por Jeffrey
Tucker*
Qual é a
diferença mais notável entre o funcionamento do governo e o da economia de
mercado? Ludwig von Mises nos forneceu uma resposta surpreendente, uma
resposta que ele explicou em detalhes em seu sensacional livro Liberalismo — Segundo a
Tradição Clássica, publicado no longínquo ano de 1927. Mises disse
que a diferença toda estava na contabilidade, isto é, no cálculo de
custos.
Dentro das
burocracias não comerciais do governo, tudo é um jogo de adivinhação.
Você não sabe exatamente o quanto deve gastar em quê; você não sabe se há algum
objetivo racional naquilo que você está fazendo; você não sabe se este ou
aquele plano será bem-sucedido ou se irá fracassar completamente; você não sabe
onde cortar gastos caso tenha de fazê-lo; e você não sabe quais seções e quais
pessoas estão fazendo um bom trabalho e quais não estão. O setor público
é um setor que, inevitavelmente, por pura lógica econômica, sempre funciona às
escuras, sem ter a mínima ideia do que faz, e sempre tendo de fingir que está
fazendo tudo certo.
Por quê?
Porque o governo não opera de acordo com os sinais de preços emitidos pelo
mercado. Ele não opera segundo a lógica do sistema de lucros e
prejuízos. Como ele não tem acesso aos sinais de preços, ele não é capaz
de calcular lucros e prejuízos. Por conseguinte, ele não tem uma bússola
que possa guiá-lo em suas ações. Ele não tem como avaliar e estimar a
real valia econômica de qualquer coisa que faça. Seus investimentos nunca
poderão ser feitos da maneira correta, seus serviços nunca serão prestados de
maneira satisfatória, sempre haverá desperdício de recursos e gritante
ineficiência. Esta é uma realidade inevitável. Não se trata de
ideologia; é pura ciência econômica.
Por não ter
esta racionalidade, as burocracias estatais sempre acabam seguindo os caprichos
do governo do momento, preocupadas exclusivamente em satisfazer as demandas de
políticos que visam apenas sua autopromoção e sua reeleição.
Consequentemente, as burocracias estatais sempre estarão sob os auspícios de
uma gente cujo horizonte temporal é de no máximo quatro anos, e inevitavelmente
se transformarão em fábricas de desperdício, ineficiência, confusão e
ressentimento.
Já nas
empresas privadas que operam em ambiente de livre concorrência a situação é
diferente. No mundo do comércio, os sinais de preços emitidos pelo
mercado comandam as decisões. O sistema de lucros e prejuízos mostra como
os recursos escassos estão sendo empregados. Se corretamente, os consumidores
recompensam as empresas propiciando-lhes grandes lucros; se erroneamente, os
consumidores punem as empresas impondo-lhes prejuízos. Uma expansão ou um
corte nos investimentos é algo que será guiado pelo balancete das
empresas. Os empregados são produtores que são valorados, e não
explorados. Não interessa se a empresa é grande ou micro: ela estará
sempre em busca da lucratividade. E a lucratividade sempre será, em
última instância, determinada pela decisão voluntária dos consumidores.
Para ver como
algo aparentemente simples possui ramificações muito mais complexas do que se
poderia imaginar a princípio, peguemos o exemplo de um restaurante
chique. A estrutura de produção deste restaurante não se resume apenas à
coordenação entre os garçons e a cozinha. É necessário haver uma
administração voltada exclusivamente para o controle dos estoques de todos os
alimentos e de todas as bebidas. Como não é possível saber com
antecedência o que os clientes irão ordenar de seu variado menu, o estoque de
alimentos e bebidas tem de ser vasto e plenamente adaptável às súbitas
alterações de gosto e interesse de seus clientes. Tal controle de estoque
não seria possível de ser planejado sem preços de mercado, sem a contabilidade
e sem o sistema de lucros e prejuízos.
Além da
coordenação entre os chefs e os cozinheiros, e entre os cozinheiros e os
garçons, a estrutura de produção deste restaurante se estende para muito além
de suas paredes. A comida tem de vir de todos os cantos do mundo.
Diversos meios de transporte têm de ser utilizados para fazer com que a comida
chegue ao estabelecimento. Mas não é possível servir comidas e bebidas se
não houver agricultura, criação de gado e plantio de ervas e temperos em
lugares remotos do mundo. E a coordenação não pára por aí. Ela
ainda volta no tempo — décadas e às vezes até séculos — para as primeiras
sementes plantadas nos vinhedos que produziram os vinhos, e os primeiros
centeios que produziram os uísques e as demais bebidas servidas no
restaurante. E a tecnologia que possibilita tudo isso é relativamente
nova, desde a refrigeração até a comunicação digital entre a cozinha e o
maître. Nada disso seria possível sem o sistema de preços, que permite a
contabilidade de custos e determina se há ou não lucratividade em qualquer uma
das etapas envolvidas neste processo.
Este mecanismo
extraordinariamente complexo — muito mais complicado do que qualquer operação
já tentada por qualquer burocracia estatal — tem de funcionar harmoniosamente
para todos os clientes que aparecerem no restaurante em qualquer momento.
E se ninguém aparecer? Se isso acontecer com muita frequência, todo o
investimento entra em colapso. Todo o planejamento, todos os gastos,
todas as habilidades envolvidas se revelarão um grande desperdício. O
mercado enviou seu sinal: o empreendimento não estava empregando recursos
escassos da maneira mais eficiente possível. O que determina se este
empreendimento será pujante e lucrativo ou se ele desaparecerá rapidamente é
simplesmente a decisão do consumidor de comer lá ou não. Não há ninguém
apontando armas para ninguém, não há coerção, não há chantagem. Há apenas
um empreendimento implorando para poder servir seus clientes.
Se você
propusesse a criação de algo assim para uma pessoa que jamais houvesse visto
algo parecido em operação, ela nunca iria acreditar que tal coisa pudesse
funcionar. Muito menos existir.
É por tudo
isso, escreveu Mises, que o cálculo monetário e a contabilidade de custos
constituem as mais importantes ferramentas intelectuais do empreendedor
capitalista. Mises celebrou a famosa declaração de Goethe, que havia dito
que o método contábil das partidas dobradas foi "uma das mais admiráveis
invenções da mente humana."
Uma vez
vislumbrado todo este processo, fica fácil entender por que vivenciamos
recorrentemente o fenômeno dos ciclos econômicos. Fica mais fácil
entender por que empresas privadas muitas vezes parecem fazer coisas tão
insensatas e imprudentes quanto o governo; por que elas também tomam decisões
irracionais; por que elas também produzem burocracias; por que elas também
seguem o capricho de políticos; por que elas também passam por ciclos de
expansão e contração.
Mises explicou
isso, neste mesmo livro. A causa de tudo é aquilo que ele chamou de
intervencionismo. Quanto mais o governo regula, intromete, tributa, erige
barreiras, produz inflação, confisca, proíbe e todo o resto, mais a iniciativa
privada se torna sujeita à mesma irracionalidade que permanentemente assola o
governo. As intervenções do governo no mercado, por menores que
aparentemente sejam, provocam distúrbios no sistema de preços, afetando toda a
contabilidade de custos das empresas. As intervenções estatais podem
tanto fazer com que empreendimentos insustentáveis repentinamente aparentem ser
lucrativos (sem que realmente o sejam), como também pode fazer com que
empreendimentos genuinamente lucrativos se tornem rapidamente insolventes.
O governo expande até a iniciativa privada os mesmos males que o
acometem.
A descrição
feita por Mises em 1927 é interpretada hoje como se ele estivesse de posse de
alguma bola de cristal. Tudo se torna mais claro assim que você passa a
ver o mundo da mesma maneira que ele. Basta analisar a realidade atual.
Oito anos
atrás, estimulados pela expansão artificial do crédito feita por seus
respectivos bancos centrais, os mercados imobiliários da Europa e dos EUA estavam a
pleno vapor, com preços e lucros em contínua ascensão, o que gerava vários
milionários por minuto. Parecia que o mundo havia entrado em uma nova era
de prosperidade e de riqueza infinita para todos. E então, da noite para
o dia, tudo ruiu. Depois de cinco anos, ainda há cadáveres por todos os
lados. Várias empresas quebradas, bancos zumbis com seus balancetes
contaminados e as economias totalmente letárgicas.
Os governos e
os bancos centrais ao redor do mundo estão hoje completamente perdidos.
Praticamente todas as semanas, um figurão do alto escalão de algum governo ou
banco central vem a público anunciar uma nova medida intervencionista, e sempre
termina seu anúncio dizendo que "agora vai!". E tudo só
piora. E quase ninguém entende por quê.
O
desconhecimento das obras de Mises é algo que continuará afetando nossa
prosperidade e nosso bem-estar muito mais do que você pode imaginar.
Adquira o livro Liberalismo
Clicando (AQUI)
*Jeffrey
Tucker é o presidente da Laissez-Faire
Books e consultor editorial do mises.org. É também autor dos
livros It's
a Jetsons World: Private Miracles and Public Crimes e Bourbon for
Breakfast: Living Outside the Statist Quo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua visita foi muito importante. Faça um comentário que terei prazaer em responde-lo!
Abração
Dag Vulpi