Um tribunal deve
ser a voz do direito e não a voz das ruas. Condenar e mandar para a cadeia sob
o risco de se tomar uma decisão errada não fará do Brasil um país melhor
O Supremo
Tribunal Federal retoma nesta semana o julgamento da Ação Penal 470, analisando
os embargos de declaração apresentados pelas defesas dos réus, além de discutir
se aceitará ou não os infringentes. O debate sobre o caso volta à tona, mas
agora, na visão de alguns analistas, com um ingrediente extra: ‘a pressão das
ruas’ não deixa espaço para que os ministros analisem cada recurso como manda a
Constituição e o regimento interno da corte.
O
clima pós-manifestações de junho deve ser respeitado, mas não pode servir de
argumento simplista para cercear o papel do STF de avaliar com independência e
isenção os recursos apresentados. Mais que simplista, tal argumento é um
armadilha para o Estado democrático de direito. Decisões de tribunais devem ter
um sentido contra-majoritário em favor dos direitos fundamentais. Um tribunal
deve ser a voz do direito e não a voz das ruas.
Recentemente,
o professor Joaquim Falcão, da FGV, durante debate que promovia o lançamento de
seu livro Mensalão
- Diário de um julgamento,
afirmou que os ministros devem analisar, diante da “impaciência das ruas”, se
os embargos infringentes não serão usados apenas como uma estratégia da defesa
para postergar o julgamento. “A pergunta (nas ruas) vai ser a seguinte: sete
anos não é tempo suficiente para se chegar a uma decisão? Não terá todas as
oportunidades de defesa terem sido dadas de forma suficiente?”, disse Falcão.
A
resposta é não. Não tenho dúvidas de que o brasileiro que saiu às ruas em junho
ou mesmo que assistiu a tudo pela televisão, mas ficou orgulhoso com o
sentimento de que o ‘gigante acordou’, quer que a Justiça brasileira seja
célere, mas sobretudo que seja justa. Condenar e mandar para a cadeia sob o
risco de se tomar uma decisão errada não é uma solução que fará do Brasil um
país melhor.
As
ditaduras no século XX tiveram sempre essa característica de, nessas questões,
privilegiar o resultado em detrimento do processo. O fim em desfavor do meio.
Assim foram a solução final nazista em relação aos judeus e os julgamentos
estanilistas dos dissidentes
Em
primeiro lugar, é preciso esclarecer que o julgamento não acabou em dezembro
exatamente porque os embargos são fases que compõem o roteiro normal de uma
ação penal perante o STF. Estão previstos no regimento interno e servem para
corrigir erros e também para rever o mérito quando o réu obteve ao menos quatro
votos a seu favor.
Não
há dúvidas que o julgamento do mensalão precisa de muitas correções. Entre os
vários equívocos apontados pelos advogados de defesa, a questão do desvio do
dinheiro público, um dos pilares da acusação, não se sustenta em pé. O STF
concluiu que mais de 70 milhões de reais foram desviados do Banco do Brasil e
da Câmara dos Deputados para abastecer o esquema. Há, no entanto, provas
robustas de que os serviços de publicidade e promoção foram executados pela DNA
e SMP&B tanto no contrato com o BB quanto na Câmara. Existem ordens de
serviços, notas fiscais, auditorias e pareceres do próprio TCU, além dos
relatórios com vídeos e fotografias que comprovam os trabalhos. Exemplos não
faltam: anúncios em jornais, revistas e TVs, patrocínios a festas populares e a
atletas, como o tenista Gustavo Kuerten e as jogadoras de vôlei de praia Shelda
e Adriana Behar.
Na
fase de dosimetria, um erro crasso sobre a data da morte do ex-presidente do
PTB José Carlos Martinez deverá obrigar o plenário a rever as penas para os
crimes de corrupção ativa e passiva. O ministro relator considerou que a
promessa de dinheiro a Martinez ocorrera depois de novembro de 2003, quando
passou a valer penas mais rígidas para tais crimes. Mas é público e notório que
o ex-petebista morreu dia 4 de outubro do mesmo ano em um acidente aéreo.
Portanto, qualquer acordo entre os partidos só poderia ter sido fechado ainda
no período de vigência da lei anterior.
Esses
são apenas dois exemplos, mas que mudam tanto a configuração do mérito do caso
quanto das penas aplicadas. Precisamos aprender com o exemplo do ano passado,
quando o desejo de se chegar a uma condenação exemplar supostamente garantidora
da moralidade pública desequilibrou a balança da Justiça e se sobrepôs tanto à
presunção de inocência e outros direitos fundamentais quanto a contraprovas que
desmentem boa parte do enredo contado em plenário. Um ano depois, temos uma
chance para corrigir injustiças. Que as sessões de 2013 sejam pautadas pelo
equilíbrio atento aos autos do processo e à Constituição e que os ministros
tenham a grandeza - que sabemos todos lá têm - para corrigir erros evidentes e
a rever o mérito, quando necessário e formalmente possível. O Brasil precisa de
justiça, não de justiçamento.
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