnica com a Unesco pôde contribuir com a organização de um sistema integrado de
comunicação social essencialmente democrático, aberto às organizações da
sociedade civil organizada e seus representantes. A diversidade de
possibilidades de cooperação com a Unesco também buscou adentrar o campo da
educação e das salas de aula, materializando-se em uma fronteira de inclusão
social, para unir jovens e adultos em torno de práticas democráticas de
comunicação, através da “Educomunicação”.
Em um país de
dimensões gigantescas como o Brasil, a democratização da comunicação social
precisa ser ainda mais fortalecida, através de projetos que incluam os cidadãos
à sociedade da informação, não só como ouvintes ou telespectadores, mas como
fonte e produtores de conteúdo social autêntico. Essa foi uma preocupação e um
legado que Marcelo Déda escreveu na história de Sergipe, do Brasil e do mundo.
Valeu, Déda!
Fernando
Fagundes é jornalista e consultor de comunicação
Do GGN
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