No final de
2008, o ex-governador ignorou parecer contrário da Procuradoria e alienou, sem
licitação, terreno para empresa em Vila Velha por um quinto do valor de mercado
Por Nerter
Samora no Seculo Diario
Após descer
as escadarias do Palácio Anchieta pela última vez, no início de 2011, o
ex-governador Paulo Hartung (PMDB) assumiu o seu papel na iniciativa privada.
Além de figurar como sócio no escritório de consultoria Éconos – juntamente com
o seu ex-secretário de Fazenda, José Teófilo de Oliveira –, o peemedebista
também passou a atual como membro do Conselho de Administração da transacional
EDP – Energias do Brasil S.A., proprietária da antiga estatal Escelsa, que é
concessionária do serviço de distribuição de energia no Espírito Santo.
A nomeação
de Hartung como conselheiro da empresa (veja reprodução do site ao lado), em
abril do ano passado, pode parecer natural, à primeira vista. No entanto, a
inclusão do ex-governador junto ao principal órgão decisório da transnacional
remonta uma história de benefício do governo estadual à empresa. No apagar das
luzes de 2008, o então governador deu vazão a uma operação que alienou uma área
em Vila Velha, de cinco mil metros quadrados, à Escelsa, por R$ 1,9 milhão,
sendo que o valor de mercado do terreno está avaliado em mais de R$ 10 milhões.
A operação de alienação do terreno, no bairro Boa Vista – ao lado do novo Fórum de Vila Velha –, para a construção de uma subestação de energia, chama ainda mais atenção pelo fato de a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) ter se manifestado de forma contrária. Documentos obtidos pela reportagem de Século Diário revelam toda a movimentação do então governador Hartung para garantir a alienação da área, sem a realização de licitação, com o auxílio da Assembleia Legislativa, convocada para dar aspecto de legalidade à transação.
Em parecer assinado no dia 23 de julho de 2008, o procurador do Estado, Roger Faiçal Ronconi, deu início à análise do pedido feito pelo diretor-presidente da Escelsa à época, Agostinho Gonçalves Barreira ao então vice-governador (hoje senador) Ricardo Ferraço (PMDB) sobre a possibilidade de aquisição do terreno. Na ocasião, o procurador solicitou à Subprocuradoria de Consultoria Administrativa (SCA) que se manifestasse sobre a legalidade da alienação da área sem o atendimento às formalidades legais – leia-se neste caso, o procedimento licitatório.
Na resposta ao pedido, a procuradora do Estado, Juliana Paiva Faria Faleiro, entendeu que “o caso descrito nos autos, à primeira vista, não constitui hipótese de dispensa de licitação consagrada na lei, não sendo vislumbrada, também, situação de inexigibilidade de licitação”. O parecer foi aprovado pelo procurador chefe da SCA, Christiano Dias Lopes Neto, no dia 06 de agosto de 2008, que reforçou o entendimento pela necessidade da alienação do imóvel ser precedida de licitação.
Entretanto, o governador Paulo Hartung seguiu um outro caminho para dar vazão à pretensão da empresa, na qual seria nomeado conselheiro três anos depois. Para isso, o peemedebista contou com a participação da Assembleia Legislativa e de uma “brecha” aberta pelo Regimento Interno da Casa, que prevê a tramitação em regime de urgência dos projetos enviados pelo Executivo a menos de 15 dias do final do ano. Tanto que o projeto autorizando a alienação foi protocolado no dia 22 de dezembro daquele ano e publicado no Diário Oficial do Estado apenas dois dias depois.
Mesmo sem o aval da PGE para a transação, Hartung encaminhou à Assembleia a Mensagem governamental nº 305/2008 – que se transformou no Projeto de Lei nº 509/2008 –, onde autorizava o Poder Executivo a alienar a área para a construção da Subestação de Energia de Itapoã e da Linha de Distribuição de Energia. A matéria foi lida no expediente da Assembleia no mesmo dia em que foi protocolada, o que dava indícios da uma “tramitação relâmpago”. No dia seguinte, a matéria foi colocada em votação no plenário, em regime de urgência, sendo aprovada com os pareceres favoráveis das comissões de Justiça e Finanças.
Naquele mesmo dia (23), o autógrafo de lei (texto aprovado pronto para sanção do governador) foi encaminhado ao Palácio Anchieta. O governador teria o prazo de 30a dias, entre 24 de dezembro e 19 de janeiro, para sancionar – ou vetar – o projeto. No entanto, a disposição de repassar à área para a Escelsa era tamanha que o então governador ratificou a transação no mesmo dia. Desta forma, no espaço de 24 horas, a Lei ordinária nº 9.089 começou a ser discutida e votada pela Assembleia, depois encaminhada ao Palácio Anchieta e, enfim, sancionado pelo governador do Estado.
Recompensa
Depois de garantir a alienação da área para a construção da subestação sem a necessidade de licitação, o ex-governador Paulo Hartung teve a sua compensação: com a indicação ao cargo de conselheiro independente no Conselho de Administração do grupo EDP, em abril de 2012 (veja descrição abaixo). Ao todo, o conselho tem oito cadeiras, sendo que quatro delas são ocupadas por conselheiros independentes – função prevista no Regulamento do Novo Mercado da BM&F Bovespa, que prevê a participação de profissionais sem vínculo com a empresa para participar no campo decisório das companhias.
A nomeação do ex-governador foi oficializada durante a 33ª Assembleia Geral
Ordinária (AGE)do grupo, realizada no dia 10 daquele mês.
Inicialmente, o mandato do conselheiro independente é de um ano, podendo ser
prorrogado (reeleito) quantas vezes for necessário, segundo o estatuto da
empresa. Hipótese que aconteceu na 34ª AGE, em abril deste ano, quando Hartung foi reeleito para o colegiado.
Neste período, o ex-governador participou de reuniões presenciais – e por
teleconferência – na sede social da empresa, em São Paulo.
Para se ter a dimensão da importância do Conselho, uma das atribuições do órgão é de orientar os negócios da companhia. Os oito membros do Conselho também podem eleger e destituir a direção da companhia, bem como se manifestar sobre o relatório e as contas da diretoria. Além de representantes da cúpula da empresa, o Conselho de Administração conta com a participação como conselheiros independentes do ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan, e do advogado paulista Modesto Carvalhosa, ex-consultor da Bolsa de Valores e especialista em Direito Societário.
É claro que a atuação no Conselho não é voluntária: todos os conselheiros – entre eles, os independentes – fazem jus a uma remuneração pela atividade. O valor é disciplinado pela própria AGE, que define a cada ano o valor global da remuneração dos membros do Conselho de Administração. No ano de 2012, primeiro de Hartung no órgão, a empresa destinou R$ 840 mil para os conselheiros – o que dá aproximadamente R$ 105 mil anuais para cada membro. Para este ano, o valor total foi ampliado para R$ 860 mil, o que dá uma média de R$ 107,5 mil para cada conselheiro.
De acordo com o estatuto social do grupo EDP, o Conselho de Administração deve se reunir, obrigatoriamente, a cada três meses – com exceção das reuniões extraordinárias, na maioria dos casos, de forma não-presencia (via teleconferência). No ano passado, o ex-governador participou de nove reuniões do conselho. Neste ano, Hartung já participou de outras nove – o que deve lhe render a média de R$ 10 mil por reunião até dezembro.
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